CONCEITO
O Código Civil designa, com o vocábulo empréstimo, dois contratos de reconhecida importância: o
comodato e o mútuo. Têm eles em comum a entrega de uma coisa. Diferenciam-se, todavia,
profundamente.
■ Diferenças entre comodato e mútuo: a) o comodato é empréstimo para uso apenas, e o
mútuo, para consumo; b) no comodato, a restituição será a da própria coisa emprestada, ao passo
que no mútuo será de uma coisa equivalente; c) o comodato é essencialmente gratuito, enquanto
o mútuo tem, na com-preensão moderna, em regra, caráter oneroso. Embora possa ser gratuito,
raramente se vê, na prática, as pessoas emprestarem coisas fungíveis, máxime dinheiro, sem o
correspondente pagamento de juros.
■ Definição legal Segundo dispõe o art. 579 do Código Civil, “comodato é o empréstimo gratuito
de coisas não fungíveis. Perfaz-se com a tradição do objeto”. É, portanto, contrato benéfico, pelo
qual uma pessoa entrega a outrem alguma coisa infungível, para que a use graciosamente e,
posteriormente, restitua-a.
CARACTERÍSTICAS DO COMODATO
Como se infere do conceito retromencionado, são três as características essenciais do contrato de comodato:
- GRATUIDADE;
- INFUNGIBILIDADE DO OBJETO;
- TRADIÇÃO.
Gratuidade
Decorre da própria natureza do comodato, pois se confundiria com a locação, se fosse oneroso. Não
o desnatura, porém, o fato de o comodatário de um apartamento responsabilizar-se pelo pagamento das
despesas condominiais e dos impostos. Se, no entanto, o empréstimo é feito mediante alguma compensação, não existe comodato, mas contrato inominado.
Tem-se admitido hodiernamente, todavia, a coexistência do empréstimo de uso e de encargo
imposto ao comodatário, configurando-se, no caso, o comodato modal, desde que, naturalmente, o
ônus não se transforme em contraprestação. Não desnatura o comodato, por exemplo, o empréstimo
com a obrigação de o comodatário revender bens de fabricação do comodante, como sucede com as
distribuidoras de derivados de petróleo quando fornecem equipamentos, tais como instalações, bombas,
elevadores de veículos etc., desde que o posto de serviços de veículos comercialize unicamente
produtos de sua bandeira. A obrigação de revenda exclusiva não representa remuneração ao
comodato.
Em geral, o contrato de comodato tem natureza intuitu personae, traduzindo um favorecimento
pessoal do comodatário, embora essa circunstância não seja essencial. Por essa razão, em princípio
deve extinguir-se pela morte deste, não se estendendo aos seus sucessores, salvo ratificação do
comodante ou se o uso ou serviço para o qual foi outorgado não houver terminado.
Infungibilidade do objeto
Implica a restituição da mesma coisa recebida em empréstimo. Se fungível ou consumível, haverá
mútuo. Mas pode ela ser móvel ou imóvel. A avença pode consistir, também, na fruição de
determinado lugar (commodatum loci).
O comodato de bens fungíveis ou consumíveis só é admitido quando, excepcionalmente, as partes
convencionam a infungibilidade de coisas naturalmente fungíveis e consumíveis, por exemplo, quando
são emprestadas para serem exibidas em uma exposição, devendo ser restituídas as mesmas, ou
quando destinadas a ornamentação, como uma cesta de frutas, por exemplo (comodatum ad pompam vel ostentationem).
Tradição
A necessidade da tradição para o aperfeiçoamento do comodato torna-o um contrato real. Somente
com a entrega, e não antes, fica perfeito o contrato. O legislador optou por tratá-lo, expressamente,
como contrato dessa espécie (CC, art. 579, segunda parte). Portanto, de iure condito é contrato real,
sendo também assim considerado pela doutrina tradicional. Desdobra-se a posse em direta e indireta.
Recebendo a coisa, o comodatário passa a exercer a posse direta, permanecendo a indireta com o
comodante (CC, art. 1.197). Ambos, sendo possuidores, podem invocar a proteção possessória contra
terceiro, bem como um contra o outro (CC, art. 1.197).
NATUREZA JURÍDICA
O comodato é contrato:
- UNILATERAL;
- TEMPORÁRIO;
- NÃO SOLENE.
■ Unilateral, porque, aperfeiçoando-se com a tradição, gera obrigações apenas para o
comodatário. Uma vez constituído pela tradição, apenas o comodatário passa a ter obrigações
definidas e constantes. Só por exceção o comodante pode assumir obrigações, posteriormente.
Alguns autores, em razão dessa possibilidade eventual, enquadram o aludido contrato na
subcategoria dos contratos bilaterais imperfeitos 121. Silvio Rodrigues considera, com razão,
descabida a afirmação de que o comodato é contrato bilateral imperfeito, porque as mencionadas
obrigações “não são peculiares ao comodato, mas a qualquer contrato”
■ Temporário: se o empréstimo for perpétuo, transforma-se em doação. O ajuste pode ser por
prazo determinado ou indeterminado. Neste caso, presume-se ser o necessário para o
comodatário servir-se da coisa para o fim a que se destinava (CC, art. 581). Assim, por exemplo, o
empréstimo de máquinas agrícolas entende-se efetivado para determinada safra, finda a qual devem
ser restituídas. Se o comodatário falecer antes disso, não se permite ao comodante reclamar dos
herdeiros dele a devolução do objeto emprestado. Já se é emprestada uma cadeira de rodas, verbi
gratia, a um doente em recuperação, e este vem a falecer durante o tratamento, pode o comodante,
por haver cessado o motivo determinante do uso concedido, reclamar dos herdeiros a restituição do
objeto emprestado. Deve o comodante abster-se de pedir a restituição da coisa emprestada, antes
de expirado o prazo convencional ou presumido pelo uso, salvo se demonstrar em juízo a sua
necessidade, urgente e imprevista, sendo esta reconhecida pelo juiz. Nesta hipótese, poderá ser
autorizado a antecipar a sua recuperação, como previsto no art. 581 do Código Civil. Esta regra
decorre do caráter benéfico do contrato.
■ Não solene: A lei não exige forma especial para validade do contrato, podendo ser utilizada até a
verbal. A sua existência pode ser comprovada até mesmo por testemunhas, pois são admitidos
todos os gêneros de prova. Muitas vezes, no entanto, sua prova só por escrito se poderá fazer
eficientemente, especialmente porque há necessidade de distingui-lo da locação, que exige uma
retribuição, ou da doação, que dispensa a restituição da coisa. Por isso se costuma dizer que o
comodato não se presume, devendo ser cumpridamente provado por quem o alega, especialmente
porque, sendo gratuito, dispensa qualquer contraprestação.
REQUISITOS LEGAIS
■ Necessidade de autorização especial para os administradores de bens alheios em geral Os
tutores, curadores, e em geral todos os administradores de bens alheios “não poderão dar em
comodato, sem autorização especial, os bens confiados à sua guarda” (CC, art. 580). Com efeito,
os administradores em geral, como inventariantes, testamenteiros e depositários, podem ceder em
comodato os bens confiados à sua guarda, desde que autorizados pelo juiz a que estejam sujeitos
os bens do incapaz. Denota-se a intenção do legislador em proteger o incapaz, e todos aqueles que
não têm a livre administração de seus bens, contra atos lesivos que possam ser eventualmente
praticados pelos responsáveis por essa administração.
■ Capacidade geral para contratar Para figurar em contrato de comodato, as partes devem ter
capacidade geral para contratar. Consistindo apenas em cessão de uso, não se exige que o
comodante seja proprietário, como dito acima. Basta que tenha a posse ou por direito lhe
pertença o mesmo uso, como sucede com o enfiteuta, o usufrutuário e o usuário, por exemplo, salvo
as hipóteses de vedação contratual ou legal, como no caso dos tutores e curadores, há pouco
mencionado. Na locação de imóveis, por exemplo, o empréstimo da coisa locada pelo locatário
depende de autorização expressa do locador (Lei n. 8.245/91, art. 13).
SUBCOMODATO
Sendo o comodato baseado na confiança, é vedada a cessão de uso mediante subcomodato, à falta
de expressa autorização. Sem ela, a subcontratação constitui abuso, com desvio de finalidade.
DIREITOS E OBRIGAÇÕES DO COMODATÁRIO
■ Direitos Concernem ao uso e gozo da coisa emprestada, que não são ilimitados, mas sujeitos a
regras disciplinadoras, que formam um feixe de deveres e obrigações.
■ Obrigações Consistem, basicamente, em:
- CONSERVAR A COISA;
- USAR A COISA DE FORMA ADEQUADA;
- RESTITUIR A COISA.
Obrigação de conservar a coisa
O comodatário deve “conservar, ‘como se sua própria fora’, a coisa emprestada”, evitando
desgastá-la (CC, art. 582). Não pode alugá-la, nem emprestá-la sem autorização. Da obrigação de
conservar a coisa emerge a de responder pelas despesas de conservação ou necessárias, não
podendo recobrar do comodante as comuns, “feitas com o uso e gozo da coisa”, como a alimentação
do animal emprestado, por exemplo (art. 584).
As despesas extraordinárias devem ser comunicadas ao comodante, para que as faça ou o autorize
a fazê-las. Já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que os gastos somente serão indenizáveis se
urgentes e necessários, classificando-se como extraordinários.
Preceitua, ainda, o art. 583 do
Código Civil que, em caso de perigo, preferindo o comodatário salvar os seus bens, “abandonando o
do comodante, responderá pelo dano ocorrido, ainda que se possa atribuir” o evento “a caso
fortuito, ou força maior”. A obrigação de conservar e manter a coisa traz como consequência a
responsabilidade do comodatário pelo dano que lhe advenha. Como não basta um cuidado elementar,
devendo dela cuidar com tanta ou maior solicitude do que dos seus próprios bens, responde não apenas
por dolo, mas por toda espécie de culpa, mesmo a levíssima; não, porém, pelo que a ela ocorrer em
razão do uso normal ou pela ação do tempo, nem pelo fortuito ou força maior.
Obrigação de usar a coisa de forma adequada
O comodatário não pode “usá-la senão de acordo com o contrato, ou a natureza dela, sob pena de
responder por perdas e danos” (CC, art. 582). Se o contrato não traçar as regras e os limites de sua
utilização, serão eles dados pela natureza da coisa.
O uso inadequado constitui, também, causa de resolução do contrato. A propósito, preleciona
Washington de Barros Monteiro, com suporte na jurisprudência: “Se o contrato diz respeito, por
exemplo, a um automóvel emprestado para curtos passeios na cidade, não pode o comodatário
empregá-lo em longas viagens pelo interior”.
Obrigação de restituir a coisa
Deve a coisa ser restituída no prazo convencionado, ou, não sendo este determinado, findo o
necessário ao uso concedido. Assim, se alguém empresta um trator para ser utilizado na colheita,
presume-se que o prazo do comodato se estende até o final desta. O comodatário que se negar a
restituir a coisa praticará esbulho e estará sujeito à ação de reintegração de posse, além de incidir em
dupla sanção: responderá pelos riscos da mora e terá de pagar aluguel arbitrado pelo comodante
durante o tempo do atraso (CC, art. 582, segunda parte) . Não cabe, no caso, ação de despejo, por
inexistir relação ex locato entre as partes.
Em regra, o comodatário não responde pelos riscos da coisa. Mas, se estiver em mora, responde
por sua perda ou deterioração, ainda que decorrentes de caso fortuito (art. 399). A expressão aluguel
vem sendo interpretada como perdas e danos, arbitradas pelo comodante, não transformando o
contrato em locação. Pode este arbitrar o valor desse aluguel na petição inicial ou no curso da ação
possessória. Somente por exceção pode o comodante exigir a restituição da coisa antes de findo o
prazo convencionado ou o necessário à sua utilização: em caso de necessidade imprevista e
urgente, reconhecida pelo juiz (art. 581), como visto no item anterior.
DIREITOS E OBRIGAÇÕES DO COMODANTE
■ Obrigações
A rigor, o comodante não tem obrigações, pois o comodato, segundo a dicção legal,
perfaz-se com a tradição do objeto (CC, art. 579). Efetuada esta, restam obrigações somente para o
comodatário. Todavia, é possível que obrigações possam surgir, eventualmente. Assim:
a) O
comodante tem a obrigação de reembolsar o comodatário pelas despesas extraordinárias e
urgentes que este fizer na coisa, que importem em gastos que excedam da sua conservação normal
e não possam esperar que, avisado, o primeiro as efetue tempestivamente.
b) Compete também ao comodante indenizar o comodatário dos prejuízos causados por vício
oculto da coisa, dos quais tinha conhecimento, e dolosamente não preveniu em tempo o
comodatário.
c) Tem o comodante, ainda, a obrigação de receber a coisa em restituição, findo o prazo do
comodato. Recusando-se a isso, pode ser constituído em mora, sujeitando-se à ação de
consignação em pagamento e arcando com todas as consequências da mora.
Frise-se que as obrigações mencionadas são peculiares a todos os contratos e não permitem, por
isso, que se denomine o comodato de contrato bilateral imperfeito, como esclarecido no item 6.3, retro.
■ Direitos
Os direitos do comodante correspondem às obrigações do comodatário. Os principais
são: a) Exigir do comodatário que conserve a coisa como se fora sua, usando-a apenas de acordo
com sua destinação, finalidade e natureza.
b) Exigir que o comodatário efetue os gastos ordinários para conservação, uso e gozo da coisa
emprestada, restituindo-a findo o prazo convencionado ou presumido.
c) Arbitrar e cobrar aluguel, como penalidade e para satisfação de perdas e danos, em caso de
atraso na restituição.
EXTINÇÃO DO COMODATO
Extingue-se o comodato por diversas formas. Confira-se:
■ O advento do termo convencionado ou a utilização da coisa de acordo com a finalidade
para que foi emprestada acarretam, efetivamente, a extinção do contrato, devendo a coisa ser
restituída.
■ Pela resolução, por iniciativa do comodante, em caso de descumprimento, pelo comodatário, de
suas obrigações, especialmente por usá-la de forma diversa da convencionada ou determinada por
sua natureza.
■ Por sentença, a pedido do comodante, provada a necessidade imprevista e urgente. A benesse só
será deferida ao comodante se ele provar o surgimento de urgente necessidade, que não podia ser
prevista por ocasião do empréstimo (CC, art. 581).
■ Pela morte do comodatário, se o contrato foi celebrado intuitu personae, pois nesse caso as
vantagens dele decorrentes não se transmitem ao herdeiro (p. ex., quando morre o paralítico a quem
foi emprestada a cadeira de rodas). Se, no entanto, o empréstimo do trator ao vizinho, por exemplo,
foi feito para uso na colheita, a sua morte prematura não obriga os herdeiros a efetuarem a
devolução antes do término da aludida tarefa.
■ Pela resilição unilateral, nos contratos de duração indeterminada sem destinação ou
finalidade específica. Deve o comodante notificar o comodatário para que efetue a devolução no
prazo que lhe for assinado. Se a iniciativa for do comodatário, deverá efetuar a restituição da coisa
ou consigná-la judicialmente, se houver recusa do comodante, sem justa causa, em recebê-la (CC,
art. 335, II).
■ Pelo perecimento do objeto do contrato. Neste caso, o comodatário responderá por perdas e
danos se a perda ocorreu por sua culpa. Também será ele responsabilizado, ainda que a perda
tenha decorrido do fortuito e da força maior, se, correndo risco o objeto do comodato, antepuser a
salvação dos seus, abandonando o do comodante (CC, art. 583), ou se se encontrava em mora
de devolver (CC, art. 399), como retromencionado (item 6.6.1, retro)
Fonte: Gonçalves, Carlos Roberto
Direito civil esquematizado®, v. 2 / Carlos Roberto Gonçalves ; coordenador Pedro Lenza. – 4. ed. – São Paulo : Saraiva, 2016