🔹 Contexto Geral
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Região: entre os rios Tigre e Eufrates → diversidade de povos, culturas e práticas religiosas.
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A religião mesopotâmica está profundamente ligada à vida urbana e à administração política.
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Sacerdotes → além de religiosos, eram administradores e legitimadores de poder:
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Decidiam sobre conflitos.
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Organizavam a produção agrícola.
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Participavam da justiça.
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🔹 Religião e Identidade das Cidades
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Cada cidade tinha um deus protetor, embora compartilhassem o mesmo panteão.
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O deus da cidade era símbolo de identidade política e religiosa.
✦ Exemplo: Babilônia
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Marduk = deus principal da cidade.
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Sua estátua era vista como a encarnação do poder da Babilônia.
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Quando inimigos conquistavam a cidade → a estátua desaparecia.
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Quando a cidade era retomada → a estátua retornava.
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🔹 O Rei e a Religião
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Reis mesopotâmicos se associavam aos deuses para legitimar poder.
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Exemplos:
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Enannatum (Lagash, ~2450 AEC)
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Inscrição dedicada à deusa Inanna.
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Texto colocava sua voz como oração eterna, representando sua presentificação.
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Eannatum (Estela dos Abutres)
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Mostrado liderando tropas → mistura de poder militar, político e religioso.
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Hammurabi (Babilônia, ~1700 AEC)
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Código de Leis (282 artigos) inscrito em estela de 2,25m.
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Texto em primeira pessoa apresenta o rei como escolhido por Marduk para “estabelecer a justiça”.
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No relevo da estela, Hammurabi aparece recebendo insígnias do poder do deus → reforço da legitimação divina.
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🔹 Conceitos-Chave
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Relação deus-cidade: cada urbe era definida por seu deus patrono.
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Presentificação: estelas e inscrições substituíam o rei, perpetuando sua voz e devoção.
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Religião e política inseparáveis: o poder era legitimado pelo discurso e pela imagem religiosa.
✅ Conclusão:
Na Mesopotâmia, a religião não era apenas crença, mas estrutura de identidade urbana, legitimidade política e poder social. O rei era mediador entre deuses e homens, e sua autoridade se consolidava tanto nas práticas religiosas (inscrições, estelas, estátuas) quanto na vida prática da cidade (justiça, agricultura, guerras).
Egito Antigo – A Religião e a Palavra
🔹 Escrita, Imagem e Religião
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Surgimento: ~3200 a.C. – sistema de hieróglifos com ~1000 símbolos (fonogramas, logogramas e determinativos).
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Função social: ligada ao sagrado, à administração e ao poder.
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Especialização: leitura e escrita eram privilégio das elites (sacerdotes e escribas).
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Unidade imagem-escrita: símbolos não eram só fonéticos, mas também visuais → escrita e religião se fundiam.
🔹 Exemplo: Estátua de Ramsés II (2006 a.C.)
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Representação do rei em postura infantil, com elementos simbólicos:
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Disco solar (Rá) sobre a cabeça.
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Perna dobrada + mão na boca → “mes” (nascer).
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Cajado → “su”.
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Conjunto hieroglífico forma “Ra-mes-su” = Ramsés.
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Mostra como imagens funcionavam como palavras → poder visual + religioso.
🔹 Palavras e Poder
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Textos escritos geralmente refletem a visão das elites.
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Já as imagens (relevos, esculturas, pinturas) eram mais acessíveis, revelando também aspectos da vida cotidiana.
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Exemplo: Relevo da tumba de Ni-ankh-nesut (~2300 a.C.)
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Mostra pescadores e pastores em trabalho.
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Animais e peixes nativos do Nilo representados com precisão.
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Indica a ideia de fartura na vida após a morte, mas também retrata a realidade laboral.
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🔹 Religião, Política e Palavra
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Os sacerdotes controlavam o acesso à palavra escrita → detinham o poder religioso e político.
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Exemplo: Akhenaton (XVIII dinastia, 1353–1336 a.C.)
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Rompeu com o culto a Amon.
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Impôs o culto exclusivo a Aton (deus do disco solar).
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Faraó passou a ser o único representante do deus na terra.
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Mudança não resistiu após sua morte → filho muda nome de Tutankaton para Tutankamon e restaura o culto tradicional.
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🔹 Conceitos-chave
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Religião egípcia: profundamente ligada à palavra (escrita e oralidade) e à imagem.
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Escribas e sacerdotes: mediadores entre deuses e homens → controlavam conhecimento e legitimavam o poder.
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Imagens religiosas: universalizavam mensagens, ampliando o alcance do discurso sagrado.
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Poder faraônico: sustentado pela relação entre religião, palavra e imagem.
✅ Conclusão:
No Egito, a religião e a escrita não podiam ser separadas: hieróglifos eram, ao mesmo tempo, palavra, imagem e símbolo religioso. O poder político (dos faraós) e o religioso (dos sacerdotes) se legitimavam pelo domínio da palavra escrita e da imagem sagrada. Akhenaton mostra o auge dessa relação, ao usar a religião como instrumento de centralização política.
Grécia e Roma – A Religião e o Poder
🔹 Contexto
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A ideia moderna de nação não se aplica à Antiguidade.
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O estudo atual enfatiza as conexões culturais, não o isolamento.
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A religião era instrumento de poder político e estava sempre ligada às narrativas de batalhas, vitórias e legitimidade.
🔹 Roma: Poder e Apropriação Cultural
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Exemplo: Otávio Augusto representado como faraó no Egito.
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Mostra a habilidade romana em absorver símbolos religiosos dos povos dominados.
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A representação visual servia para legitimar o domínio político.
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Relação assimétrica: o dominador assume símbolos do dominado, mas não o contrário.
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🔹 Grécia: Simbolismo e Prestígio
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Rytha (vasos cerimoniais para vinho):
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Na Grécia (século V a.C.), eram usados em simpósios, adornados com narrativas visuais.
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Origem oriental (Pérsia), apesar de os persas terem sido derrotados.
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Atenas incorporou o objeto como símbolo político, mantendo viva a memória da vitória sobre os “bárbaros”.
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Funcionavam como memoriais materiais da guerra, reforçando a hegemonia ateniense.
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✦ Reflexão
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Influência cultural não é apenas do vencedor sobre o vencido.
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A apropriação de objetos persas foi estratégica: manter a memória da guerra e legitimar a posição política de Atenas.
🔹 Religião e Narrativas de Poder
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Elementos divinos eram constantemente associados a feitos políticos e bélicos:
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Roma:
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Rômulo e Remo salvos por Júpiter → mito fundador.
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Imperadores divinizados.
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Ponte Mílvia: Constantino vê visão de Cristo → vitória e conversão ao cristianismo.
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Judaico-cristão:
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Davi x Golias → vitória atribuída à inspiração divina.
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Egito:
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Ramsés na Batalha de Kadesh → salvo por Amon, sinal de amor divino.
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🔹 Projeção Histórica
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As vitórias gregas contra os persas foram reinterpretadas até a modernidade:
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John Stuart Mill considerou a Batalha de Maratona (490 a.C.) mais importante para a história inglesa que Hastings (1066).
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Para ele, se os persas vencessem, toda a trajetória ocidental teria mudado.
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Mostra como religião, mito e política se misturam não só na Antiguidade, mas também no uso moderno dessas narrativas.
✅ Conclusão
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Religião e poder na Grécia e em Roma não eram separados:
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As vitórias militares eram explicadas como intervenção divina.
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Símbolos religiosos (estátuas, vasos, representações) eram usados como instrumentos de legitimação política.
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A apropriação cultural (como no caso dos rytha ou das imagens faraônicas) reforçava a autoridade e a memória das elites.
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O Surgimento do Monoteísmo e a Tradição Judaico-Cristã
🔹 Estrutura narrativa do monoteísmo
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As tradições judaico-cristãs (e depois o islamismo) influenciaram a própria forma ocidental de pensar a História:
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Início → meio → fim (linha cronológica).
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História como caminho único, guiado por um propósito divino.
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Exemplo: Bíblia → organizada em livros que constroem uma trajetória de um povo e sua identidade.
🔹 O papel cultural e social da religião
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Tornou-se naturalizada no Ocidente (sobretudo a partir do século XVI).
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Funções principais:
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Estabelecer princípios morais.
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Participar de debates políticos.
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Oferecer liderança e organização social.
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Mesmo na sociedade capitalista, a religião permaneceu como fator de reconhecimento e identidade coletiva.
🔹 Formação do Deus único
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O monoteísmo nasceu de processos históricos e sociais, não de um evento único.
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Primeiro momento:
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Deus de Abraão e dos patriarcas → próximo, atuante, ligado a situações práticas (ex.: Jacó, que se torna Israel).
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Segundo momento:
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Deus revelado por meio de eventos impactantes (ex.: José interpretando sonhos, Moisés diante da sarça ardente).
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Resultado: um Deus único, onipresente e onisciente, reinterpretado teologicamente ao longo do tempo.
🔹 Exemplo comparativo: Egito e Israel
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Êxodo hebreu tradicionalmente associado ao reinado de Ramsés II (Novo Reino egípcio).
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No mesmo período, o faraó Akhenaton rompeu com o politeísmo e instituiu o culto exclusivo a Aton (disco solar).
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Coincidência? Não é prova, mas indício histórico → sugere cruzamentos culturais e a necessidade de pesquisas comparativas.
🔹 Método histórico
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As narrativas religiosas não devem ser lidas como verdades absolutas, mas como fontes históricas:
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Devem ser cruzadas com arqueologia, política, economia e migrações.
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Funcionam como janelas para entender a organização social e cultural de pequenos clãs e grandes impérios.
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✅ Conclusão
O monoteísmo judaico-cristão moldou profundamente a mentalidade ocidental:
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Criou uma visão linear de tempo e história.
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Influenciou a construção de identidades políticas, sociais e religiosas.
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Foi reinterpretado continuamente, desde Abraão até o cristianismo e o islamismo.
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Deve ser entendido não como crença isolada, mas como fator de cruzamento cultural, articulado com outras sociedades como a egípcia.
O Deus dos Hebreus – Javé
🔹 Origem e Contexto
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Abraão: rompe com o clã, forma novo povo → ideia de terra prometida e identidade coletiva.
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Javé: inicialmente deus do clã, com relação íntima e cotidiana.
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Textos hebraicos (eloístas e javistas) foram escritos entre os séculos V e IV a.C., fruto da passagem da oralidade à escrita.
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Hebreus eram um povo semita menor, cercado por grandes potências (egípcios, babilônios, hititas, persas).
🔹 O Monoteísmo Hebraico
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Não nasceu fechado desde o princípio.
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Característica inicial: exclusividade (um povo para um deus, Javé).
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A inovação: tornar essa exclusividade um fundamento teológico.
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Escrita organizada apenas na época dos reinos e juízes, quando surge a necessidade de legitimar o povo como “escolhido”.
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Consolidação mais tardia: período do cativeiro babilônico e Vulgata de Jerônimo (já na tradição cristã).
🔹 Duas correntes sobre o surgimento do monoteísmo
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Durante os Reis de Israel (Saul, Davi, Salomão):
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Nova teologia política diante da monarquia.
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Problema: derrotas militares colocariam em xeque a escolha de Javé.
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Surge a necessidade de justificar os planos de Deus.
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A partir dos Profetas (Samuel, Davi, Daniel):
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Livre-arbítrio, responsabilidade dos líderes e do povo.
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Deus como autor de um plano divino maior que as tragédias (ex.: destruição do Reino de Israel, exílio na Babilônia).
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Mesmo no sofrimento, Javé governa e conduz a história.
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🔹 Teologia Política
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Deus não apenas guerreiro, mas governante espiritual e protetor constante.
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Sofrimentos → vistos como parte do plano divino.
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Bênçãos → recompensas da obediência.
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Surge a ideia messiânica:
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Um novo Davi voltará para governar céus e terra.
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Espera política e religiosa, sem distinção.
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🔹 Jesus e a Remodelação do Credo
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No século I a.C./d.C., algumas tradições hebraicas marginais se expandem.
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Jesus de Nazaré:
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Pregador popular, interpretado como Messias.
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Condenado politicamente, mas sua mensagem dá origem ao cristianismo.
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Representa uma nova teologia, herdeira mas também reformuladora do judaísmo.
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Fontes: textos bíblicos e relatos como os de Flávio Josefo (História dos Hebreus).
✅ Conclusão
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O monoteísmo hebraico não surge pronto, mas como resultado de processos históricos e sociais.
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Javé é, a princípio, deus de um clã, que se transforma em Deus único e universal.
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Esse processo envolve:
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Influência de impérios vizinhos.
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Consolidação escrita tardia.
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Reformulações teológicas durante reinos, profetas e exílios.
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O cristianismo remodela essa herança, inaugurando nova teologia, que se tornará central no Ocidente.
O Deus Cristão – Formação e Consolidação na Antiguidade
🔹 Origens e Contexto
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O cristianismo nasce em diálogo com o judaísmo e com o ambiente cultural do Oriente Médio.
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Inicialmente, era um movimento múltiplo, disperso e maleável, sem dogmas fixos.
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Essa flexibilidade permitiu rápida difusão em diferentes regiões e culturas.
🔹 Jesus e o Poder Mágico
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Jesus era visto como portador do poder mágico:
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Capacidade de curar e realizar milagres.
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Exemplo: água em vinho (Caná) → início dos sinais.
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Exemplo: ressurreição de Lázaro → auge do poder, vencer a morte.
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O reconhecimento de Jesus como Messias e Salvador inaugura uma nova forma religiosa:
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Não apenas mágica, mas com promessa de salvação eterna.
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Organização inicial de discípulos e apóstolos → primeiros sinais de estrutura religiosa.
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🔹 Paixão, Morte e Ressurreição
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A crucificação e a ressurreição consolidam Jesus como Salvador.
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A vitória sobre a morte reforça a fé dos seguidores.
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Esse momento é visto como fundação simbólica da religião cristã.
🔹 Difusão Inicial
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Após a morte de Jesus, a mensagem é organizada e registrada:
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Escritos dos apóstolos → início da tradição textual.
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Pregação em comunidades judaicas e também marginais.
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Paulo de Tarso:
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Judeu helenizado, cidadão romano.
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Responsável por expandir o cristianismo aos gentios (não judeus).
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Adaptou a mensagem à cultura greco-romana.
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Fez do cristianismo uma religião mediterrânica.
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🔹 Cristianismo e Poder Político
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Século IV: com a conversão do imperador Constantino (306–337 d.C.), o cristianismo torna-se religião reconhecida do Império Romano.
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A fé cristã assume novas hierarquias, credos e formas políticas.
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De religião perseguida → religião oficial e legitimadora de poder.
🔹 Síntese
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Jesus: poder mágico, Messias, Salvador.
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Apóstolos: organização inicial e transmissão oral/escrita.
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Paulo: expansão para o Mediterrâneo, integração ao mundo greco-romano.
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Constantino: conversão imperial, institucionalização do cristianismo.
✅ Conclusão:
O cristianismo surge do judaísmo, mas se transforma ao dialogar com culturas greco-romanas, persas e até africanas (Axum, Armênia). Seu sucesso se deveu à capacidade de adaptação, à promessa de salvação e ao apoio político posterior. O “Deus cristão” se consolidou como figura universal, resultado de séculos de construção histórica, cultural e política.
Os Registros da História Cristã
🔹 A lógica da narrativa
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Modelo herdado dos hebreus: história linear (início → meio → fim).
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Cristianismo: rompe parcialmente → múltiplas versões de um mesmo relato.
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Quatro evangelhos (Marcos, Mateus, Lucas, João):
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Escritos em épocas e contextos diferentes.
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Recontam a vida e a mensagem de Jesus.
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São a base para o Novo Testamento, junto com Atos, cartas e o Apocalipse.
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🔹 Funções do Novo Testamento
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Reunir tradições orais dispersas em uma história organizada.
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O Apocalipse introduz o controle do tempo → lidar com a divindade é lidar com a proximidade do fim.
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Deus torna-se condutor da história, presente em Jesus, no Espírito Santo e na providência.
🔹 Cristianismo primitivo
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Organização comunitária:
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Narrada em Atos dos Apóstolos.
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Expansão via Paulo, Lucas e outros.
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Mistura de tradições:
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Herança hebraica (Deus único, providência).
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Influência greco-romana (filosofia helenística e crítica ao politeísmo).
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Conflito político: cristãos negam a divindade do imperador, o que os torna adversários de Roma.
🔹 Cristianismo e Roma
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O imperador precisava ser reconhecido como divino → cristãos resistiam.
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Roma se adapta: surge a ideia de que o imperador recebe um direito divino (não é um deus, mas governa por vontade divina).
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Cristianismo passa de religião perseguida a instrumento de legitimidade do Império.
🔹 Consolidação Teológica
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O contato com Roma exigiu organização dogmática e hierárquica.
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Surge a Patrística: primeiros autores e pensadores que estruturaram a mensagem cristã (Santo Agostinho, Orígenes, Tertuliano etc.).
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Cristianismo ganha espaço nas cidades e centros urbanos, expandindo-se além das elites intelectuais.
🔹 Constantino e o Cristianismo
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Conversão de Constantino (século IV) não foi evento isolado, mas resultado de disputas e do crescimento cristão.
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Com o batismo imperial, o cristianismo passa a ser reconhecido, legitimado e institucionalizado no Império Romano.
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Deus, nesse contexto, assume nova função: fundamento da legitimidade política.
✅ Conclusão
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Os registros cristãos (evangelhos, Atos, cartas, Apocalipse) criaram um modelo histórico e teológico que sustentou a identidade da religião.
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O cristianismo nasceu múltiplo e comunitário, mas precisou se organizar ao entrar em contato com Roma.
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A Patrística e a conversão de Constantino foram passos decisivos para a sua consolidação no Ocidente.
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Essa história não tem fim definido: é aberta, dinâmica e em constante transformação.
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