Daniela
Bernardo Vieira dos Santos[1]
RESUMO
O presente artigo científico elabora breves
reflexões acerca da inovação legislativa trazida pela Lei 12.424, de 16 de
junho de 2011, a qual inseriu no Código Civil Brasileiro uma nova modalidade de
aquisição da propriedade, a Usucapião Familiar. Analisa-se, também o
questionamento da culpa pela dissolução do vinculo afetivo e a função social da
posse. Tal pesquisa bibliográfica visa conhecer e esclarecer as problemáticas
trazidas pelo novo dispositivo fazendo uma análise geral sobre o instituto da
usucapião, dando-se especial atenção à questão da culpa no abandono do lar.
Palavras
– Chaves: Usucapião Familiar. Abandono do Lar. Culpa.
ABSTRACT
This scientific
article elaborates brief reflections on legislative innovation introduced by
Law 12,424 of June 16, 2011, which entered the Brazilian Civil Code a new
modality of acquisition of property, usucaption Family. Analyzes also questioning
the blame for the dissolution of the bond affective and social function of
ownership. This literature review aims to understand and clarify the problems
brought about by the new device making a general analysis about of the institute usucaption, giving special
attention to the question of guilt in home abandonment.
KEYWORDS: Usucaption Family. Abandonment of the Home. Guilt.
SUMÁRIO:
Introdução; 1-) Aspectos históricos da Usucapião;1.2) A Usucapião no Direito
Comparado 2-) Fundamentos e Requisitos da Usucapião; 2.1 usucapião especial de
imóvel urbano 3-) Usucapião Familiar e a Lei 12.424/2011; 3.1-) Requisitos e
Procedimentos da Usucapião Familiar; Considerações finais; Referência
Bibliográfica.
INTRODUÇÃO
O
presente artigo científico procurou demonstrar que o direito se modifica de
acordo com as alterações do pensamento social, e com o direito à propriedade
não foi diferente, pois antigamente o direito defendia apenas o interesse
privado. Destarte, com a Constituição Federal de 1988, foi priorizado a função
social da propriedade.
A
usucapião familiar ingressou no ordenamento brasileiro com o intuito de
proteger a família contemporânea, além do que o direito à moradia também é uma
das garantias fundamentais constitucionais. Porém, como toda inovação, o instituto trouxe
consigo um amplo debate a respeito do tema que recai, principalmente, sobre a
utilização da expressão pelo legislador “abandonou o lar”. Para muitos
doutrinadores, discutir o abandono seria um retrocesso, uma vez que, com a
Emenda Constitucional n.66/2010, a culpa vinculada ao final da relação conjugal
já foi superada, deixando claro que não há culpados no final da relação
afetiva.
Face
ao exposto, surgem, então, inúmeros questionamentos e incertezas, mesmo que a
intenção do legislador tenha sido de garantia a moradia da família desamparada.
A
escolha deste tema encontra justificativa na inovação trazida pelo legislador à
modalidade de usucapião especial urbano por abandono do lar. Para tanto,
utilizou-se do método comparativo dedutivo, pertinente para o desenvolvimento
da pesquisa bibliográfica.
No
capítulo inicial abordou-se os aspectos históricos da usucapião, as
transformações da propriedade privada com a evolução da sociedade, conceituando
o instituto desde à Lei das Doze Tábuas, de 455 a. C., até os dias atuais com
as definições do Código Civil de 2002. No referido capítulo, também se abordou
o instituto da usucapião brasileiro comparando-se com a legislação de diversos
países, como Portugal e Argentina.
No
capítulo subsequente, discorreu-se sobre os fundamentos e espécies da usucapião
com ênfase à usucapião especial urbano tutelado em nossa Magna Carta e
relatando-se sobre a função social da propriedade, além de abordar os seis
requisitos para a aquisição da propriedade pela usucapião especial urbana.
No
último capítulo, abordou-se a Usucapião Familiar e a Lei 12.424/2011, lei esta
que acrescentou um novo texto ao Código Civil, no artigo 1.240-A e também toda
a polêmica acerca da expressão “abandono do lar”. Em seguida trás os requisitos
e todo o procedimento processual acerca da Usucapião Familiar.
1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA USUCAPIÃO
Trata-se de um dos
institutos mais antigos de nosso ordenamento, uma vez que, a propriedade
privada passou por várias etapas da evolução da sociedade. A palavra usucapião
vem do latim usucapio, de usucacapere, exprime o modo de adquirir
pelo uso ou adquirir pela prescrição. Na definição clássica de Erênio Modestino
apud Borges(2009, p.391) que definiu a usucapião é o modo de adquirir a
propriedade pela posse continuada durante certo lapso de tempo, com os
requisitos estabelecidos em lei . Já, Farias (2012, p.396) complementa, “a
usucapião é modo originário de aquisição de propriedade e de outros direitos
reais, pela posse prolongada da coisa, acrescida de demais requisitos legais.”
Tal instituto nos remete à Lei das Doze
Tábuas, de 455 a.C., que durante o seu período de vigência só tinha eficácia
aos cidadãos romanos. Porém, com a expansão do Império Romano observou-se
então, a necessidade de usucapir e acabaram aperfeiçoando a usucapião, fundando
assim, seus elementos e requisitos que vigoram até os dias atuais.
No Brasil, no fim do século
XIX, influenciado pelo direito romano, nosso legislador adotou em nosso
ordenamento os requisitos europeus para a usucapião. O Código Civil de 1916
tinha na época um papel constitucional e a crença no individualismo, pois dava
o máximo de liberdade à sociedade civil, tanto no direito privado como no
direito público, ao garantir a estabilidade das relações econômicas.
Código Civil de 1916, in verbis:
Art. 550 Aquele que, por
trinta anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel,
adquirir-lhe-à o domínio,independentemente de título e boa-fé que, em tal caso,
se presumem, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual
lhe servirá de título para a inscrição no registro de imóveis.[2]
Posteriormente, com o
advento da Lei nº 2.437, de 07 de março de 1955, os mencionados prazos prescricionais
foram reduzido, respectivamente, 20 anos para bens imóveis e 5 anos para bens
móveis.
O Código Civil, decorrente
da Lei nº 10.406/2002 alterou sensivelmente a visão da propriedade privada que
se tinha desde a edição do Código Civil
anterior. O novo código é regido pelos preceitos constitucionais da função
social da propriedade.
A inserção do princípio da
sociedade no Código Civil de 2002 é observada na medida em que a usucapião
deixou de ser apenas modo de aquisição pelo decurso do tempo ou uma ocupação
simples e, passa a ser vista como ocupação social.
Para tanto, devemos ter
clara a distinção de posse e propriedade, pois posse é o poder de fato sobre a
coisa, enquanto a propriedade é o poder de direito. Segundo Rosenvald (2012), a
usucapião é a ponte que realiza esta travessia entre a posse e propriedade,
pois com a posse mansa e pacífica por um prolongado lapso de tempo acontecerá
uma mutação jurídica sobre a relação entre o possuidor e a coisa.
No momento, nos interessará
apenas a usucapião de aquisição da propriedade imóvel, entretanto, seu objeto é
bem mais amplo por também alcançar os bens móveis e os direitos reais em coisas
alheias, como a servidão, usufruto, domínio útil em enfiteuse e o direito de
superfície.
1.2 USUCAPIÃO NO DIREITO COMPARADO
Existem vários países
contempla nas suas legislações o instituto da usucapião, dentre alguns países
podemos citar:
1. PORTUGAL: Na
legislação portuguesa, a Usucapião encontra-se tratada no Capítulo VI do Dec. L.
nº 4.7344, de 25 de Novembro, isto é, o Código Civil. denominou-se a
usucapião como sendo a prescrição positiva, exigindo no seu artigo 517, justo
título, boa fé, pacificidade, continuidade e publicidade. Determina o artigo
526 como lapso temporal, o prazo de cinco anos no caso de registro de mera
posse de imóveis e dez anos no caso de registro do título de aquisição,
contados da data do registro.
2.
ESPANHA:
O
artigo 609 do Código Civil Espanhol, trata do instituto da usucapião,
estabelecendo que a propriedade e os demais direitos sobre os bens podem ser
adquiridos pela prescrição. O
artigo 1940 estabelece que para a prescrição ordinária do domínio e demais
direitos reais, necessita-se que a posse seja de boa-fé e que se tenha justo
título, por tempo determinado por lei. O artigo 1941 prevê, ainda, que a
propriedade seja tida a título de dono, pública, pacífica e ininterrupta. O
artigo 1957 estabelece que o domínio e demais direitos reais sobre bens
imóveis, prescrevem-se pela posse durante dez anos entre presentes e vinte anos
entre ausentes, com boa fé e justo título.
3.
FRANÇA -
Através do Código Civil Francês, no artigo 2.265: “Aquele que adquire de boa-fé
e por justo título um imóvel, adquirirá a propriedade, por prescrição, em dez
anos, se o verdadeiro proprietário habitar na jurisdição da corte de apelação
nos limites na qual o imóvel está situado; e em vinte anos, se estiver
domiciliado fora da respectiva jurisdição”.
4.
ARGENTINA -
No artigo 3.999 do Código Civil Argentino está reproduzido o art. 2.265 do
Código Francês, com a diferença de se tratar de província ao invés de Corte de
apelação para se determinar se presente ou ausente. O projeto de reforma deste
código, em seu art. 1.545, não faz distinção entre presentes e ausentes.
2-
FUNDAMENTOS E ESPÉCIES DA USUCAPIÃO
Segundo
Venosa (2011), para configurar a usucapião exigem-se três requisitos objetivos:
a posse, o lapso temporal e o objeto hábil, e um requisito subjetivo, que é o animus domini (ânimo de dono), sendo que
em certas modalidades é necessário o justo título e boa-fé.
A posse é de grande
importância para a configuração da prescrição aquisitiva. Porém, não será
qualquer posse, pois o ordenamento exige que esta tenha certas características.
A posse, então, terá que ser adquirida de modo justo, ou seja, que não advenha
de clandestinidade ou violência.
Outro, dos pressupostos
básicos para aquisição da propriedade por usucapião, é o tempo. Este pode
variar de acordo com o sistema jurídico. Para a usucapião extraordinária é
exigido quinze anos e poderá ser reduzido caso há dez anos se o possuidor
utiliza com função social da posse, realizou obras ou de caráter produtivo. Para
o ordinário, o possuidor terá que ter justo título e boa-fé, então, o prazo
será de dez anos. Contudo, será de cinco anos se o imóvel tiver sido adquirido
de forma onerosa para sua moradia ou realizou-o com interesse social e
econômico.
Este decurso de tempo terá que ocorrer de
foram contínua, ininterrupta e sem oposição.
Conforme
dispõe o artigo 1.242 do Código Civil: “Adquire também a propriedade do imóvel
aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o
possuidor por dez anos” [3].
Em
nosso ordenamento podemos encontrar três espécies de usucapião de bens imóveis:
extraordinário, ordinário e a especial, esta última, divide-se em rural e
urbana. Existe ainda, outra modalidade especial que está prevista no Estatuto
do Índio, se trata da usucapião indígena. Contudo, no momento analisaremos
somente a usucapião especial urbana.
A usucapião extraordinária é a modalidade
que possui o maior lapso temporal para que o bem possa ser usucapido. Mas, em
que pese à necessidade de maior tempo no exercício da posse, esta modalidade
dispensa os requisitos justo título e boa-fé. Já na usucapião ordinária, além
de exigir a posse sem oposição e prolongada, exige ainda, que haja o justo
título e a boa-fé.
Não basta somente o requisito do
justo título nesta hipótese, uma vez ausente a boa-fé, carece a ação de
usucapião ordinária de pressuposto formal. Portanto, justo título não se
confunde aqui com boa-fé, essa é a ignorância acerca do vício que obstaculiza a
aquisição da coisa de forma regularizada, já o justo título é quando embora
tenham as partes firmado um negócio jurídico, este não reste perfeito, por uma
das possibilidades alhures elencadas.
A espécie de usucapião
especial, introduzida na Constituição Federal de 1988, foi uma cintilante
demonstração do princípio da função social da posse. Farias explica que:
A usucapião especial escapa àquelas
formas tradicionais da aquisição da propriedade pelo decurso do tempo, em que
são exigidos prazos maiores e não se impõe condicionantes ao tamanho do imóvel,
finalidade da posse e ausência de propriedade sobre outro imóvel.[4]
Temos que, a usucapião pro moradia
é uma espécie nova de usucapião especial urbana. Gonçalves, sobre as modalidades de usucapião especial urbana
e rural afirma que:
Além das
duas espécies mencionadas, o nosso ordenamento prevê ainda a usucapião
especial, também chamada de constitucional por ter sido introduzida pela Constituição
Federal sob duas formas: usucapião especial rural, também denominada pro
labore, e usucapião especial urbana, também conhecida como pró-moradia. A de
1934 consagrou a modalidade rural, que está também regulamentada no art. 191 da
Carta de 1988 e no art. 1.239 do Código Civil de 2002. (2011, p. 261)
2.1 USUCAPIÃO ESPECIAL DE IMÓVEL URBANO
A usucapião urbana buscou
efetivar a norma constitucional do direito à moradia contida no art. 6° da CF,
expressando novamente a concepção solidarística da ordem civil/constitucional. A
Constituição Federal de 1988, também disciplinou a questão atinente à usucapião
de imóveis urbanos no seguinte artigo:
Art. 183 – Aquele que possuir como sua
área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos,
ininterruptos e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família,
adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel
urbano ou rural.
§ 1º - O título de domínio e a
concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos,
independentemente do estado civil.
§ 2º - Esse direito não será
reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 3º - Os imóveis públicos não serão
adquiridos por usucapião.
Nota-se que no artigo em
questão, figura no seu § 1º, a expressão “concessão de uso” que nada tem a ver
com o instituto da usucapião, relatando, assim, de forma vaga, pois a usucapião
transforma uma situação de fato numa de direito, passando de mero possuidor
para proprietário e não de possuidor para usuário.
Os requisitos para a
aquisição da propriedade pela usucapião especial de imóvel urbano são basicamente
seis, adiante relatados:
1.
O primeiro requisito é o limite quantitativo
da área, que deve ser de no máximo duzentos e cinquenta metros quadrados.
2.
O segundo é que o imóvel seja urbano,
utilizando o conceito da localização da área para definir se é urbano ou rural.
Assim, é urbano o imóvel que estiver situado no perímetro urbano, localidade
esta definida em lei municipal. Não importando a destinação do imóvel, mas sim
a sua localização.
3.
O terceiro requisito para a aquisição da
propriedade é que a posse seja sem oposição (mansa e pacífica) e ininterrupta,
pelo prazo de cinco anos.
4.
O quarto requisito é que o imóvel seja
utilizado para moradia do usucapiente ou de sua família.
5.
O quinto requisito é que o usucapiente não
tenha, antes, sido beneficiado com a usucapião especial de imóvel urbano, pois
a norma constitucional restringiu o beneficio a uma única vez. Entretanto, não
impede que o usucapiente adquira a propriedade por outra modalidade de
usucapião.
6.
Por fim, o sexto requisito é que o
usucapiente não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
3
- USUCAPIÃO PRO - MORADIA OU FAMILIAR E A LEI 12.424/2011
A Medida Provisória 514 de
2010 que trata do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, converteu-se na
Lei 12.424/11. Acrescentando assim, o novo texto do Código Civil, o artigo 1.240-A,
que ingressou a usucapião familiar no direito brasileiro.
A usucapião familiar,
portanto,a usucapião familiar é o meio de aquisição da propriedade por apenas
um dos cônjuges, quando este é abandonado pelo outro e mantém o imóvel para sua
moradia ou de sua família, desde que o inocente não possua outro imóvel, urbano
ou rural, e que o imóvel objeto da usucapião seja urbano e não superior a
duzentos e cinquenta metros quadrados, bem como ser a propriedade dividida
entre o casal e antes da ocorrência do abandono do lar.Ou seja, é aquele meio
de aquisição da propriedade por um dos cônjuges que, ficou com a posse direta
do imóvel, após ter sido abandonado pelo outro. Vejamos o artigo supracitado, in verbis:
Art.
1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois)
anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre
imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja
propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar,
utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio
integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.[5]
De acordo
com a nova lei, não será apenas requisito da usucapião familiar o abandono, mas
também será necessário que o imóvel seja o único imóvel do casal e que o imóvel
usucapido contenha até 250m². O imóvel usucapido terá que ser utilizado para a
moradia do abandonado ou de sua família; que a parte inocente tenha exercido a
posse por pelo menos 2 anos, contados do efetivo abandono.
Dentre várias críticas acerca da nova espécie da
usucapião familiar, a que merece nossa atenção será o abandono do lar. Pois,
segundo Dias (2012)
O que significa mesmo
abandonar? Será que fugir do lar em face da prática de violência doméstica pode
configurar abandono? E se um foi expulso pelo outro? Afastar-se para que o grau
de animosidade não afete a prole vai acarretar a perda do domínio do bem? Ao
depois, como o genitor não vai ser tachado de mau pelos filhos caso manifeste
oposição a que eles continuem ocupando o imóvel? Também surgem questionamentos
de natureza processual. A quem cabe alegar a causa do afastamento? A oposição
há que ser manifestada de que forma? De quem
é o ônus
da prova? Pelo jeito a ação de usucapião terá
mais um fundamento como pressuposto constitutivo do direito do autor.[6]
A expressão “abando do lar” é muito subjetiva, no
sentido de que é imprecisa, ou seja, não há um conceito fechado acerca do
mesmo. Ocorre que, tal expressão poderá ser utilizada para descrever uma saída
ou “abando” por motivo de violência doméstica, por exemplo.
O abandono do lar não subsiste mais no Direito de
Família, pois, o art.1.573 do Código Civil, foi revogado pela EC 66/2010[7],
na qual se entendeu que não há culpa pela dissolução da sociedade conjugal e,
portanto, não poderá sofrer sanção patrimonial.
Neste sentido tem sido o entendimento do STJ:
SEPARAÇÃO JUDICIAL. PEDIDO INTENTADO COM BASE NA
CULPA EXCLUSIVA DO CÔNJUGE MULHER. DECISÃO QUE ACOLHE A PRETENSÃO EM FACE DA
INSUPORTABILIDADE DA VIDA EM COMUM, INDEPENDENTEMENTE DA VERIFICAÇÃO DA CULPA
EM RELAÇÃO A AMBOS OS LITIGANTES. ADMISSIBILIDADE. – A despeito de o pedido
inicial atribuir culpa exclusiva à ré e de inexistir reconvenção, ainda que não
comprovada tal culpabilidade, é possível ao Julgador levar em consideração
outros fatos que tornem evidente a insustentabilidade da vida em comum e,
diante disso, decretar a separação judicial do casal. – Hipótese em que da
decretação da separação judicial não surtem conseqüências jurídicas relevantes.
Embargos de divergência conhecidos, mas rejeitados.[8]
Não podemos perder de vista o real direito a ser
protegido, que é a moradia de usucapião. Porém,
o fator
culpa, de maneira adversa ao que a jurisprudência aponta, através desta nova
lei, já que aponta de maneira expressiva “aquele que abandonar o lar”, nos faz
considerar que a culpa estaria de volta na dissolução dos relacionamentos
afetivo.
Diante do breve relato da evolução da “culpa” no
Direito de Família, de forma desfavorável é a opinião de Maria Berenice aos
rumos tomados por essa nova modalidade de usucapião no que se refere ao fator
abandono do lar:
De forma para lá de desarrazoada a lei ressuscita a
identificação da causa do fim do relacionamento, que em boa hora foi sepultada
pela Emenda Constitucional 66/2010 que, ao acabar com a separação fez desaparecer
prazos e atribuição de culpas. A medida foi das mais salutares, pois evita que
mágoas e ressentimentos – que sempre sobram quando o amor acaba – sejam
trazidas para o Judiciário. Afinal, a ninguém interessa os motivos que
ensejaram a ruptura do vínculo que nasceu para ser eterno e feneceu.
(...) Além disso, ressuscitar a discussão de culpas
desrespeita o direito à intimidade, afronta o princípio da liberdade, isso só
para lembrar alguns dos princípios constitucionais que a Lei viola ao conceder
a propriedade exclusiva ao possuidor, tendo por pressuposto a responsabilidade
do co-titular do domínio pelo fim da união. (BERENICE, 2011).
Não menos importante, devemos destacar que essa lei
se aplica às todas as formas de família, seja ela a heterossexual ou a
homossexual, podendo tanto um casal formado pelo homem e pela a mulher bem como
ao casal formado pelos companheiros de mesmo sexo evocar o a aplicação do
artigo 1.240-A.
O legislador, a fim de fazer valer a função social
da propriedade vem criando cada vez mais ferramentas ao ordenamento jurídico
para que, efetivamente,seja possível concretizar o Estado ideal que a
Constituição tanto quer proteger.
3.1
Requisitos e procedimentos da Usucapião Familiar
Para atribuir a titularidade
do domínio a quem têm a posse alguns requisitos terá que ser observados,
voltemos então, ao art. 1240-A do Código Civil, in verbis:
Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois)
anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre
imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja
propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar,
utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio
integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.[9]
A
partir da leitura do supracitado artigo, encontramos alguns requisitos que se
fazem necessários para que se possa demandar a Usucapião Familiar. São eles: o
exercício ininterruptos e sem oposição da posse por 2 (dois) anos de forma
direta e exclusiva; que o imóvel urbano tenha no máximo 250 m²; que este imóvel
seja o único bem imóvel da família; e o abando do lar por um dos cônjuges.
O
prazo deve ser contado a partir da data do abandono do lar do cônjuge, ou seja,
com o término da relação conjugal. Por isso, há tanta polêmica acerca do
“abandono do lar”, pois será ele fator preponderante para incidência da norma.
As ações de usucapião
extraordinária e ordinária estão disciplinadas nos arts. 941 a 945 do Código de
Processo Civil – CPC, sendo que, por sua vez, a ação de usucapião especial
urbana encontra-se disciplinada no Estatuto das Cidades, a qual segue o rito
sumário e a usucapião especial rural, possui procedimento próprio, contido na
Lei 6.969/1981.
A
ação de usucapião familiar deve seguir a tramitação prevista na lei, ou seja,
precisa cumprir os requisitos essenciais para sua análise e desenvolvimento
regular do processo, para que assim, ao final, se alcance a sentença
declaratória, passível de ser registrada no cartório de registro de imóveis.
Para tanto, há de frisar que
junto com a petição inicial, devidamente específica quanto ao objeto da ação, o
imóvel a ser usucapido, deverá também identificar-se o proprietário – que no
caso da usucapião familiar será o ex-cônjuge ou ex-companheiro – e
confrontantes, para que seja possível sua citação e, caso não concordem com a
referida ação, possam se manifestar no prazo legalmente concedido.Juntamente
com as informações acima, é necessário que o interessado junto aos autos todos
os documentos que comprovam tal fato, como a planta do imóvel, o memorial
descritivo, a certidão de confrontantes e, principalmente, a prova do período
aquisitivo, bem como da posse contínua, direta e sem oposição.
No caso específico da
usucapião familiar, haverá a necessidade do cônjuge ou companheiro interessado
juntar aos autos, prova do abandono do lar por parte do ex e ainda, deverá
juntar certidões que comprovem que o requerente não é proprietário de outro
bem, senão aquele que divide com o requerido.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Após a realização da
pesquisa é possível tecer considerações no intuito de contribuir para a
discussão acerca do tema em questão,
pois, concluir-se, então, que para a configuração da usucapião familiar, seria
necessário que o interessado, o cônjuge abandonado, provasse o cumprimento dos
requisitos no artigo da lei exigido, ou seja, o cumprimento do prazo ininterrupto
e sem oposição de 2 (dois) anos, a utilização do imóvel para moradia do
abandonado ou de sua família, que o imóvel urbano tenha no máximo 250m², do
qual já era proprietário com o ex-cônjuge ou ex-companheiro, a inexistência de
propriedade sobre outro imóvel e a condição de abandono do lar, porém, sem
haver a necessidade de discussão acerca dos motivos que levaram a isso.
O tema tratado neste
presente estudo se faz necessário relacionar o direito de família com o direito
de propriedade. A função social da
propriedade é indispensável para que se tenha o mínimo de condições para o
convívio social. Este princípio encontra-se inserido no rol dos
direitos e garantias constitucionais fundamentais, bem como o próprio direito
de propriedade.
Por fim, o direito à
propriedade não fica prejudicado ao ser ponderado de maneira menos atuante
quanto ao direito de família, porque este é igualmente constitucional àquele,
contudo o dever que o Estado tem em proteger a família, e o que a Lei
12.424 de 2011.
Neste momento, encontram-se
mais perguntas do que respostas ao presente caso, pois, inúmeros ainda serão os
questionamentos lançados e estudados no decorrer dos debates acerca da
usucapião familiar, em razão de tratar-se de um instituto novo na legislação
brasileira, o que merece respeito e dedicação no deslinde dos casos
específicos, devendo a lei ser interpretada coerentemente.
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[1]
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Prof° Me. Bruno Valverde Chahaira.
[2]
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[3]
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[4] FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de Direito Civil: reais. 8 ed. Salvador: Juspodvm, 2012. v.5 p.
436
[5]
BRASIL. Código Civil. Ed. São Paulo:
Saraiva, 2013.
[6]DIAS,
Maria Berenice. Usucapião e abandono do lar: a volta da culpa?. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/usucapi%E3o_e_abandono_do_lar.pdf.>(Acesso
em: 14 de março de 2013)
[7]
“A nova
redação do § 6º do art. 226 da Constituição importa revogação das seguintes
normas
do Código Civil,
com efeitos ex nunc: […] II - Arts.
1.572 e 1.573, que regulam as causas da
separação
judicial.” (LÔBO, Paulo Luiz Netto. Divórcio: alteração constitucional e suas
conseqüências.
IBDFAM. Artigos. Belo
Horizonte: IBDFAM, 9 jul. 2010. Disponível em:
<http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=629>.
Acesso em 12 março. 2013).
[8]
STJ. EREsp 466329 (2004/0166475-2). Rel.: Min. Barros Monteiro. DJ
01/12/2006.
[9]
BRASIL. Código Civil. Ed. São Paulo:
Saraiva, 2013
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