O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8069/90) está em vigor desde julho de 1990 e revolucionou o tratamento legal dispensado a pessoas com menos de 18 anos. Trouxe inúmeras inovações em relação à prevenção e proteção contra a violação dos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes, que não mais são tratados como meros objetos da intervenção do Estado (tal qual ocorria no revogado Código de Menores), mas sim como SUJEITOS DE DIREITOS.
Tem como viga mestra a DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL, que está enunciada na Constituição Federal de 1988, em seu art.227. O artigo 227 da nossa CF é reconhecido na comunidade internacional como a melhor SÍNTESE da convenção da ONU de 1989 que dispõe sobre os direitos fundamentais de crianças e adolescentes. Tem como teor que é DEVER da FAMÍLIA, da SOCIEDADE e do ESTADO (latu sensu) assegurar à criança e ao adolescente, COM ABSOLUTA PRIORIDADE, o direito à vida à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
A doutrina da proteção integral, absorvida pela Constituição Federal de 1988, que se baseia na PROTEÇÃO TOTAL E PRIORITÁRIA dos direitos infanto-juvenis, tem alicerce jurídico e social na supramencionada Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989. O Brasil adotou o texto desta convenção pelo Decreto n° 99.710, de 21 de novembro de 1990, após a análise pelo Congresso Nacional, que a aprovou (Dec. Legislativo n° 28, de 14.09.90).
A citada Convenção, em seus 54 artigos, reconhece o fato de que as crianças, por sua inerente vulnerabilidade, necessitaram de cuidados especiais, proteção responsável da família, respeitos aos seus valores culturais, da comunidade, tendo também firmado regras de não discriminação, determinando que os países signatários zelem pela implementação de direitos como nome, nacionalidade, preservação de identidade etc.
Com a adoção da doutrina da proteção integral, não se vê a atuação dos poderes constituídos apenas quando há prática de infração ou quando se constata que crianças e adolescentes estão privados de condições de sobrevivência de forma digna.
ATUA-SE PREVENTIVAMENTE, DE MODO QUE NÃO SE INSTALE ESTA SITUAÇÃO. Parte-se do pressuposto de que a maior parte da população infanto-juvenil sofre constante ameaça ou violação de seus direitos fundamentais, notadamente por omissão do Estado.
Forma de elaboração do Estatuto:
Diversamente do que ocorre com a maioria das leis brasileiras, o ECA não foi elaborado apenas por um grupo selecionado de juristas. É o resultado da reflexão e participação de vários segmentos da sociedade, como movimentos populares, profissionais da área da saúde, da educação da assistência social, profissionais de entidades de atendimento. Levou-se em consideração a nossa realidade social. Prevê a contínua articulação de vários segmentos da sociedade civil e debates com setores governamentais, nascendo o Forum DCA - Forum permanente de Direitos da Criança e do Adolescente.
Mudança de conceito do Direito da Criança e do Adolescente:
Com o ECA, que absorve a doutrina da proteção integral, o "Direito da Criança e do Adolescente" deixa de ser conceituado como o conjunto de regras jurídicas referentes à situação irregular dos menores de 18 anos, para ser conceituado como o conjunto de regras jurídicas relativas aos deveres impostos à família, à sociedade e ao Estado para a defesa dos direitos primordiais das pessoas em desenvolvimento. Somente com a exata noção do significado e alcance deste conceito é que vamos compreender, em relação à finalidade, o conteúdo das regras do Estatuto. Crianças e adolescentes devem ser considerados, antes e sobretudo, sujeitos de direitos, a eles sendo devida proteção especial e integral por parte de TODOS: família, sociedade e Estado.
Doutrinas referentes à Justiça da Infância e da Juventude:
Para melhor entendimento da atuação da Justiça em relação às crianças e aos adolescentes, é interessante o estudo das doutrinas que a fundamentaram ou a fundamentam atualmente.
1 - Doutrina do Direito Penal do Menor:
Segundo ela, a Justiça apenas intervém quando a criança ou o adolescente praticam uma infração penal. Transfere-se à Justiça direcionada aos menores de dezoito anos a mesma sistemática do Direito Penal. Outorga-se à sociedade o direito de reprimir os atos que lhe são lesivos e praticados pelos menores de 18 anos, sem imposição de qualquer dever para garantia de direitos fundamentais. A Justiça, de acordo com esta doutrina, somente atua quando ocorre a prática de uma infração por criança ou adolescente.
No Brasil, esta doutrina vigorou de 1830 a 1979. A questão da infração praticada por menores de dezoito anos era regulada no Código Penal de 1830 (do Império), dando tratamento diferenciado aos menores de 21 anos.
Adotava a teoria do discernimento, indicando que os menores de 14 anos, que tivessem agido com discernimento seriam recolhidos à casa de correção pelo tempo que o juiz achasse necessário, mas não poderiam permanecer após os 17 anos. Entre 14 e 17 anos estavam sujeitos à pena de cumplicidade (2/3 da do adulto). Entre 17 e 21 tinham a atenuante da menoridade.
Código Penal de 1890 (primeiro da República), na mesma linha anterior, declarou a irresponsabilidade absoluta aos menores de 9 anos. Os de 9 a 14 anos que agissem com discernimento iriam para estabelecimentos disciplinares industriais, pelo tempo que o juiz achasse necessário. Aos entre 14 e 17, a pena de cumplicidade. Aos entre 17 e 21, a atenuante da menoridade.
É claro que jamais existiram os estabelecimentos "disciplinares industriais" e as "casas de correção", sendo os jovens infratores lançados nas prisões comuns de adultos em absoluta promiscuidade.
Esta doutrina não poderia nortear a atuação da Justiça da Infância e da Juventude no Brasil. Somente em países desenvolvidos, onde todos os direitos fundamentais de crianças e adolescentes já são naturalmente respeitados.
2 - Doutrina da Situação Irregular ou do Direito Tutelar do Menor:
Adotada pelo Código de Menores revogado e se revela na intervenção da Justiça da Infância e da Juventude quando verificada a chamada "situação irregular".
As 06 (SEIS) situações irregulares que autorizavam a atuação do Juiz da Infância e da Juventude eram as seguintes:
a) quando a criança ou o adolescente (então genericamente chamados de "menor") se encontrava privado de condições essenciais de sobrevivência, saúde, instrução obrigatórias, ainda que eventualmente em razão de falta, ação ou omissão dos pais ou responsável e manifesta impossibilidade de os mesmos prevê-las (ou seja, quando a família vivesse em condição de miserabilidade);
b) quando fosse vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsáveis;
c) quando estivesse em perigo moral por estar habitualmente em ambiente contrário aos bons costumes ou em atividade contrária aos bons costumes;
d) quando estivesse privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável;
e) quando apresentasse desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar e comunitária;
f) quando fosse autor de infração penal.
O que se verificava, portanto, era uma total inversão de valores, conceitos e princípios, pois mesmo quando a conduta omissiva ou comissiva da qual resultava grave violação de direitos da criança ou do adolescente era praticada pelos seus próprios pais ou responsável, sociedade ou Estado, quem estava em "situação irregular" era o chamado "menor", e não o responsável pela violação de direitos.
Não se atuava de forma preventiva e, nesse aspecto em particular, o que se verificava era uma inércia inadmissível dos poderes constituídos, cabendo ao antigo "Juiz de Menores" resolver os problemas resultantes dessa omissão, praticamente estabelecendo, a seu exclusivo critério e iniciativa, um "arremedo" pouco eficaz (dada absoluta ausência de recursos e meios) ao que hoje chamamos de "política de atendimento" à criança e ao adolescente a nível de comarca.
Não reconhecia o "menor" como sujeito de direitos, mas sim mero OBJETO DA INTERVENÇÃO DO ESTADO, considerando que toda e qualquer intervenção estatal em relação a os "menores" era do interesse destes, pelo que o "Juiz de Menores" tinha poderes amplos e quase que ditatoriais nesta área, o que pode ser exemplificado através da possibilidade da expedição, por parte desta autoridade, de portarias regulamentadoras e disciplinadoras genéricas e despidas de qualquer fundamentação, que funcionavam como verdadeiras "leis" destinadas em muitos casos a restringir direitos de crianças e adolescentes.
Ainda em razão dessa suposta intervenção sempre "positiva", podia haver a internação do "menor em situação irregular" em estabelecimento "correicional" ainda que não tivesse sido por ele praticado qualquer ato infracional, permanecendo o mesmo em instituições para onde também eram encaminhados os infratores, em total promiscuidade e falta de critérios.
E mais, não se reconhecia a existência de lide nos procedimentos em que se apurava a prática do ato infracional, pelo que a intervenção do defensor era apenas facultativa, sendo os eventuais recursos interpostos apreciados por órgãos de competência meramente administrativa dos Tribunais, como é o caso do Conselho da Magistratura, que apenas recentemente, no estado do Paraná, deixou de ser responsável pelo julgamento de causas referentes à área da infância e juventude.
3 - Doutrina da proteção integral:
É a adotada pelo ECA, com base na CF e normativa internacional. Conforme enuncia, coloca a efetivação dos direitos fundamentais como PRIORIDADE ABSOLUTA, significando esta, por regras do ECA, preferência na formulação e execução de políticas sociais pública e destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude (art.227, caput da CF e art.4º, caput e par. único, alíneas "c" e "d" do ECA).
Como o ECA substituiu o "Código de Menores", que como vimos era um lei extremamente autoritária que não afirmava direitos e, embora em muitos aspectos não recepcionados pela CF/88, ainda perdurou por 02 (dois) anos após sua promulgação, o legislador se viu na obrigação de dizer o óbvio, reproduzindo muitas vezes o texto constitucional e em outras melhor explicitando os direitos e garantias nele contidas, de modo a deixar claro que elas TAMBÉM se aplicam a crianças e adolescentes, que se têm um tratamento difenciado, este se dá de forma compensatória, única forma de assegurar a plena efetivação do princípio constitucional que estabelece a IGUALDADE entre todos os cidadãos.
Conceitos de CRIANÇA e ADOLESCENTE (art.2º, caput do ECA):
a) CRIANÇA é a PESSOA DE ATÉ 12 (DOZE) ANOS INCOMPLETOS e
b) ADOLESCENTE é a PESSOA COM IDADE ENTRE 12 (DOZE) E 18 (DEZOITO) ANOS
INCOMPLETOS.
ABRANGÊNCIA do ECA (art.2º e par. único do ECA):
O ECA aplica-se indistintamente a TODAS as CRIANÇAS e ADOLESCENTES, ou seja, a todas as pessoas com idade inferior a 18 (dezoito) anos, sendo que em SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS, expressamente definidas em lei, aplica-se TAMBÉM A PESSOAS ENTRE 18 (DEZOITO) E 21 (VINTE E UM) ANOS DE IDADE..
São hipóteses de aplicação excepcional do ECA a pessoas de idade superior a 18 anos:
a) a adoção, segundo as regras do Estatuto, de pessoa com mais de 18 (dezoito) e menos de 21 (vinte e um) anos que, antes dessa idade, já se encontrava sob a guarda de direito ou de fato da pessoa ou casal adotante (art.40 do ECA);
b) a colocação de pessoa com idade entre 18 (dezoito) e 21 (vinte um) anos sob tutela (art.36, caput do ECA);
c) a aplicação de medidas sócio-educativas a adolescentes acusados da prática de atos infracionais - entendimento decorrente do contido no art.121, §5º do ECA, que prevê a liberação compulsória do jovem que se encontra cumprindo medida privativa de liberdade de internação quando do atingimento dos 21 (vinte e um) anos.
Ressalvado o caso da tutela, a EMANCIPAÇÃO do jovem com idade entre 18 (dezoito) e 21 (vinte e um) anos não impede a incidência do ECA nas demais situações acima relacionadas.
O ECA somente confere direitos, deixando de lado os deveres?
Evidente que não. A rigor o ECA não confere a crianças e adolescentes direitos outros além daqueles assegurados a todos os cidadãos pela CF e legislação ordinária já existente, embora existam disposições específicas destinadas a protegê-los contra a ameaça ou violação de direitos fundamentais e naturais.
O que é importante deixar claro é que o ECA não confere qualquer espécie de "imunidade" a crianças e adolescentes, de modo a permitir que estes descumpram normas e violem direitos de outras pessoas, sem que recebam a devida resposta estatal. A regra elementar de direito natural que reza "o direito de cada um vai até onde começa o direito do outro" vale também para crianças e adolescentes, que dependendo o caso e grau de violação estão sujeitos à intervenção do Conselho Tutelar, polícia e autoridade judiciária, que aos adolescentes autores de atos infracionais pode impor medidas sócio-educativas privativas de liberdade.
Como dito acima, o que o ECA faz é REAFIRMAR direitos, de modo a deixar explícito que crianças e adolescentes deles TAMBÉM SÃO TITULARES, pois, consoante ventilado, a lei anterior assim não o reconhecia. Mas não fica só aí, pois ao encampar as citadas doutrinas da PROTEÇÃO INTEGRAL e da PRIORIDADE ABSOLUTA, o ECA estabelece ser DEVER DE TODOS (família, sociedade e Estado) e portanto DE CADA UM DE NÓS, "prevenir a ocorrência de ameaça ou violação de direitos da criança e do adolescente" (verbis), consoante expressamente determina seu art.70.
Em seu art.4º, par. único, o ECA procura explicitar o que compreende a "garantia de prioridade" preconizada pelo caput do mesmo dispositivo (que por sua vez, como vimos, praticamente reproduz o art.227, caput da CF), a saber:
a) a primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias - evidente que todas as pessoas que se encontram em situação de perigo têm o direito de ser protegidas e socorridas, mas em havendo crianças, adolescentes e adultos nas mesmas circunstâncias, são aqueles que devem receber a proteção e socorro em primeiro lugar;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública - valem aqui, mutatis mutandis, as mesmas observações supra, pois todas as pessoas, independentemente de sua idade, têm direito ao atendimento em tais serviços. Mais uma vez, no entanto, em se encontrando em situações semelhantes, deverão ser atendidas em primeiro lugar crianças e adolescentes;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas - embora todos devam ser beneficiados pelas políticas sociais públicas, quando de sua elaboração deverá ser dado especial destaque ao atendimento de crianças e adolescentes, garantindo, por exemplo, a implantação de programas que permitam a efetivação das regras contidas nos arts.90. 101 e 129 do ECA;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e juventude - norma de clareza cristalina, deveria garantir a previsão, no orçamento da União, estados e municípios, de recursos em patamar PRIVILEGIADO e SUFICIENTE para criação e manutenção de programas de prevenção, proteção, sócio-educativos e destinados a famílias de modo a atender a demanda existente, permitindo assim que cada município (a MUNICIPALIZAÇÃO do atendimento a crianças e adolescentes é DIRETRIZ traçada pelo art.88, inciso I do ECA) tenha uma estrutura de atendimento adequada ao preconizado pelo ECA.
Infelizmente, apesar de a GARANTIA DE PRIORIDADE encontrar respaldo constitucional, as disposições contidas no art.4º, par. único do ECA ainda não vêm sendo cumpridas a contento, notadamente no que diz respeito à obrigação de os governantes destinar à área um tratamento privilegiado, em especial a nível orçamentário.
O Ministério Público tem procurado de todas as formas reverter essa situação, e embora venha conseguindo obter vários resultados positivos, ainda persiste o entendimento retrógrado e obviamente INCONSTITUCIONAL e contra legem segundo o qual o administrador público teria discricionariedade para dar preferência ao atendimento de outras áreas que não a infanto-juvenil.
Tal pensamento deve ser objeto de veemente repúdio, pois contra a PRIORIDADE - e PRIORIDADE ABSOLUTA que o art.227 caput da CF diz deve o Estado destinar à área da infância e juventude, obviamente desaparece a discricionariedade.
Vale também observar que a PRIORIDADE ABSOLUTA preconizada pela norma constitucional também atinge outros setores, inclusive no que diz respeito à atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário, devendo este destinar à área da infância e juventude um tratamento privilegiado, com preferência na inclusão dos casos a ela afetos nas pautas de audiências e nos julgamentos, de modo que entre a deflagração das ações e procedimentos e a sentença decorra o menor espaço de tempo possível, evitando-se os malefícios da morosidade da Justiça que atingem de forma particularmente cruel crianças e adolescentes.
Para tanto, notadamente nas comarcas que não contam com varas especializadas, devem os cartórios judiciais ser, nesse sentido, orientados e continuamente fiscalizados, pois como todas as ações que tramitam na Justiça da Infância e Juventude SÃO ISENTAS DE CUSTAS E EMOLUMENTOS (art.141, §2º do ECA), há uma nítida tendência de colocá-las em segundo plano na juntada de peças, cumprimento de diligências por oficiais de justiça, abertura de vista etc., negando-lhes assim o tratamento PRIORITÁRIO que merecem.
Registre-se que a prioridade no julgamento dos casos em grau de recurso pelos Tribunais foi expressamente contemplada pelo art.198, inciso III do ECA, que para garantir maior celeridade também previu a dispensa de revisor.
Interessante transcrever o contido no art.6º do ECA, que tem nítida inspiração no art.5º da LICC: "na interpretação desta lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento" (verbis).
A interpretação do ECA, portanto, deve ser sempre a mais favorável possível à criança e ao adolescente, levando-se em conta sua peculiar condição de pessoas (ou cidadãos) em desenvolvimento.
Também aqui se verificam algumas distorções, em especial quando da prática de ato infracional por adolescentes, onde jovens de 12 ou 13 anos são tratados como se tivessem o mesmo discernimento e "culpabilidade" de um imputável com larga experiência de vida.
I. DIREITOS FUNDAMENTAIS
1 - DIREITO À VIDA E SAÚDE:
PRINCÍPIO - A criança e o adolescente, como não poderia deixar de ser, têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas (que como vimos devem ser formuladas em caráter PREFERENCIAL por parte do Poder Público - art.4º, par. único, alínea "c" do ECA) que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, condições dignas de existência - art.7º do ECA;
É assegurado à GESTANTE, através do SUS, o ATENDIMENTO PRÉ E PERINATAL (período imediatamente anterior e posterior ao parto, ou seja, do momento em que é atendida na maternidade ou hospital para dar a luz até o momento de sua alta) - art.8º, caput, do ECA;
Cabe ainda ao Poder Público o APOIO ALIMENTAR À GESTANTE E À NUTRIZ (mulher que amamenta) que dele necessitem - art.8º do ECA;
Tanto o Poder Público quanto as instituições e os empregadores em geral têm o DEVER LEGAL de proporcionar aos recém nascidos CONDIÇÕES ADEQUADAS AO ALEITAMENTO MATERNO, que vale inclusive a filhos de mulheres submetidas a medidas privativas de liberdade.
A propósito, importante observar que a CLT prevê, em seu art.389, inciso IV, §1º, que os estabelecimentos em que trabalharem pelo menos 30 (trinta) mulheres com mais de 16 (dezesseis) anos de idade, deverão ter local apropriado onde seja permitido às empregadas guardar sob vigilância os seus filhos no período de amamentação, ou seja, DEVEM MANTER CRECHES na própria sede da empresa ou mesmo em outro local, sendo facultada a realização de convênios com creches já existentes.
A CLT ainda estabelece o direito da mãe, até que seu filho complete 06 (seis) meses de idade, a 02 (dois) descansos especiais durante a jornada de trabalho, de meia hora cada um - art.396, caput, para fins de amamentação do bebê. O período de 06 (seis) meses acima referido poderá ser DILATADO, quando restar demonstrada a necessidade da medida, a bem da saúde da criança - art.396, par. único da CLT.
Os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde, dentre outros, têm o DEVER de:
• MANTER REGISTRO das atividades desenvolvidas, através de prontuários individuais dos neonatos e parturientes, PELO PRAZO DE 18 (DEZOITO) ANOS - art.10, inciso I do ECA, inclusive sob pena da prática de CRIME previsto no art.229 do ECA;
• IDENTIFICAR O RECÉM NASCIDO mediante o registro de sua impressão plantar (planta do pé) e digital, bem como a impressão digital da mãe, sem prejuízo de outras formas a serem exigidas pela autoridade administrativa competente (Secretaria de Saúde) - art.10, inciso II do ECA. Caso não se proceda a identificação do neonato e a parturiente, em tese restará caracterizado o CRIME previsto no art.229 do ECA;
• PROCEDER A EXAMES visando o DIAGNÓSTICO E TERAPÊUTICA DE ANORMALIDADES NO METABOLISMO do recém-nascido (por exemplo, o "teste do pezinho", exame que deve ser realizado MAIS DE 48 horas após o parto - e também após algumas amamentações, que visa identificar os portadores da FENILCETONÚRIA e HIPOTIREODISMO CONGÊNITO - doenças de regra hereditárias causadas por problemas de metabolismo que podem resultar em deficiência mental), bem como PRESTAR ORIENTAÇÃO AOS PAIS acerca dos cuidados que deverão ter com o filho cujos exames tiveram resultado positivo - art.10, inciso III do ECA, sendo que a NÃO REALIZAÇÃO dos exames importa na prática de CRIME também previsto no art.229 do ECA;
• FORNECER DECLARAÇÃO DE NASCIMENTO, onde constarão as intercorrências do parto e do desenvolvimento do neonato e será utilizada inclusive para fins de registro civil, independentemente do pagamento de taxas ou do débito hospitalar - art.10, inciso IV do ECA, sendo que a RECUSA no seu fornecimento importa na prática de CRIME previsto no art.228 do ECA;
• MANTER ALOJAMENTO CONJUNTO, de modo que o neonato possa permanecer em companhia da mãe enquanto não receber alta - art.10, inciso V do ECA.
Nos termos do disposto no art.11, §1º do ECA, a criança e o adolescente PORTADORES DE DEFICIÊNCIA deverão receber TRATAMENTO ESPECIALIZADO, norma que encontra respaldo no art.227, §1º, inciso II da Constituição Federal.
O Estatuto estabelece, de maneira EXPRESSA, que o Poder Público está OBRIGADO a FORNECER GRATUITAMENTE a crianças e adolescente que necessitem, os MEDICAMENTOS, PRÓTESES e OUTROS RECURSOS necessários ao TRATAMENTO, HABILITAÇÃO ou REABILITAÇÃO, sendo que o não fornecimento ou a oferta irregular de tais produtos e serviços autoriza o ajuizamento de AÇÃO CIVIL PÚBLICA por parte do MP - art.11, §2º, c/c art.201, incisos V, VII e VIII e art.208, inciso VII do ECA.
Os estabelecimentos de atenção à saúde tem o DEVER de proporcionar condições para a PERMANÊNCIA EM TEMPO INTEGRAL de UM DOS PAIS OU RESPONSÁVEL em companhia da criança ou adolescente que estiver internado - art.12 do ECA.
Sem prejuízo de outras providências, os casos de mera SUSPEITA ou CONFIRMAÇÃO de MAUS-TRATOS contra criança ou adolescente OBRIGATORIAMENTE TERÃO DE SER COMUNICADOS ao CONSELHO TUTELAR pelo MÉDICO ou RESPONSÁVEL POR ESTABELECIMENTO DE PROTEÇÃO À SAÚDE, sob pena da prática de INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA às normas de proteção à criança e ao adolescente, que sujeita o infrator a uma pena de MULTA de 03 a 20 salários-de-referência, aplicando-se o DOBRO no caso de reincidência - art.13 c/c art.245 do ECA.
O SUS deverá promover PROGRAMAS DE ASSISTÊNCIA MÉDICA e ODONTOLÓGICA objetivando a PREVENÇÃO de doenças que ordinariamente afetam a população infantil, bem como CAMPANHAS DE EDUCAÇÃO SANITÁRIA PARA PAIS, EDUCADORES E ALUNOS, sendo também OBRIGATÓRIA a VACINAÇÃO de crianças nos casos recomendados - art.14 e par. único do ECA.
Tais disposições evidenciam a preocupação do ECA com o aspecto PREVENTIVO.
2 - DIREITO À LIBERDADE, AO RESPEITO E À DIGNIDADE:
São DIREITOS CONSTITUCIONAIS de TODA PESSOA HUMANA, independentemente de sua idade, tendo sido REPRODUZIDOS pelo ECA apenas para reforçar a idéia de que TODOS têm o DEVER de RESPEITAR e FAZER RESPEITAR tais direitos (art.227, caput da CF e arts.3º, 4º, caput, 5º, 18 e 70 do ECA).