segunda-feira, 21 de novembro de 2011

DOS CRIMES DE PERIGO

Daniela Bernardo Vieira dos Santos[1]
Trata-se de infração subsidiaria pelas quais responde o agente quando o fato não se constitui em crime mais grave. Os crimes de perigo são, normalmente, subsidiários dos crimes de dano, mas isso não elimina a possibilidade de aplicação do principio da especialidade para resolver, por vezes, o conflito aparente de normas.
Fala-se em crimes de perigo abstrato nos casos em que na lei se presume ser o fato perigoso. No crime de perigo concreto, já se exige a demonstração de ter o fato causado realmente à situação de probabilidade de dano.
PERIGO DE CONTÁGIO VENÉREO
ART.130
O crime de perigo de contágio venéreo é assim conceituado: “Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libertinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa”.
Protege-se com dispositivo a saúde da pessoa humana. O mal da contaminação, não fica circunscrito a uma pessoa determinada, criando-se a possibilidade de um contagio extensivo.
O sujeito ativo poderá ser qualquer homem ou mulher pode praticar o crime previsto no artigo 130. Caso seja ele praticado pelo marido contra a mulher, ou vice-versa, há causa para separação judicial.
A vitima do delito á a pessoa com quem o agente, estando contaminado, pratica o ato libidinoso. É irrelevante que a vítima saiba ou possa supor que o parceiro está contaminado, ou mesmo que por este esteja alertada sobre o perigo.
Também a prostituta pode ser sujeito passivo do delito. Está protegida sua saúde, embora esteja ela disponível para qualquer pessoa no que se relaciona às relações sexuais.
A conduta típica resuma-se na pratica de relações sexuais ou de qualquer ato libidinoso, seja ele ou não sucedâneo da cópula carnal, com a vitima. Deve haver o contato corporal entre o agente e a vítima, um contato direto e imediato. Não responde, pois, por outro crime o agente quando a vítima contaminada, por exemplo, contagia terceiro em posterior relação sexual.
Com a comprovação da pratica de relações sexuais ou ato libidinoso qualquer do agente com a vítima presume-se o perigo.
Segundo a jurisprudência, é necessário o exame do acusado para a contaminação de que foi ele o causador da transmissão da moléstia à vítima que se positivou infectada.
O dolo é a vontade de praticar o ato libidinoso, expondo a vítima a perigo, sabendo o agente que está contaminado. Tem ele, então, a consciência de que está criando um risco de transmissão da moléstia.
Estará consumado o delito com a exposição da vítima ao perigo do contagio por meio do ato libidinoso, independentemente de contaminação. Tratando-se de crime plurissubsistente, é possível a tentativa desde que haja dolo, já que a forma culposa não admite o contatus.
É indiscutível a possibilidade de concurso formal com os crimes contra os costumes definido nos artigos 213 a 218. Quando se tratar, porém, do crime qualificado pela intenção de transmitir a moléstia, as penas serão somadas em decorrência da duplicidade de designos.
PERIGO DE CONTÁGIO DE MOLESTIA GRAVE
ART.131
O crime de perigo de contagio de moléstia grave: “Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa”.
Protege a lei, ainda uma vez, a incolumidade física e a saúde da pessoa humana.
Sujeito ativo do crime é qualquer pessoa contaminada por moléstia grave que pratica o ato com a intenção de transmiti-la a outrem. Vítima é a pessoa com quem o agente pratica o ato capaz de transmitir a moléstia.
Configura a conduta típica qualquer ato praticado pelo agente que possa transmitir à vítima a moléstia. A moléstia deve ser grave, como tuberculose, morféia, varíola, difteria etc.
Incluem-se as moléstias venéreas quando a exposição ao perigo de contagio não ocorre por meio libidinoso.
Exige-se o exame parcial para a comprovação de estar o agente contaminado e a prova de que o meio era capaz de provocar o contágio.
Consiste o dolo na vontade de praticar o ato. Exige-se o elemento subjetivo do tipo, ou seja, querer o agente o contágio. Não há esse crime quando o agente atua com dolo eventual em que, não querendo o contágio, assume o risco de provocá-lo. Não prevendo a lei a forma culposa, se ocorrer o contagio por culpa do agente, caracterizar-se-á o delito de lesão corporal culposa ou homicídio culposo quando advier a morte da vitima.
A consumação opera-se com a pratica do ato, independentemente de contágio que, se ocorrer, será o exaurimento do crime.
Provocando o contágio lesão grave, responderá o agente apenas pelo crime em estudo. Haverá crime impossível se o agente não está contaminado, supondo o contrário, ou se a pessoa que o agente quer contagiar já for portadora da doença, não sendo possível sequer sua agravação.
Nada impede a tentativa. Iniciada a execução do ato e sendo o agente impedido de levá-lo avante, ocorre o conatus.
Caso o agente deseje ou assuma o risco de causar epidemia, ocorre concurso formal com o crime de definido no artigo 267 ou o descrito no artigo 268.
PERIGO PARA A VIDA OU SAÚDE DE OUTREM
ART.132
Trata-se de um ripo genérico de perigo, válido para todas as formas de exposição da vida ou saúde de terceiros a risco de dano, necessitando da prova da existência do perigo para configurar-se. Não basta, pois, que a acusação descreva o fato praticado pelo agente, sendo indispensável, ainda, demonstrar ao juiz o perigo concreto sofrido pela vítima. Ex.: dar tiros num local habitado é o fato; provar que esses tiros quase atingiram uma pessoa é o perigo concreto.
Tutela a lei a vida e a saúde de qualquer pessoa, colocadas em risco pela conduta dolosa do agente.
Pode cometer o crime qualquer pessoa, não se exigindo qualquer relação jurídica entre os sujeitos do delito. Sujeito passivo é qualquer pessoa cuja vida ou saúde é posta em risco pela conduta do agente.
A conduta típica é criar por qualquer meio uma situação em que a vida ou saúde de outrem fique exposta ao perigo. Trata-se de crime de perigo concreto, exigindo-se a demonstração de ter a vida ou saúde da vitima sofrido um risco direto e iminente. Há casos, porém, em que o risco é inerente a uma atividade profissional, sendo esta permitida pelas normas de cultura.
Trata-se de crime doloso, em que, necessariamente, o agente quer o perigo ou assume o risco de produzi-lo. Se o agente, porém, quer o dano à vida ou saúde e este não ocorrer, haverá tentativa de homicídio ou de lesão corporal e não de crime de perigo.
Assumindo o agente o risco de causar perigo para vida ou saúde de outrem, responde pelo crime previsto no art. 132 com dolo eventual. Não há forma culposa desse crime de perigo. Se o agente provoca um perigo para outrem por simples culpa, poderá ocorrer, eventualmente, outro delito. Resultando dano da conduta culposa, ocorrerão lesões corporais ou homicídios culposos.
Consuma-se o delito com a prática do ato e a ocorrência do perigo concreto. Possível a tentativa por se tratar de crime plurissubsistente.
ABANDONO DE INCAPAZ
ART.133
Abandonar quer dizer deixar só, sem a devida assistência. O abandono, nesse caso, não é imaterial, mas físico. Portanto, não é o caso de se enquadrar o pai que deixa de dar alimentos ao filho menor, e sim àquele que larga a criança ao léu, sem condições de se proteger sozinha.
Protege-se, ainda uma vez, a vida e a saúde da pessoa, zelando-se, no caso especifico, pela segurança daqueles que mais dificuldades têm em se defender.
Sujeito ativo do crime é aquele que tem o dever de zelar pela vítima. Trata-se, assim, de delito próprio, exigindo-se uma relação de dependência entre o sujeito ativo e a vitima abandonada. Aquele assume a posição de garantidor em decorrência da lei (Código Civil, Estatuto Da Criança E Do Adolescente, Estatuto Do Idoso, Lei De Assistência Aos Alienados Etc.), de contrato ou convenção (enfermeiros, médicos, amas, babás, diretores de escolas etc.) e de qualquer fato licito ou ilícito (recolhimento de pessoa abandonada, condução do incapaz em viagem, caçada etc.).
O sujeito passivo que se refere à lei é o incapaz, mas não trata exclusivamente da incapacidade de Direito Civil. São sujeitos passivos do delito aqueles que, por qualquer motivo não tem condições de cuidar de si próprio.
A conduta típica é abandonar, que significa deixar sem assistência, desamparar, largar. Indispensável para a caracterização do crime é que a vitima fique em situação de perigo concreto, não se podendo presumir a ocorrência de risco. É necessária uma separação no espaço, uma separação física entre os sujeitos do crime. Não há crime se, abandonado o sujeito passivo, fica o responsável, à distância ou disfarçadamente, na expectativa de que alguém o encontre e recolha.
Protege-se no dispositivo apenas o direito aos cuidados materiais e não aos morais. O abandono material ou moral poderá caracterizar, porém, outro delito.
O abandono de incapaz é um crime exclusivamente doloso. O dolo é a vontade de abandonar a vítima. Caso o sujeito deseja a morte da vitima, responderá por fato mais grave, como tentativa de homicídio ou infanticídio.
Como crime de perigo concreto, o abandono de incapaz está consumado como risco corrido pelo ofendido. Trata-se de crime instantâneo de efeitos permanentes e, se após o abandono e conseqüente exposição ao perigo, o agente “reassume o dever de assistência, não fica excluída a infração penal de perigo, uma vez já atingida à fase de consumação”.
Qualifica-se o delito pelos resultados de lesão corporal de natureza grave ou morte em que as penas são elevadas (reclusão de um a cinco anos ou de quatro a doze anos, respectivamente). Havendo dolo de dano, estarão configurados os delitos de lesão corporal grave ou homicídio.
EXPOSIÇÃO OU ABANDONO DE RECÉM-NASCIDO
ART.134
Em intima afinidade com o delito de abandono de incapaz, do qual é uma espécie privilegiada autônoma, o crime de exposição ou abandono de recém-nascido é definido no art. 134: “Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria: Pena – detenção, de seis meses a dois anos.”
Tem em vista a lei tutelar a segurança do recém-nascido.
Trata-se também de crime próprio, como o anterior, podendo ser praticado não só pela mãe na gravidez extra matrimonium, como pelo pai, em caso de filho adulterino ou incestuoso.
Quem abandona recém-nascido para esconder a desonra de outrem, sem a participação deste, cometerá o crime previsto no art. 133.
Sujeito passivo do delito é o recém-nascido. As condutas inscritas na lei são as de expor ou abandonar, a primeira advinda da antiga formula francesa, e que abandono é expressão mais ampla, que corresponde também à exposição, e, se assim não fosse, a oração do art.133 seria deficiente.
Trata-se, também, de crime de perigo concreto, exigindo-se para configuração do crime que a vitima fique exposta a risco de vida ou de saúde por tempo juridicamente relevante.
A vontade de abandonar o recém-nascido, ciente o sujeito de que está ocasionando o perigo, constitui o dolo do crime. Exige-se, porém, o elemento subjetivo do injusto que é o fim de ocultar a própria desonra.
Exige-se que o nascimento seja sigiloso, mas a circunstancia de ser ele conhecido por algumas pessoas não afasta o propósito de ocultar a desonra.
O delito de abandonar de recém-nascido consuma-se desde que, deixada a vítima a si mesma, fique exposta a perigo de vida ou de saúde, cuidando-se, pois, de crime instantâneo.
Possível é a tentativa quando se tratar da forma comissiva, como no caso de ser a mãe surpreendida no momento em que está deixando o filho recém-nascido ao desamparo.
Qualifica-se o crime pelo resultado de lesão corporal de natureza grave ou morte, cominando-se, respectivamente, pena de detenção, de um a três anos e de dois a seis anos.
OMISSÃO DE SOCORRO
ART.135
O dever moral de solidariedade humana de amparar aqueles que necessitam de socorro é convertido em dever legal geral pela regra do at.135, que define o crime de omissão de socorro: “Deixar de prestar assistência, quando possível fezê-lo sem risco pessoal, a criança abandonada ou extraviada, ou a pessoa invalida ou ferida, ao desamparo ou grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública: Pena – detenção, de um seis meses, ou, multa.”
Protege-se com o dispositivo a vida e a saúde da pessoa por meio da tutela da segurança individual.
Qualquer pessoa pode praticar o delito, não havendo obrigatoriedade de qualquer vinculação anterior entre os sujeitos do delito. Existindo essa relação, que impõe um dever jurídico de proteção, poderá ocorrer crime mais grave.
O delito do art.135 exige, como um dos elementos formados da omissão de socorro, que o autor da situação de perigo não seja o próprio causador das lesões. Ocorrendo a morte e comprovado que o omitente poderia evitá-la, caracteriza-se o homicídio doloso porque criou ele som seu comportamento anterior risco da ocorrência desse resultado.
Como sujeito passivo do crime a criança abandonada ou extraviada, a pessoa inválida, pessoa ferida.
Estuda-se um crime omissivo puro. A primeira conduta omissiva prevista no dispositivo é a de não prestar assistência a vitima. Assistência, nos termos expostos é toda forma de auxilio ou socorro adequado. O socorro a que está obrigado o sujeito é somente aquele que, por sua capacidade e as circunstancias vigentes, lhe for possível prestar.
A segunda conduta omissiva é a de não pedir o socorro da autoridade pública. Não se trata de equivalente ou alternativa à primeira figura. O comportamento do agente é ditado pelas circunstancias. Há casos em que o pedido de socorro à autoridade é absolutamente inócuo e, em tal hipótese, se ele podia prestar assistência, cometerá o crime, não obstante o apelo de socorro.
Quando duas ou mais pessoas omitem o socorro, todas respondem pelo crime, mas se uma delas o presta, as outras se desobrigam, não respondendo pela omissão.
O dolo é a vontade de não prestar assistência, podendo fazê-lo sem risco pessoal, ou, na impossibilidade desta, de não pedir auxilio. É necessário, porém, que o sujeito tenha consciência do perigo.
Consuma-se o crime quando o sujeito deixou de agir, ou seja, no instante em que, presentes os seus pressupostos, o sujeito omite a prestação de socorro.
O delito é instantâneo e não se elide pelo retorno do autor ao local onde, de começo, ficara a vítima ao desamparo. Tratando-se de crime omissivo puro, não há que se falar em tentativa, ou o sujeito pratica o ato necessário no momento adequado, e por nada responde, ou deixa de fazer, e está consumado o delito.
A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta morte. As formas qualificadas do crime de omissão de socorro independem da quantidade de lesões graves ou mortes.
MAUS-TRATOS
ART.136
“Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina: Pena — detenção, de 2 (dois) meses a um ano, ou multa”
A incolumidade da pessoa é ainda o objeto jurídico do crime, reprimindo-se com o dispositivo os abusos correcionais e disciplinares que a expõem a perigo.
O crime de maus-tratos é um delito próprio, exigindo como pressupostos a existência de uma relação jurídica preexistente entre os sujeitos ativo e passivo. Só quem tem essa legitimação especial, de autoridade ou de titular de guarda ou vigilância, pode cometer o crime.
Sujeito passivo do crime é quem se acha sob a autoridade, guarda ou vigilância do agente. Na falta de relação de dependência, o ato, embora possa ter um fim educativo ou corretivo, escapa ao conceito de maus-tratos, podendo constituir outro crime. Assim, a mulher, por não estar sob a autoridade do marido, sendo este companheiro e auxiliar, não pode ser sujeito passivo do crime com relação aquele.
A conduta típica é expor a perigo a vida ou saúde da vítima pelo abuso voluntario do agente, que deve exercer sua autoridade ou poder de correção e disciplina com prudência e moderação.
Comete o crime também quem priva o ofendido de outros cuidados indispensáveis ao dependente. Refere-se o dispositivo, nesse passo, à privação de cama, de roupa, de higiene, de assistência medica, de medicamentos etc.
O crime de maus-tratos é exclusivamente doloso, exigindo a vontade de praticar qualquer uma das condutas referidas no tipo. Consuma-se o crime com a criação do perigo, basta apenas uma ação ou omissão.
A tentativa é possível quando se tratar de conduta comissiva, como ocorre na interrupção do ato do agente que está pronto a espancar a vítima com instrumento vulnerante após tê-la amarrado a uma árvore.
Pode ocorrer a exclusão da criminalidade pela existência de estado de necessidade, o que levou à absolvição da mãe que não tendo quem cuidasse do filho traquinas e adoidado, enquanto trabalhava fora do lar para sustentá-lo, acorrentava-o ao pé da cama para que não saísse de casa.
O crime de maus-tratos qualificado quando resulta lesão corporal de natureza grave,quando a pena será de reclusão, de um a quatro anos, ou morte, com pena de reclusão, de quatro a doze anos.
Embora já tenha decidido pelo concurso formal de maus-tratos e lesão corporal, na verdade, as lesões, quando leves, são absolvidas por aqueles.
BIBLIOGRAFIA
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial. Volume III. Niterói, RJ: Impetus, 2005.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte Especial - Arts. 121 a 234 do CP, São Paulo: Atlas, 2004.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral parte especial, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.



[1] Acadêmica do 4° período (vespertino) do curso de Direito da UNESC – Faculdades Integradas de Rondônia.

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