quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO:

Professor Fernando Gajardoni


1.      Evolução histórico-metodológica:



Somente entendendo as fases metodológicas do processo civil que se saberá o porquê da necessidade do processo coletivo. A doutrina aponta três fases, senão vejamos:

a)      Fase sincretista ou civilista: surgiu quando do Direito Romano perdurando até 1868. Essa fase nada dizia considerando que havia uma absoluta confusão metodológica entre direito material e direito processual. Não se entendia que havia uma relação de direito material distanciada da relação de direito processual. Essa fase foi tão influente que até os dias se usa a expressão ele “não tinha ação contra fulano de tal”, e o correto é se falar que não havia direito.



b)     Fase autonomista: essa fase autonomista durou de 1868 até cerca de 1950. Afirma-se que o marco histórico da mudança do sincretismo para o autonomismo se deu com a obra de Büllow (Alemão). Tal autor escreveu a obra As Exceções Processuais, e ao escrevê-la afirmou que, todas as vezes que se tenha relação jurídica com alguém – relação jurídica material – em que há direitos e deveres, tem-se também, ao lado dessa relação jurídica material, e de modo autônomo a ela, uma relação processual travada com o Estado.

Aqui surge a autonomia do Direito Processual, que não era considerado ciência autônoma até então.

Essa fase teve grande importância, mas também faltou postura crítica. Ao se entrar no autonomismo, restou esquecido o direito material que é o principal objeto do processo. Assim, podemos falar que essa fase “se perdeu”.



c)      Fase Instrumentalista: é uma fase em que se pode dizer que a principal obrigação é o acesso à justiça. Essa fase inicia-se em 1850 perdurando até os dias atuais. Prega tal fase que, sem perder a autonomia, o processo não deve ser um fim em si mesmo, mas sim um instrumento de acesso à justiça, preocupando-se com o Direito Material. É o momento em que se busca a efetivação do direito material por meio do processo.

O instrumentalismo surgiu nessa era pela obra de dois autores: Mauro Cappeletti e Brian Garth que escreveram uma obra denominada Acesso à Justiça no ano de 1950. Esse livro fala que para que um sistema processual seja capaz de resgatar essa ligação entre direito material e processo, tornando-se um sistema instrumentalista, deveriam ser observadas Três Ondas Renovatórias do Estudo do Processo Civil, senão vejamos:



1.      Justiça aos Pobres: para que o sistema se tornasse instrumentalista seria necessário o acesso dos pobres à justiça, tutelando-se os hipossuficientes. (Lei 1.060/50 – Assistência judiciária).



2.      Coletivização do processo: Brian Garth e Cappeletti perceberam a necessidade da tutela de três situações até então não protegidas pelo sistema, e, não sendo dada proteção para essas situações, o processo não seria tão efetivo. São as seguintes situações:

*      Bens ou direitos de titularidade indeterminada: existem certos bens que, por não haver titulares específicos a proteção resta dificultada. Ex. meio ambiente. Se alguém tem a titularidade, normalmente um deixa para o outro, e daí que surgiram legitimados genéricos para a tutela de tais direitos.

*      Bens ou direitos individuais cuja tutela individual não fosse economicamente aconselhável: percebeu-se que existem certos bens ou direitos que individualmente são lesados, mas são bens ou direitos tão insignificantes isoladamente considerados que, a tutela individual não é economicamente viável. Ex. se no litro de leite tem apenas 900ml apesar do anúncio de 1L.

*      Bens ou direitos cuja tutela coletiva seja recomendável do ponto de vista do sistema: aqui a preocupação dá-se com o Judiciário. O sistema poderia resolver tudo em uma única ação, potencializando a solução do conflito. Ex. expurgos inflacionários.

O prof. Kazuo Wanatabbe afirma que esse terceiro fenômeno pode ser denominado Molecularização dos Conflitos. O discurso de tal professor é de que fomos criados para que houvesse atomização dos conflitos (demandas isoladas), e o melhor é se pensar na molecularização dos conflitos com a sua junção.

Atente-se que também existiu uma segunda situação para a necessidade da coletivização do processo. Até então, o direito processual civil clássico era incapaz de tutelar essas três situações. Isso porque, o processo civil clássico se preocupa com demandas individuais (Caio versus Tício) e não com discussões entre coletividades. Isso porque o critério de legitimidade no processo individual é de legitimidade ordinária e porque as regras de coisa julgada individual são incompatíveis com o processo coletivo (art. 472 do CPC – afirma que a sentença não pode beneficiar nem prejudicar terceiros). Já no processo coletivo deve-se pensar em uma decisão que irá beneficiar a todos.



3.      Efetividade das normas processuais: busca-se com a efetivação das normas processuais fazer com que o processo seja realmente um instrumento para efetivação de direitos. Essa fase ainda está em pleno andamento na maioria dos países do mundo, pelo que vários autores falam das várias mudanças do CPC, e sobre o novo CPC. 


1.      Evolução do Processo Coletivo no Brasil:



O primeiro processo coletivo que surgiu no Brasil foi a ação popular, existindo desde as Ordenações do Reino (Ordenações Manuelinas), apesar de nessa época ser uma previsão extremamente precária.

A previsão era tão precária a ponto de ser ignorada por vários autores.

Em 1981 foi editada a Lei 6.931 que continha normas sobre a Política Nacional do Meio-ambiente com previsão de que o MP pudesse ajuizar uma Ação Civil Pública para tutela do meio ambiente.

Com a lei 7.347/85 (LACP) e a CF/88 houve o que se pode chamar de Consolidação do processo coletivo no Brasil.

Em 1990 surgiu um diploma bastante importante que é o CDC – Código de Defesa do Consumidor. Nessa era, pode-se dizer que ocorreu a Potencialização do Processo Coletivo no Brasil.

O quadro atual ainda é esse, apesar da existência de outras normas. Tem-se pois, o nascimento, a consolidação e a potencialização da tutela dos direitos coletivos.



*Futuro:



            No ano de 2000 houve tentativa perpetrada pela USP (Ada Pelegrini Grinover) e UERJ (Aloísio Mendes) para a elaboração de um Código Brasileiro de Processo Coletivo. A ideia de ambas as universidades é de que a tutela coletiva tivesse uma lei própria.

            Com a reunião de vários juristas, no ano de 2009, foi abandonada a ideia desse Código de Processo Coletivo, buscando-se a aprovação de uma nova Lei de Ação Civil Pública (PL 5139).



2.      Natureza dos Interesses metaindividuais:



A expressão metaindividuais é sinônima de coletivos. Aqui devem ser feitas duas considerações sobre esse tema:

*      Os direitos metaindividuais ainda não se encaixam na clássica classificação Direito Público e Direito Privado. Daí que existe uma proposta acadêmica de que essa divisão entre público e privado não mais serve para o Brasil. De acordo com os Professores Gregório Assagra, Nelson Nery, a Summa divisio do direito não deve ser mais entre público e privado, mas entre individual (público e privado) e coletivos ou metaindividuais.

*      Deve-se atentar que, o processo coletivo deve ser visto como um processo de interesse público. É importante entender isso uma vez que ao se pensar na expressão interesse público temos sua divisão entre interesse público primário e interesse público secundário. Interesse público primário é o interesse da coletividade (bem geral). Já o interesse público secundário é o interesse do Estado (aquilo que o Estado acha que é o bem geral). Em condições normais, esses interesses deveriam se coincidir,  ou seja o interesse público Estatal deveria ser, sempre aquele correspondente ao interesse buscado pela coletividade, mas na prática isso não ocorre sempre.



3.      Classificação do processo coletivo:



Existem duas classificações uniformes, apesar das várias classificações existentes na doutrina, e são essas as estudadas:



3.1.            Quanto aos sujeitos:



a)      Ativo: é aquele em que a coletividade é autora. Isso é o que ocorre na maioria dos casos, atentando-se que a coletividade deve ser representada por um legitimado.



b)     Passivo: (?) seria o processo coletivo em que a coletividade é ré. Na doutrina, existem duas posições diametralmente opostas acerca da possibilidade da ação coletiva passiva:

1ª Corrente: é adotada por Gajardoni, sendo a majoritária. É admitida a existência do processo coletivo passivo. E isso considerando que, de fato, a prática tem demonstrado que há situações que a coletividade deve ser acionada e a única maneira de se acionar a coletividade é por meio da ação coletiva passiva. Ex. Greve de Metrô em SP à é necessária, segundo a lei da greve, a manutenção de padrão mínimo dos serviços e nessa hipótese, deve ser ajuizada ação em face dos metroviários que são uma coletividade, caso não sejam mantidos os serviços mínimos. Outro exemplo é no caso de greve de Policiais Federais.



2ª Corrente: é uma posição adotada, entre outros por Dinamarco, afirmando que, inexiste previsão legal, pelo que não será possível a existência de ação coletiva passiva. Afirmam ainda que não há um legitimado passivo fixado para representação da coletividade. Tal argumento é rebatido pela primeira corrente afirmando que, deve haver representação por meio de associações e sindicatos, pesar de não negar a inexistência de previsão legal.



3.2.            Quanto ao objeto:



a)      Processo coletivo especial: são as ações de controle abstrato de constitucionalidade, ou seja, ADI, ADC e ADPF. Não se pode negar que essas são as maiores ações coletivas diante dos efeitos erga omnes por elas produzidos.



b)     Processo coletivo comum: o processo coletivo comum baseia-se nas ações para tutela dos interesses metaindividuais que não se relacionam ao controle abstrato de constitucionalidade. Podemos citar: 



*      Ação civil pública – Lei 7.347/85;
Obs.: Alguns autores dizem que existe a chamada Ação Coletiva (Hugro Nigro Mazzili), ao lado da ação civil pública. E essa ação coletiva seria o nome a ser dado para a ação prevista no CDC, geralmente para tutela dos interesses individuais homogêneos. Mas essa é uma questão apenas de nomenclatura. Seria uma ação civil pública cuja previsão se encontra no CDC. Atente-se que, o professor e o projeto de Lei da Ação civil pública não fazem essa distinção de nomenclatura. Segundo o professor, Ação Coletiva é gênero.
*      Ação popular – Lei 4.717/65;
*      Ação de Improbidade Administrativa – Lei 8.429/92. Atente-se que a ação de improbidade administrativa não é ação civil pública, embora haja divergência doutrinária (o STJ faz essa referência). Isso porque a legitimidade, o objeto, a coisa julgada são distintos entre a ação civil pública e na ação de improbidade. A ação de improbidade há possibilidade de sanções não possíveis na ação civil pública.
*      Mandado de Segurança Coletivo – Lei 12.016/2009
*      Mandado de Injunção Coletivo – quanto a este, ainda há divergência acerca de seu cabimento.





Bibliografia:

*      Cássio Scarpinella Bueno, Curso Sistematizado de Processo Civil – Ed. Saraiva – Vol. Sobre Processo Coletivo
*      Fredie Didier Jr, Curso de Direito Processual Civil – Ed. Juspodium – Vol. Sobre Processo Coletivo
*      Hugo Nigro Mazzilli, A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo

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