Na realidade, a diferença fundamental entre o positivismo de
Comte e o positivismo de Stuart Mill está em que um é racionalismo radical ao
passo que o outro, nascido do tronco nacional da filosofia inglesa, é um
empirismo não menos radical. É verdade que o positivismo de Comte pretende
partir dos fatos, mas para chegar à lei, a qual, uma vez formulada, passa a
fazer parte do sistema total das crenças da humanidade e é dogmatizada. Para o
positivismo de Stuart Mill, ao invés, o recurso aos fatos é contínuo e incessante,
e não é possível qualquer dogmatização dos resultados da ciência. A lógica de
Stuart Mill tem como escopo principal abrir brecha em todo o absolutismo da
crença e referir toda a verdade, princípio ou demonstração, à validade das suas
bases empíricas. Por esta via, a pesquisa filosófica não perde o caráter social
que adquirira nos escritos dos Saint-simonistas e do próprio Comte; só que o
fim social não é o de estabelecer um único sistema doutrinário e politicamente
opressivo, mas sim de combater nas suas
bases toda a forma possível de dogmatismo absolutista e fundar a possibilidade
de uma ciência educativa, libertadora, a que Stuart Mill chamou etologia (de
ethos, caráter).
Na sua introdução à Lógica, Mill desembraraça-se de todos os
problemas metafísicos que, segundo afirma, caem fora do domínio da ciência, na
medida em que esta é sempre uma ciência da prova e da evidencia. Além da
eliminação de toda a realidade metafísica, há eliminação de todo fundamento
metafísico ou transcendente ou, pelo menos, não empírico das verdades e dos
princípios universais. Todas as verdades são empíricas: a única justificação do
“isto será” é o “isto foi”. As chamadas preposições essenciais são puramente
verbais; afirmam de uma coisa indicada com um nome só o que é afirmado pelo
fato de se lhe dar tal nome. Quer dizer, são fruto de uma pura convenção linguística
e não dizem absolutamente nada real sobre a coisa mesma.
Stuart Mill não pretende, porém, tirar destas premissas a
conclusão céptica a que Hume chegara partindo de premissas análogas. O que ele
pretende é garantir ao conhecimento humano o grau de validae que lhe
corresponde em conformidade com os seus fundamentos empíricos. Toda a
proposição universal é uma generalização dos fatos observados. Mas que
significa tal generalização, dado que nunca é possível observar todos os fatos
e que as vezes basta um fato só para justificar uma generalização? Este é o
problema fundamental da indução, a que se reduz, um última análise, todo o
conhecimento verdadeiro. Stuart Mill vê a solução deste problema no princípio
da uniformidade da natureza. As uniformidades da natureza são leis naturais: a
lei de causalidade. Esta lei, asseverando que todo o fato de todas as coisas
terem um início tem uma causa, estabelece que “é uma lei o fato de todas as
coisas terem lei”.
Mas se as leis da
natureza não são outra coisa senão uniformidades testemunhadas pela observação,
o que é que garante a lei da causalidade, a qual afirma que tais uniformidades
devem existir? Stuart Mill considera que não é difícil conceber que alguns dos
muitos fundamentos do universo sideral os eventos possam suceder-se sem nenhuma
lei determinada. A lei da causalidade não é por isso um instinto infalível do gênero
humano nem uma intuição imediata, nem mesmo uma verdade necessariamente
vinculada à natureza humana como tal. Temos, portanto, de admitir que a mesma
lei que regula a indução é uma indução. “ Nós chegamos a esta lei geral mediante
generalizações de muitas leis de generalidade inferior. Nunca teríamos tido a
noção de causalidade como condição de todos os fenômenos, se muitos casos de
causação ou, por outras palavras, muitas parciais uniformidades de sucessão não
se tivessem tornado familiares anteriormente. A mais óbvias das uniformidades
particulares sugere e torna evidente a uniformidade geral, e a uniformidade
geral, uma vez estabelecida, permite-nos demonstrar as demais uniformidades
particulares, das quais procede”.
A uniformidade da natureza não é, portanto, ,mais do que uma
simples indução per enumerationem
simplecem, e Stuart Mill observa a este propósito que uma tal indução não é
, necessariamente, um processo lógico ilícito, mas também é, na realidade, a
única espécie de indução possível, uma vez que é obtida deste modo não
artificial.
A investigação lógica de Stuart Mill não é um fim em si
mesmo: tende a estabelecer um método e uma disciplina para o estudo e orientação
do homem. Os primeiros cinco livros do
Sistema de Lógica são , na mente de Mill, simplesmente preparatórios em relação
ao sexto, dedicado à lógica das ciências morais. Aqui, Mill começa por
reafirmar de certo modo a liberdade do querer humano. A liberdade não contradiz
o que ele chama “ necessidade filosófica”, a qual implica que todos os motivos
presentes ao espírito de um indivíduo e dados igualmente o caráter e as disposições do individuo, se
pode deduzir infalivelmente o seu comportamento futuro, de modo que “ se
conhecermos a pessoa a fundo e se conhecermos todos os móbiles que sobre ela
atuam, podemos predizer-lhes o comportamento com a mesma certeza com que
podemos predizer qualquer evento físico”.
Naturalmente, as leis do espírito, como todas as outras leis
empíricas, têm uma validade que se restringe aos limites da observação, mas não
garantem nada para lá de tais limites. Tais leis derivam das leis gerais da
psicologia mediante a consideração do que será, em conformidade com as leis psicológicas,
a ação das circunstancias sobre a formação do caráter. A etologia é, portanto,
a ciência que corresponde ao ato da educação no seu sentido mais lato. Ao lado
da ciência do caráter individual, Stuart Mill Poe a ciência do caráter social e
coletivo que é a sociologia. Esta ciência deve fundar-se, como Comte viu, no
princípio do progresso do gênero humano. O escopo da sociologia deve ser a
descoberta de uma lei de progresso que, uma vez encontrada, torne possível
predizer os eventos futuros, tal como na álgebra, depois de alguns termos de
uma série infinita, é possível descobrir o princípio da regularidade da sua formação
e predizer o resto da série.
Como Comte, Stuart Mill admite uma estática social e uma dinâmica
social que deveriam explicar os fatos da história e determinar a direção do seu
desenvolvimento progressivo. Ele reproduz nas últimas páginas da Lógica aquela
concepção da história que domina o espírito romântico do século XIX, tanto o
positivista como o idealista, e se encontra tanto em Saint – Simon e em Comte
como em Hegel. A história é uma tradição contínua que vai de geração em geração
acumulando de cada vez uma série de resultados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário