O Direito Penal do Inimigo e o Garantismo Penal são duas correntes de pensamento pouco faladas e muito conhecidas. A Teoria do Direito Penal do Inimigo surgiu em 1985 (na
segunda metade do século XX), a partir de um artigo do alemão Günther Jakobs, que diferenciava dois tipos de Direito Penal: Direito Penal do inimigo e Direito Penal do cidadão.
Jakobs retirou essa teoria da obra de Thomas Hobbes, no século XVI. Thomas Hobbes,
que escreveu Leviatã, era adepto ao contratualismo absolutista, ou seja, adepto à ideia de
que o estado de natureza é o estado de selvageria – ao contrário do que Rousseau diz no
século XVIII, que o estado de natureza é um estado de harmonia.
Hobbes defendia que havia uma luta de todos contra todos, e que o homem era o lobo do
homem. Por isso, era necessário o ser humano abdicar de uma parcela de sua liberdade em
prol da segurança e, com isso, seria criado um Estado. Ao criar o Estado, seria como se os
cidadãos aceitassem não mais fazer tudo que quisessem para que os outros também não o
fizessem. O cidadão deixaria de ter o direito de esporear o mais fraco para que o mais forte
não o esporeasse.
Hobbes afirmava que os cidadãos aderiram a esse contrato social e entregaram uma parcela de sua liberdade ao Estado, aceitando que, se cometessem um crime, seriam punidos
de acordo com as regras do Estado. Contudo, Hobbes defendia que os homens poderiam
cometer crimes tão graves que eles tornariam inimigos do Estado. Hobbes usava o exemplo do traidor da pátria, que se tornava um inimigo do Estado por cometer um crime grave e
que, para ele, não se deveria respeitar direitos.
Atualmente, existe o direito de guerra, pelo qual não se pode utilizar determinado tipo de
armamento, não se pode utilizar armas químicas, não se pode utilizar armas de destruição
em massa, não se deve atingir a população civil desde que seja possível, não se deve torturar prisioneiros etc. Na época de Hobbes, esse direito não existia. Havia algumas regras para
a guerra, mas eram regras pequenas, como a regra da preservação do mensageiro. Assim,
quando Hobbes dizia que o traidor da pátria deveria ser tratado como inimigo do Estado, ele
estava afirmando que, para ele, não era necessário respeitar direitos.
Jakobs, então, no século XX, desenvolveu a ideia de que quando um sujeito cometia um
crime, ele deveria ser punido e, em regra, seria utilizado o Direito Penal do cidadão, ou seja,
seriam respeitados os direitos, as garantias, as regras etc. O cidadão seria tratado como
cidadão. Todavia, em determinados casos, Jakobs defendia que o sujeito que cometia uma
conduta extremamente grave deveria ser tratado como inimigo da sociedade.
Jakobs citava três exemplos de crimes para os quais não se deveria respeitar os direitos
do cidadão, sendo eles: o terrorismo, os crimes sexuais e a microcriminalidade econômica.
Nesses casos, poderia haver uma flexibilização dos direitos e garantias para que se permitisse uma efetiva punição – por exemplo, o devido processo legal poderia ser encurtado para
que o processo fosse mais rápido, podendo não haver toda a ampla defesa.
Jakobs, na lógica do Direito Penal do inimigo, afirmava que deveria ser possível abandonar a lógica do Direito Penal do fato e adotar a lógica do Direito Penal do autor. O Direito
Penal do Brasil é o Direito Penal do fato, o que significa que a pessoa é punida por aquilo que
faz. Já no Direito Penal do autor, a pessoa é punida por aquilo que é. Na visão de Jakobs,
seria possível punir a pessoa pelo que ela é, ou seja, puni-la antes de praticar o fato.
Exemplo: um terrorista coloca um cinturão de bomba no próprio corpo e se direciona
para um local público, pois seu objetivo é matar a maior quantidade de pessoas possível. Se
esse terrorista for identificado e preso antes de conseguir acionar a bomba, embora ele não
tenha praticado o fato, na visão de Jakobs, ele pode ser punido pelo ato terrorista, mesmo
antes da prática do fato, pois, em relação ao terrorismo, seria abandonado o Direito Penal do
fato e utilizado o Direito Penal do autor.
No ordenamento jurídico brasileiro, isso não seria possível. Nesse caso, seria possível
punir o sujeito, por exemplo, por organização terrorista (organização criminosa para a prática
de atos terroristas) – Lei n. 12.850/2013 (Lei de Organização Criminosa) e Lei n. 13.260/2016
(Lei de Terrorismo) – antes de o ato terrorista ser praticado. Estaria sendo punido o ato praticado, de se associar à organização criminosa de caráter terrorista. O sujeito não poderia ser
punido pelo ato que ainda não praticou. A doutrina de Jakobs é extremamente criticada no
Brasil e no mundo, sobretudo porque consagra uma violação aos preceitos constitucionais.
Muitas vezes, quando há uma lei penal mais contundente no Brasil, é comum alegarem
que se trata de uma manifestação do Direito Penal do inimigo, o que está incorreto, embora,
por vezes, a lei penal seja dura ao ponto de violar a Constituição, como quando o Supremo
Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade da antiga redação do art. 2º da Lei de
Crimes Hediondos, que proibia a progressão do regime, ou quando reconheceu a inconstitucionalidade da Lei de Drogas, que proibia a substituição da pena privativa de liberdade por
pena restritiva de direitos e a liberdade provisória sem fiança.
A Lei de Crimes Hediondos, por exemplo, possui regras mais rigorosas para prisão temporária com prazo ampliado, progressão de regime com regras de transição mais duras,
previsão de presídios federais que seriam presídios de segurança máxima etc. Essas regras
mais duras para crimes hediondos têm previsão na Constituição. Por vezes, o legislador se
excede e o Supremo declara a incompatibilidade com a Constituição, contudo, a legislação
mais dura na Lei de Crimes Hediondos está prevista na Constituição. O art. 5º, XLIII, determina que a lei irá considerar alguns crimes como hediondos e dar a eles um tratamento mais
rigoroso – esses crimes serão inafiançáveis e insuscetíveis de anistia e de graça. Portanto,
não há uma supressão de direitos e garantias individuais nesses casos e eles não se tratam
da adoção do Direito Penal do autor.
A doutrina de Jakobs é extremamente criticada, sobretudo porque constitui uma violação à Constituição. Há quem identifique a obra de Jakobs como um resquício de uma visão
nazista do Direito Penal. Jakobs, quando enxerga no criminoso um inimigo, está enxergando
a desumanização do criminoso, e isso foi exatamente o que os nazistas fizeram. A lógica do
nazismo era desumanizar o outro, e quando isso ocorre, são permitidas algumas atrocidades. Há críticos de Jakobs que afirmam que o Direito Penal do inimigo desumaniza a figura
do réu – que, no fim da investigação, pode ser inocente.
Outros críticos de Jakobs, todavia, defendem que essa é uma acusação falsa e que
Jakobs nunca foi simpático com o nazismo – pelo contrário, sempre foi um crítico do nazismo.
É importante lembrar que os alemães fazem um mea culpa contundente ao nazismo. Por
isso, relacionar o pensamento de alguém ao ideal nazista é algo grave em todo mundo, mas
sobretudo na Alemanha.