terça-feira, 9 de setembro de 2025

AULA 7: Religião e Cidade na Mesopotâmia

 

🔹 Contexto Geral

  • Região: entre os rios Tigre e Eufrates → diversidade de povos, culturas e práticas religiosas.

  • A religião mesopotâmica está profundamente ligada à vida urbana e à administração política.

  • Sacerdotes → além de religiosos, eram administradores e legitimadores de poder:

    • Decidiam sobre conflitos.

    • Organizavam a produção agrícola.

    • Participavam da justiça.


🔹 Religião e Identidade das Cidades

  • Cada cidade tinha um deus protetor, embora compartilhassem o mesmo panteão.

  • O deus da cidade era símbolo de identidade política e religiosa.

✦ Exemplo: Babilônia

  • Marduk = deus principal da cidade.

  • Sua estátua era vista como a encarnação do poder da Babilônia.

    • Quando inimigos conquistavam a cidade → a estátua desaparecia.

    • Quando a cidade era retomada → a estátua retornava.


🔹 O Rei e a Religião

  • Reis mesopotâmicos se associavam aos deuses para legitimar poder.

  • Exemplos:

    • Enannatum (Lagash, ~2450 AEC)

      • Inscrição dedicada à deusa Inanna.

      • Texto colocava sua voz como oração eterna, representando sua presentificação.

    • Eannatum (Estela dos Abutres)

      • Mostrado liderando tropas → mistura de poder militar, político e religioso.

    • Hammurabi (Babilônia, ~1700 AEC)

      • Código de Leis (282 artigos) inscrito em estela de 2,25m.

      • Texto em primeira pessoa apresenta o rei como escolhido por Marduk para “estabelecer a justiça”.

      • No relevo da estela, Hammurabi aparece recebendo insígnias do poder do deus → reforço da legitimação divina.


🔹 Conceitos-Chave

  • Relação deus-cidade: cada urbe era definida por seu deus patrono.

  • Presentificação: estelas e inscrições substituíam o rei, perpetuando sua voz e devoção.

  • Religião e política inseparáveis: o poder era legitimado pelo discurso e pela imagem religiosa.


Conclusão:
Na Mesopotâmia, a religião não era apenas crença, mas estrutura de identidade urbana, legitimidade política e poder social. O rei era mediador entre deuses e homens, e sua autoridade se consolidava tanto nas práticas religiosas (inscrições, estelas, estátuas) quanto na vida prática da cidade (justiça, agricultura, guerras).

Egito Antigo – A Religião e a Palavra

🔹 Escrita, Imagem e Religião

  • Surgimento: ~3200 a.C. – sistema de hieróglifos com ~1000 símbolos (fonogramas, logogramas e determinativos).

  • Função social: ligada ao sagrado, à administração e ao poder.

  • Especialização: leitura e escrita eram privilégio das elites (sacerdotes e escribas).

  • Unidade imagem-escrita: símbolos não eram só fonéticos, mas também visuais → escrita e religião se fundiam.


🔹 Exemplo: Estátua de Ramsés II (2006 a.C.)

  • Representação do rei em postura infantil, com elementos simbólicos:

    • Disco solar (Rá) sobre a cabeça.

    • Perna dobrada + mão na boca → “mes” (nascer).

    • Cajado → “su”.

  • Conjunto hieroglífico forma “Ra-mes-su” = Ramsés.

  • Mostra como imagens funcionavam como palavras → poder visual + religioso.


🔹 Palavras e Poder

  • Textos escritos geralmente refletem a visão das elites.

  • Já as imagens (relevos, esculturas, pinturas) eram mais acessíveis, revelando também aspectos da vida cotidiana.

  • Exemplo: Relevo da tumba de Ni-ankh-nesut (~2300 a.C.)

    • Mostra pescadores e pastores em trabalho.

    • Animais e peixes nativos do Nilo representados com precisão.

    • Indica a ideia de fartura na vida após a morte, mas também retrata a realidade laboral.


🔹 Religião, Política e Palavra

  • Os sacerdotes controlavam o acesso à palavra escrita → detinham o poder religioso e político.

  • Exemplo: Akhenaton (XVIII dinastia, 1353–1336 a.C.)

    • Rompeu com o culto a Amon.

    • Impôs o culto exclusivo a Aton (deus do disco solar).

    • Faraó passou a ser o único representante do deus na terra.

    • Mudança não resistiu após sua morte → filho muda nome de Tutankaton para Tutankamon e restaura o culto tradicional.


🔹 Conceitos-chave

  • Religião egípcia: profundamente ligada à palavra (escrita e oralidade) e à imagem.

  • Escribas e sacerdotes: mediadores entre deuses e homens → controlavam conhecimento e legitimavam o poder.

  • Imagens religiosas: universalizavam mensagens, ampliando o alcance do discurso sagrado.

  • Poder faraônico: sustentado pela relação entre religião, palavra e imagem.


Conclusão:
No Egito, a religião e a escrita não podiam ser separadas: hieróglifos eram, ao mesmo tempo, palavra, imagem e símbolo religioso. O poder político (dos faraós) e o religioso (dos sacerdotes) se legitimavam pelo domínio da palavra escrita e da imagem sagrada. Akhenaton mostra o auge dessa relação, ao usar a religião como instrumento de centralização política.


Grécia e Roma – A Religião e o Poder

🔹 Contexto

  • A ideia moderna de nação não se aplica à Antiguidade.

  • O estudo atual enfatiza as conexões culturais, não o isolamento.

  • A religião era instrumento de poder político e estava sempre ligada às narrativas de batalhas, vitórias e legitimidade.


🔹 Roma: Poder e Apropriação Cultural

  • Exemplo: Otávio Augusto representado como faraó no Egito.

    • Mostra a habilidade romana em absorver símbolos religiosos dos povos dominados.

    • A representação visual servia para legitimar o domínio político.

    • Relação assimétrica: o dominador assume símbolos do dominado, mas não o contrário.


🔹 Grécia: Simbolismo e Prestígio

  • Rytha (vasos cerimoniais para vinho):

    • Na Grécia (século V a.C.), eram usados em simpósios, adornados com narrativas visuais.

    • Origem oriental (Pérsia), apesar de os persas terem sido derrotados.

    • Atenas incorporou o objeto como símbolo político, mantendo viva a memória da vitória sobre os “bárbaros”.

    • Funcionavam como memoriais materiais da guerra, reforçando a hegemonia ateniense.

✦ Reflexão

  • Influência cultural não é apenas do vencedor sobre o vencido.

  • A apropriação de objetos persas foi estratégica: manter a memória da guerra e legitimar a posição política de Atenas.


🔹 Religião e Narrativas de Poder

  • Elementos divinos eram constantemente associados a feitos políticos e bélicos:

    • Roma:

      • Rômulo e Remo salvos por Júpiter → mito fundador.

      • Imperadores divinizados.

      • Ponte Mílvia: Constantino vê visão de Cristo → vitória e conversão ao cristianismo.

    • Judaico-cristão:

      • Davi x Golias → vitória atribuída à inspiração divina.

    • Egito:

      • Ramsés na Batalha de Kadesh → salvo por Amon, sinal de amor divino.


🔹 Projeção Histórica

  • As vitórias gregas contra os persas foram reinterpretadas até a modernidade:

    • John Stuart Mill considerou a Batalha de Maratona (490 a.C.) mais importante para a história inglesa que Hastings (1066).

    • Para ele, se os persas vencessem, toda a trajetória ocidental teria mudado.

  • Mostra como religião, mito e política se misturam não só na Antiguidade, mas também no uso moderno dessas narrativas.


✅ Conclusão

  • Religião e poder na Grécia e em Roma não eram separados:

    • As vitórias militares eram explicadas como intervenção divina.

    • Símbolos religiosos (estátuas, vasos, representações) eram usados como instrumentos de legitimação política.

    • A apropriação cultural (como no caso dos rytha ou das imagens faraônicas) reforçava a autoridade e a memória das elites.


O Surgimento do Monoteísmo e a Tradição Judaico-Cristã

🔹 Estrutura narrativa do monoteísmo

  • As tradições judaico-cristãs (e depois o islamismo) influenciaram a própria forma ocidental de pensar a História:

    • Início → meio → fim (linha cronológica).

    • História como caminho único, guiado por um propósito divino.

  • Exemplo: Bíblia → organizada em livros que constroem uma trajetória de um povo e sua identidade.


🔹 O papel cultural e social da religião

  • Tornou-se naturalizada no Ocidente (sobretudo a partir do século XVI).

  • Funções principais:

    • Estabelecer princípios morais.

    • Participar de debates políticos.

    • Oferecer liderança e organização social.

  • Mesmo na sociedade capitalista, a religião permaneceu como fator de reconhecimento e identidade coletiva.


🔹 Formação do Deus único

  • O monoteísmo nasceu de processos históricos e sociais, não de um evento único.

  • Primeiro momento:

    • Deus de Abraão e dos patriarcas → próximo, atuante, ligado a situações práticas (ex.: Jacó, que se torna Israel).

  • Segundo momento:

    • Deus revelado por meio de eventos impactantes (ex.: José interpretando sonhos, Moisés diante da sarça ardente).

  • Resultado: um Deus único, onipresente e onisciente, reinterpretado teologicamente ao longo do tempo.


🔹 Exemplo comparativo: Egito e Israel

  • Êxodo hebreu tradicionalmente associado ao reinado de Ramsés II (Novo Reino egípcio).

  • No mesmo período, o faraó Akhenaton rompeu com o politeísmo e instituiu o culto exclusivo a Aton (disco solar).

  • Coincidência? Não é prova, mas indício histórico → sugere cruzamentos culturais e a necessidade de pesquisas comparativas.


🔹 Método histórico

  • As narrativas religiosas não devem ser lidas como verdades absolutas, mas como fontes históricas:

    • Devem ser cruzadas com arqueologia, política, economia e migrações.

    • Funcionam como janelas para entender a organização social e cultural de pequenos clãs e grandes impérios.


✅ Conclusão

O monoteísmo judaico-cristão moldou profundamente a mentalidade ocidental:

  • Criou uma visão linear de tempo e história.

  • Influenciou a construção de identidades políticas, sociais e religiosas.

  • Foi reinterpretado continuamente, desde Abraão até o cristianismo e o islamismo.

  • Deve ser entendido não como crença isolada, mas como fator de cruzamento cultural, articulado com outras sociedades como a egípcia.


O Deus dos Hebreus – Javé

🔹 Origem e Contexto

  • Abraão: rompe com o clã, forma novo povo → ideia de terra prometida e identidade coletiva.

  • Javé: inicialmente deus do clã, com relação íntima e cotidiana.

  • Textos hebraicos (eloístas e javistas) foram escritos entre os séculos V e IV a.C., fruto da passagem da oralidade à escrita.

  • Hebreus eram um povo semita menor, cercado por grandes potências (egípcios, babilônios, hititas, persas).


🔹 O Monoteísmo Hebraico

  • Não nasceu fechado desde o princípio.

  • Característica inicial: exclusividade (um povo para um deus, Javé).

  • A inovação: tornar essa exclusividade um fundamento teológico.

  • Escrita organizada apenas na época dos reinos e juízes, quando surge a necessidade de legitimar o povo como “escolhido”.

  • Consolidação mais tardia: período do cativeiro babilônico e Vulgata de Jerônimo (já na tradição cristã).


🔹 Duas correntes sobre o surgimento do monoteísmo

  1. Durante os Reis de Israel (Saul, Davi, Salomão):

    • Nova teologia política diante da monarquia.

    • Problema: derrotas militares colocariam em xeque a escolha de Javé.

    • Surge a necessidade de justificar os planos de Deus.

  2. A partir dos Profetas (Samuel, Davi, Daniel):

    • Livre-arbítrio, responsabilidade dos líderes e do povo.

    • Deus como autor de um plano divino maior que as tragédias (ex.: destruição do Reino de Israel, exílio na Babilônia).

    • Mesmo no sofrimento, Javé governa e conduz a história.


🔹 Teologia Política

  • Deus não apenas guerreiro, mas governante espiritual e protetor constante.

  • Sofrimentos → vistos como parte do plano divino.

  • Bênçãos → recompensas da obediência.

  • Surge a ideia messiânica:

    • Um novo Davi voltará para governar céus e terra.

    • Espera política e religiosa, sem distinção.


🔹 Jesus e a Remodelação do Credo

  • No século I a.C./d.C., algumas tradições hebraicas marginais se expandem.

  • Jesus de Nazaré:

    • Pregador popular, interpretado como Messias.

    • Condenado politicamente, mas sua mensagem dá origem ao cristianismo.

    • Representa uma nova teologia, herdeira mas também reformuladora do judaísmo.

  • Fontes: textos bíblicos e relatos como os de Flávio Josefo (História dos Hebreus).


✅ Conclusão

  • O monoteísmo hebraico não surge pronto, mas como resultado de processos históricos e sociais.

  • Javé é, a princípio, deus de um clã, que se transforma em Deus único e universal.

  • Esse processo envolve:

    • Influência de impérios vizinhos.

    • Consolidação escrita tardia.

    • Reformulações teológicas durante reinos, profetas e exílios.

  • O cristianismo remodela essa herança, inaugurando nova teologia, que se tornará central no Ocidente.

O Deus Cristão – Formação e Consolidação na Antiguidade

🔹 Origens e Contexto

  • O cristianismo nasce em diálogo com o judaísmo e com o ambiente cultural do Oriente Médio.

  • Inicialmente, era um movimento múltiplo, disperso e maleável, sem dogmas fixos.

  • Essa flexibilidade permitiu rápida difusão em diferentes regiões e culturas.


🔹 Jesus e o Poder Mágico

  • Jesus era visto como portador do poder mágico:

    • Capacidade de curar e realizar milagres.

    • Exemplo: água em vinho (Caná) → início dos sinais.

    • Exemplo: ressurreição de Lázaro → auge do poder, vencer a morte.

  • O reconhecimento de Jesus como Messias e Salvador inaugura uma nova forma religiosa:

    • Não apenas mágica, mas com promessa de salvação eterna.

    • Organização inicial de discípulos e apóstolos → primeiros sinais de estrutura religiosa.


🔹 Paixão, Morte e Ressurreição

  • A crucificação e a ressurreição consolidam Jesus como Salvador.

  • A vitória sobre a morte reforça a fé dos seguidores.

  • Esse momento é visto como fundação simbólica da religião cristã.


🔹 Difusão Inicial

  • Após a morte de Jesus, a mensagem é organizada e registrada:

    • Escritos dos apóstolos → início da tradição textual.

    • Pregação em comunidades judaicas e também marginais.

  • Paulo de Tarso:

    • Judeu helenizado, cidadão romano.

    • Responsável por expandir o cristianismo aos gentios (não judeus).

    • Adaptou a mensagem à cultura greco-romana.

    • Fez do cristianismo uma religião mediterrânica.


🔹 Cristianismo e Poder Político

  • Século IV: com a conversão do imperador Constantino (306–337 d.C.), o cristianismo torna-se religião reconhecida do Império Romano.

  • A fé cristã assume novas hierarquias, credos e formas políticas.

  • De religião perseguida → religião oficial e legitimadora de poder.


🔹 Síntese

  1. Jesus: poder mágico, Messias, Salvador.

  2. Apóstolos: organização inicial e transmissão oral/escrita.

  3. Paulo: expansão para o Mediterrâneo, integração ao mundo greco-romano.

  4. Constantino: conversão imperial, institucionalização do cristianismo.


Conclusão:
O cristianismo surge do judaísmo, mas se transforma ao dialogar com culturas greco-romanas, persas e até africanas (Axum, Armênia). Seu sucesso se deveu à capacidade de adaptação, à promessa de salvação e ao apoio político posterior. O “Deus cristão” se consolidou como figura universal, resultado de séculos de construção histórica, cultural e política.

Os Registros da História Cristã

🔹 A lógica da narrativa

  • Modelo herdado dos hebreus: história linear (início → meio → fim).

  • Cristianismo: rompe parcialmente → múltiplas versões de um mesmo relato.

  • Quatro evangelhos (Marcos, Mateus, Lucas, João):

    • Escritos em épocas e contextos diferentes.

    • Recontam a vida e a mensagem de Jesus.

    • São a base para o Novo Testamento, junto com Atos, cartas e o Apocalipse.


🔹 Funções do Novo Testamento

  • Reunir tradições orais dispersas em uma história organizada.

  • O Apocalipse introduz o controle do tempo → lidar com a divindade é lidar com a proximidade do fim.

  • Deus torna-se condutor da história, presente em Jesus, no Espírito Santo e na providência.


🔹 Cristianismo primitivo

  • Organização comunitária:

    • Narrada em Atos dos Apóstolos.

    • Expansão via Paulo, Lucas e outros.

  • Mistura de tradições:

    • Herança hebraica (Deus único, providência).

    • Influência greco-romana (filosofia helenística e crítica ao politeísmo).

  • Conflito político: cristãos negam a divindade do imperador, o que os torna adversários de Roma.


🔹 Cristianismo e Roma

  • O imperador precisava ser reconhecido como divino → cristãos resistiam.

  • Roma se adapta: surge a ideia de que o imperador recebe um direito divino (não é um deus, mas governa por vontade divina).

  • Cristianismo passa de religião perseguida a instrumento de legitimidade do Império.


🔹 Consolidação Teológica

  • O contato com Roma exigiu organização dogmática e hierárquica.

  • Surge a Patrística: primeiros autores e pensadores que estruturaram a mensagem cristã (Santo Agostinho, Orígenes, Tertuliano etc.).

  • Cristianismo ganha espaço nas cidades e centros urbanos, expandindo-se além das elites intelectuais.


🔹 Constantino e o Cristianismo

  • Conversão de Constantino (século IV) não foi evento isolado, mas resultado de disputas e do crescimento cristão.

  • Com o batismo imperial, o cristianismo passa a ser reconhecido, legitimado e institucionalizado no Império Romano.

  • Deus, nesse contexto, assume nova função: fundamento da legitimidade política.


✅ Conclusão

  • Os registros cristãos (evangelhos, Atos, cartas, Apocalipse) criaram um modelo histórico e teológico que sustentou a identidade da religião.

  • O cristianismo nasceu múltiplo e comunitário, mas precisou se organizar ao entrar em contato com Roma.

  • A Patrística e a conversão de Constantino foram passos decisivos para a sua consolidação no Ocidente.

  • Essa história não tem fim definido: é aberta, dinâmica e em constante transformação.


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