RESPOSTA:
Art. 329 do Código Penal: Concurso
entre o crime de roubo e o crime de Resistência.
Cremos perfeitamente possível a
configuração do crime de resistência se, durante a prática de um roubo, o
agente voltar-se violentamente contra agente da polícia que pretendem
prendê-lo. A violência para assegurar a posse da coisa subtraída é uma, não se
podendo confundir com a outra, usada para afastar o funcionário público do
exercício da sua função, ainda que no mesmo contexto. Os objetos protegidos são
diversos (patrimônio, no caso de roubo, e administração pública, no caso de
resistência). Assim, não nos parece ser a violência decorrente do roubo, que
tem por fim a obtenção da coisa móvel, a
mesma utilizada contra a pessoa humana(agente do Estado) – ou mera decorrência,
como alguns afirmam.
Ressalte-se que a violência
utilizada para matar alguém normalmente não é confundida com a que for usada
contra policial que pretenda prender o homicida, respondendo o agente, nesse
caso, por homicídio (ou tentativa) e resistência, em concurso material. A mesma
visão deveria valer para os crimes patrimoniais violentos. Quando o roubo está
consumado, há posição jurisprudencial no sentido que sustentamos:
“Impossibilidade
de o segundo crime ser considerado como integrante do roubo, uma vez que o
primeiro já se encontrava consumado” (TJSP, Ap. 238.312-3, São Paulo, 6ª C.,
rel. Debatin Cardoso, 02.04.1998, v.u.).
Entretanto,
reconhecemos que há posição majoritária na jurisprudência em sentido contrário:
“A resistência oposta por assaltante para evitar a prisão, quando perseguido
logo após a prática do crime de roubo, não constitui crime autônomo; representa,
tão-somente, um desdobramento da violência caracterizadora do delito
patrimonial” (STJ, REsp 173.466-PR, 6º T, rel. Vicente Leal, 24.08.1999, v.u.,
DJ 04.10.1999, p.116).
Art. 330 do Código
Penal: O sigilo médico e o afastamento da configuração do crime de
desobediência no caso o profissional se recuse a colaborar com o poder
judiciário.
Cremos, conforme o caso, pode configurar
o crime de desobediência. É certo que o sigilo profissional é previsto em lei e
até mesmo o Código Penal o reconhece e protege (art. 154 – violação de segredo
profissional), embora nenhum direito seja absoluto. O médico deve guardar
sigilo sobre o prontuário do paciente, a fim de assegurar o seu à intimidade,
como preceitua o Código de Ética Médica(ainda assim, pode revelar fato de que
tenha conhecimento em razão da profissão se houver justa causa, dever legal ou
autorização do paciente – art. 102 da Resolução 1.246, de 08.01.1988, do
Conselho Federal de Medicina). E, do mesmo modo, o gerente de um banco deve
assegurar o sigilo pertinente à movimentação da conta bancária do seu cliente,
com o mesmo fito de garantir a intimidade. Ocorre que, para colaborar com o
Poder Judiciário, na sua tarefa de apurar lesão ou ameaças a direito, pode o
sigilo ser rompido, visto não haver direito absoluto. Se pode o sigilo bancário
ser quebrado por ordem do magistrado, por que não poderia o sigilo médico? Por
isso, quando for indispensável para apurar um crime – como a configuração da
materialidade em crimes que deixam vestígios -, é lógico que deve o médico
enviar ao juiz a ficha de atendimento do paciente (por vezes, vítima do crime
que está sendo apurado), a fim de se formar um juízo acerca da prova. Não fosse
assim e estar-se-ia negando aplicação ao art. 5º, XXXV, da Constituição
Federal. É evidente que o caso concreto irá determinar o melhor caminho a
seguir. Se o juiz deseja informações sobre o prontuário de um paciente que faz
terapia, a fim de melhor conhecer sua personalidade, pode o médico recusar-se a
fornecer, embora deva responder ao ofício, e não simplesmente ignorá-lo.
Entretanto, no caso da ficha de atendimento, onde constam lesão corporal aptas
a demonstrar até mesmo a ocorrência de uma tentativa de homicídio ou de outro
crime grave qualquer, não se pode assimilar o sigilo médico como razoável. A
lesão causada à vítima precisa ser apurada e depende, diretamente, da
colaboração do médico, de forma que o Código de Ética não será, jamais,
superior à própria Constituição federal.
Registre-se
o disposto, atualmente, no art. 12, §3º, da Lei nº 11.340/06, que cuida da
violência domestica: “serão admitidos como meios de provas os laudos ou
prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde”. Confirma-se a
inviolabilidade de se alegar sigilo médico para a formação da materialidade de
um crime. Em sentido contrario, considerando justa causa para romper o sigilo
apenas o consentimento do ofendido, denuncia de doença cuja notificação é
compulsória, estado de necessidade e exercício regular de direito, encontramos:
TJSP, MS 102.893-3, 5ª C, rel. Denser de Sá, 20.02.1991, v.u., RT 668/280.
Art. 339 do Código
Penal: A avaliação do direito à autodefesa em confronto com a denunciação
caluniosa.
É comum, embora possa ser imoral ou
antiético, que uma pessoa acusada da prática de um delito queira livrar-se da
imputação, passando a terceiro esse ônus. Ao indicar alguém para assumir o seu
lugar, pretende desviar a atenção da autoridade, livrando-se da acusação. Ainda
que indique terceira pessoa para tomar parte na ação penal ou na investigação
por achar que ela teve alguma participação nos fatos, não se configura o crime.
Não há, nessas hipóteses, elementos subjetivo do tipo específico, consistente
no desejo de ver pessoa inocente ser injustamente processada, sem qualquer motivo,
prejudicando a administração da justiça. A vontade específica do agente é
livrar-se da própria imputação. Igualmente: Hungria ( Comentários ao Código
Penal, v. IX, p.463). Entretanto, não descartemos, completamente, a
possibilidade de o indiciado ou réu, pretendendo vingar-se de terceiro,
utilizar o inquérito, onde já está indiciado, ou o processo que lhe foi
instaurado, para delatar, maldosamente, alguém.
A delação, segundo cremos, é a
admissão por alguém da prática do fato criminoso do qual está sendo acusado,
envolvendo outra pessoa e atribuindo-lhe algum tipo de conduta delituosa,
referente à mesma imputação, pois isso é um puro testemunho. A delação, que vem
sendo admitida como meio de prova pelos tribunais pátrios, implica na assunção
da autoria por parte do delator. Por isso, para ser assim considerada, é
indispensável que o autor de um crime admita a autoria e indique terceiro. Essa
prova pode ser suficiente para uma condenação, razão pela qual atenta
diretamente contra a administração da justiça. Ademais, o indiciado ou réu não
necessita assumir o crime, indicando outra pessoa também responder pelo fato,
como estratégia defensiva. Sua intenção, nesse caso, não é defender-se, mas
prejudicar outrem, incluindo-o onde não merece, motivo pelo qual cremos poder
responder por denunciação caluniosa. Afinal, configurado está o dolo direto e o
elemento subjetivo específico. Defendendo que o réu não comete, jamais,
denunciação caluniosa em seu interrogatório, pois tem o ânimo de se defender,
acima de tudo, está a posição de Maluly ( Denunciação caluniosa, p.62).
Neste
sentido: “Denunciação Caluniosa – Não caracterização – Réu que, no curso do
interrogatório, utiliza-se de falsa afirmação para se defender – fato atípico –
absolvição decretada.” (TJSP, 4ª Câmara Criminal, ACR 120887, Rel. Des. Dante
Busana, DJ.24/04/1992).
Art. 341 do Código
Penal: O réu e o amplo direito de mentir para se defender.
Embora, no exercício do seu direito
de defesa, que é constitucionalmente assegurado – ampla defesa – e não deve ser
limitado por qualquer norma ordinária, tenha o acusado o direito de mentir,
negando a existência do crime, sua autoria, imputando-a a outra pessoa,
invocando uma excludente qualquer, enfim, narrando inverdades, não lhe confere
o ordenamento jurídico o direito de se auto-acusar falsamente. Nem em nome do
principio da ampla defesa é-lhe assegurado o direito de auto-acusar-se, pois
também é principio constitucional evitar, a qualquer custo, o erro judiciário
(art. 5º , LXXV). Não havendo hierarquia entre normas constitucionais, deve o
sistema harmonizar-se sem necessidade de que uma norma sobrepuje outra. Assim,
sob qualquer prisma, evitar a auto-acusação é tipo penal perfeitamente
sintonizado com a segurança almejada pelo sistema jurídico-penal. Note-se que
uma confissão, mormente quando feita em juízo, tem valor probatório dos mais
fortes em nosso processo penal. Aliás, possui valor maior do que o devido, pois
é costume desprezar a chance de admissão de culpa ser falsa. Ainda assim, há
contundência no depoimento de uma pessoa que, sem qualquer pressão aparente,
admite, perante a autoridade, a pratica de um delito.
Essa conduta se fosse penalmente
admissível, iria causar a provável condenação de um inocente, com a
inconseqüente impunidade do autentico autor do crime. E, não havendo delito,
remanesce, ainda, o inaceitável erro judiciário do Estado, algo que a
Constituição ressaltou expressamente não ser suportável, tanto que assegura
indenização. Diante disso, qualquer pessoa pode defender-se, quando for acusado
da prática de um delito, embora não possa ficar impune o caso o faça com o
ânimo de chamar a si uma responsabilidade inexistente.
Art. 342 do Código
Penal: A configuração do crime de falso testemunho e a indisponibilidade de se
tomar o compromisso de dizer a verdade.
Há duas posições:
a)
não é necessário
o compromisso para a configuração do crime de falso, tendo em vista que toda
pessoa tem o dever de dizer a verdade em juízo, não podendo prejudicar a
administração da justiça. Além do mais, a formalidade do compromisso não
integra mais o crime de falso, como ocorria por ocasião do Código Penal de 1890(cf. de Faria, Hungria, Noronha, Tornaghi,
Tourinho Filho, Antolisei, Manzini, Maggiore, Ranieri, Marsich, Castilho,
Levene, Grieco e Cantarano e Luiz regis Prado, que fez menção aos primeiros,
falso testemunho e falsa perícia, p. 94);
b)
Há
necessidade do compromisso, pois sem ele
a testemunha é mero informante, permitindo ao juiz livre valoração de seu
depoimento. Como ensina Fragoso: “Em relação à testemunha é indispensável que
tenha prestado o compromisso legal, pois somente neste caso surge o dever de
dizer a verdade”. Nessa posição, ainda, Espínola Filho, Menegale, Magalhães
Drumond( menções de Luiz Regis Prado, ob. Cit., p.92-93).
Cremos
mais acertada a segunda a segunda posição, mesmo porque é a única que está em
sintonia com as regras processuais penais. O art. 203 do CPP é expresso ao
mencionar que “a testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a
verdade do que souber e lhe for perguntado (...)”. em seguida, lê-se no art.
208: “Não se deferirá o compromisso a que alude o art. 203 aos doentes aos
doentes e deficientes mentais e aos menores de 14 anos, nem às pessoas a que se
refere o art. 206”
(neste dispositivo legal menciona-se que podem eximir-se de depor o ascendente,
o descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que separa, o irmão, o
pai, a mãe e o filho adotivo do acusado). Ora, analisando-se em conjunto tais
normas, tem-se o seguinte: o compromisso é o ato solene que concretiza,
tornando expresso, o dever da pessoa que testemunha de dizer a verdade, sob
pena de ser processada por falso testemunho. E nem se diga que é mera
formalidae, cuja falta nem mesmo implica em nulidade, pois se está analisando a
situação sob o prima do sujeito ativo, e não do processo. Se a falta do
compromisso vai ou não causar nulidade é irrelevante, diante da ausência
propositada do alerta à pessoa que vai depor de que esta obrigada a dizer a
verdade. Aliás, somente poderia estar obrigada ou desobrigada de acordo coma
lei. Por isso, quando o juiz olvidar o compromisso de pessoa que está
legalmente obrigada a dizer a verdade, não se afasta o crime de falso.
Entretanto, se, ao contrário, a ela expressamente não deferir o compromisso,
deixando claro tratar-se de meras declarações, não há como punir o sujeito que mentiu. Sem o
compromisso, não se pode exigir que o depoente fale a verdade, mesmo porque as
pessoas que estão imunes à promessa de dizer a verdade são justamente as que
não tem condições emocionais de faze-lo ou por conta da deficiência mental ou
por falta de maturidade, terminam não narrando a verdade. Como se pode exigir
do pai do réu – eximido da obrigação de depor – que conte a verdade do que
aconteceu, mesmo sabendo que o filho pode ir, graças ao seu depoimento, para a
cadeia? Excepcionalmente, diz o próprio art. 206, parte final, quando por outra
forma não for possível obter ou integrar a prova do fato e de suas
circunstancias, pode o magistrado determinar a inquirição dessas pessoas, embora sem lhes deferir o
compromisso(art.208). E por que? Qual razão teria o legislador ao determinar
para uns o compromisso e par outros, não? É evidente, para nós, que a intenção
é diferenciar a testemunha do mero declarante. A testemunha tem o dever de
dizer a verdade, porque compromissada, logo, sujeita às penas do crime de
falso, que é a conseqüência jurídica do descumprimento do dever que assumiu. O
declarante não possui o dever de narrar a verdade e está sendo ouvido por pura
necessidade do juízo na busca da verdade real, embora não preste compromisso,
como a lei assegura. O magistrado levará em consideração o seu depoimento com
reserva, fazendo o possível para confronta-lo com as demais provas dos autos.
Não fosse assim e todos deveriam ser compromissados, sem exceção, respondendo
pelo crime de falso. Entendemos, outrossim, que a obrigação de depor pode
existir, mesmo para que não forem compromissados – porque está expresso em lei
(art. 206) -, mas não com a incidência do art. 342 do Código Penal. A despeito
da figura típica, criada para punir o falso testemunho, como crime contra a
administração da justiça, é preciso considerar que o sistema de produção de
provas – alicerce da distribuição de justiça – é disciplinar pelo Código de
Processo Penal, não podendo a lei penal interferir seara alheio. Se há
compromisso para alguns e não para outros, é indispensável respeitar tal
sistemática, sob pena de haver o predomínio indisfarçável do Código Penal sobre
o de Processo. O mesmo se diga no tocante à vitima, para quem também não se
exige o compromisso de dizer a verdade, justamente porque é parte envolvida no
fato delituoso, tendo sofrido a conduta e estando emocionalmente vinculada, em
grande parte, à punição da pessoa que julga ser culpada por seu sofrimento.
Tanto é verdade, que a vítima não se inclui no rol de testemunhas e não presta
depoimento, mas “declarações”. E, arrematando, note-se o disposto no art.210,
parte final, do CPP – “... devendo o juiz advertir-las das penas cominadas ao
falso testemunho”- que se refere, naturalmente, às testemunhas que prestam
depoimento sob compromisso, e não meros declarantes.Certamente, não é crível de
imaginar que, em decorrência da alteração sofrida pela lei processual civil,
que deixou de exigir o compromisso por parte dos peritos, estes ficaram,
consequentemente, à margem do tipo previsto no art. 342 do Código Penal,
dirigindo a testemunha, peritos, tradutores e interpretes, uma vez que o
compromisso não integra o tipo penal. No tocante às testemunhas, já expusemos o
nosso entendimento, salientando que o compromisso não tem valor unicamente
decorativo, nem formal, tanto assim que há pessoas dispensadas de depor e, se o
fizerem, prestam depoimento como meros declarantes.