quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Série grandes Filósofos: Stuart Mill



Na realidade, a diferença fundamental entre o positivismo de Comte e o positivismo de Stuart Mill está em que um é racionalismo radical ao passo que o outro, nascido do tronco nacional da filosofia inglesa, é um empirismo não menos radical. É verdade que o positivismo de Comte pretende partir dos fatos, mas para chegar à lei, a qual, uma vez formulada, passa a fazer parte do sistema total das crenças da humanidade e é dogmatizada. Para o positivismo de Stuart Mill, ao invés, o recurso aos fatos é contínuo e incessante, e não é possível qualquer dogmatização dos resultados da ciência. A lógica de Stuart Mill tem como escopo principal abrir brecha em todo o absolutismo da crença e referir toda a verdade, princípio ou demonstração, à validade das suas bases empíricas. Por esta via, a pesquisa filosófica não perde o caráter social que adquirira nos escritos dos Saint-simonistas e do próprio Comte; só que o fim social não é o de estabelecer um único sistema doutrinário e politicamente opressivo, mas sim  de combater nas suas bases toda a forma possível de dogmatismo absolutista e fundar a possibilidade de uma ciência educativa, libertadora, a que Stuart Mill chamou etologia (de ethos, caráter).

Na sua introdução à Lógica, Mill desembraraça-se de todos os problemas metafísicos que, segundo afirma, caem fora do domínio da ciência, na medida em que esta é sempre uma ciência da prova e da evidencia. Além da eliminação de toda a realidade metafísica, há eliminação de todo fundamento metafísico ou transcendente ou, pelo menos, não empírico das verdades e dos princípios universais. Todas as verdades são empíricas: a única justificação do “isto será” é o “isto foi”. As chamadas preposições essenciais são puramente verbais; afirmam de uma coisa indicada com um nome só o que é afirmado pelo fato de se lhe dar tal nome. Quer dizer, são fruto de uma pura convenção linguística e não dizem absolutamente nada real sobre a coisa mesma.

Stuart Mill não pretende, porém, tirar destas premissas a conclusão céptica a que Hume chegara partindo de premissas análogas. O que ele pretende é garantir ao conhecimento humano o grau de validae que lhe corresponde em conformidade com os seus fundamentos empíricos. Toda a proposição universal é uma generalização dos fatos observados. Mas que significa tal generalização, dado que nunca é possível observar todos os fatos e que as vezes basta um fato só para justificar uma generalização? Este é o problema fundamental da indução, a que se reduz, um última análise, todo o conhecimento verdadeiro. Stuart Mill vê a solução deste problema no princípio da uniformidade da natureza. As uniformidades da natureza são leis naturais: a lei de causalidade. Esta lei, asseverando que todo o fato de todas as coisas terem um início tem uma causa, estabelece que “é uma lei o fato de todas as coisas terem lei”. 

Mas  se as leis da natureza não são outra coisa senão uniformidades testemunhadas pela observação, o que é que garante a lei da causalidade, a qual afirma que tais uniformidades devem existir? Stuart Mill considera que não é difícil conceber que alguns dos muitos fundamentos do universo sideral os eventos possam suceder-se sem nenhuma lei determinada. A lei da causalidade não é por isso um instinto infalível do gênero humano nem uma intuição imediata, nem mesmo uma verdade necessariamente vinculada à natureza humana como tal. Temos, portanto, de admitir que a mesma lei que regula a indução é uma indução. “ Nós chegamos a esta lei geral mediante generalizações de muitas leis de generalidade inferior. Nunca teríamos tido a noção de causalidade como condição de todos os fenômenos, se muitos casos de causação ou, por outras palavras, muitas parciais uniformidades de sucessão não se tivessem tornado familiares anteriormente. A mais óbvias das uniformidades particulares sugere e torna evidente a uniformidade geral, e a uniformidade geral, uma vez estabelecida, permite-nos demonstrar as demais uniformidades particulares, das quais procede”.

A uniformidade da natureza não é, portanto, ,mais do que uma simples indução per enumerationem simplecem, e Stuart Mill observa a este propósito que uma tal indução não é , necessariamente, um processo lógico ilícito, mas também é, na realidade, a única espécie de indução possível, uma vez que é obtida deste modo não artificial. 

A investigação lógica de Stuart Mill não é um fim em si mesmo: tende a estabelecer um método e uma disciplina para o estudo e orientação do homem.  Os primeiros cinco livros do Sistema de Lógica são , na mente de Mill, simplesmente preparatórios em relação ao sexto, dedicado à lógica das ciências morais. Aqui, Mill começa por reafirmar de certo modo a liberdade do querer humano. A liberdade não contradiz o que ele chama “ necessidade filosófica”, a qual implica que todos os motivos presentes ao espírito de um indivíduo e dados igualmente  o caráter e as disposições do individuo, se pode deduzir infalivelmente o seu comportamento futuro, de modo que “ se conhecermos a pessoa a fundo e se conhecermos todos os móbiles que sobre ela atuam, podemos predizer-lhes o comportamento com a mesma certeza com que podemos predizer qualquer evento físico”.

Naturalmente, as leis do espírito, como todas as outras leis empíricas, têm uma validade que se restringe aos limites da observação, mas não garantem nada para lá de tais limites. Tais leis derivam das leis gerais da psicologia mediante a consideração do que será, em conformidade com as leis psicológicas, a ação das circunstancias sobre a formação do caráter. A etologia é, portanto, a ciência que corresponde ao ato da educação no seu sentido mais lato. Ao lado da ciência do caráter individual, Stuart Mill Poe a ciência do caráter social e coletivo que é a sociologia. Esta ciência deve fundar-se, como Comte viu, no princípio do progresso do gênero humano. O escopo da sociologia deve ser a descoberta de uma lei de progresso que, uma vez encontrada, torne possível predizer os eventos futuros, tal como na álgebra, depois de alguns termos de uma série infinita, é possível descobrir o princípio da regularidade da sua formação e predizer o resto da série.

Como Comte, Stuart Mill admite uma estática social e uma dinâmica social que deveriam explicar os fatos da história e determinar a direção do seu desenvolvimento progressivo. Ele reproduz nas últimas páginas da Lógica aquela concepção da história que domina o espírito romântico do século XIX, tanto o positivista como o idealista, e se encontra tanto em Saint – Simon e em Comte como em Hegel. A história é uma tradição contínua que vai de geração em geração acumulando de cada vez uma série de resultados.

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