Professor Fernando Gajardoni
1.
Evolução histórico-metodológica:
Somente
entendendo as fases metodológicas do processo civil que se saberá o porquê da
necessidade do processo coletivo. A doutrina aponta três fases, senão vejamos:
a)
Fase sincretista ou civilista: surgiu quando do Direito Romano
perdurando até 1868. Essa fase nada dizia considerando que havia uma absoluta
confusão metodológica entre direito material e direito processual. Não se
entendia que havia uma relação de direito material distanciada da relação de
direito processual. Essa fase foi tão influente que até os dias se usa a
expressão ele “não tinha ação contra
fulano de tal”, e o correto é se falar que não havia direito.
b) Fase autonomista: essa fase autonomista durou de 1868 até cerca de 1950. Afirma-se que o
marco histórico da mudança do sincretismo para o autonomismo se deu com a obra
de Büllow (Alemão). Tal autor
escreveu a obra As Exceções Processuais, e
ao escrevê-la afirmou que, todas as vezes que se tenha relação jurídica com
alguém – relação jurídica material – em que há direitos e deveres, tem-se
também, ao lado dessa relação jurídica material, e de modo autônomo a ela, uma
relação processual travada com o Estado.
Aqui surge a autonomia do Direito Processual, que não era
considerado ciência autônoma até então.
Essa fase teve grande importância,
mas também faltou postura crítica. Ao se entrar no autonomismo, restou
esquecido o direito material que é o principal objeto do processo. Assim, podemos
falar que essa fase “se perdeu”.
c) Fase Instrumentalista: é uma fase em que se pode dizer que a principal obrigação é o acesso à justiça.
Essa fase inicia-se em 1850 perdurando até os dias atuais. Prega tal
fase que, sem perder a autonomia, o processo não deve ser um fim em si
mesmo, mas sim um instrumento de acesso à
justiça, preocupando-se
com o Direito Material. É o momento
em que se busca a efetivação do direito material por meio do processo.
O instrumentalismo surgiu nessa era
pela obra de dois autores: Mauro
Cappeletti e Brian Garth que escreveram uma obra denominada Acesso à Justiça no ano de 1950. Esse
livro fala que para que um sistema processual seja capaz de resgatar essa
ligação entre direito material e processo, tornando-se um sistema
instrumentalista, deveriam ser observadas Três
Ondas Renovatórias do Estudo do Processo Civil, senão vejamos:
1. Justiça aos Pobres: para que o sistema se tornasse
instrumentalista seria necessário o acesso dos pobres à justiça, tutelando-se
os hipossuficientes. (Lei 1.060/50 – Assistência judiciária).
2. Coletivização do processo: Brian Garth e Cappeletti perceberam
a necessidade da tutela de três situações até então não protegidas pelo
sistema, e, não sendo dada proteção para essas situações, o processo não seria
tão efetivo. São as seguintes situações:
Bens
ou direitos de titularidade indeterminada: existem certos bens que, por não
haver titulares específicos a proteção resta dificultada. Ex. meio ambiente. Se
alguém tem a titularidade, normalmente um deixa para o outro, e daí que
surgiram legitimados genéricos para a tutela de tais direitos.
Bens
ou direitos individuais cuja tutela individual não fosse economicamente aconselhável:
percebeu-se que existem certos bens ou direitos que individualmente são
lesados, mas são bens ou direitos tão insignificantes isoladamente considerados
que, a tutela individual não é economicamente viável. Ex. se no litro de leite
tem apenas 900ml apesar do anúncio de 1L.
Bens
ou direitos cuja tutela coletiva seja recomendável do ponto de vista do sistema:
aqui a preocupação dá-se com o Judiciário. O sistema poderia resolver tudo em uma única ação,
potencializando a solução do conflito. Ex. expurgos inflacionários.
O prof. Kazuo Wanatabbe afirma que esse terceiro fenômeno
pode ser denominado Molecularização dos Conflitos.
O discurso de tal professor é de que fomos criados para que houvesse atomização
dos conflitos (demandas isoladas), e o melhor é se pensar na molecularização
dos conflitos com a sua junção.
Atente-se que também existiu uma segunda situação para a
necessidade da coletivização do processo. Até então, o direito processual civil
clássico era incapaz de tutelar essas três situações. Isso porque, o processo
civil clássico se preocupa com demandas individuais (Caio versus Tício) e não com discussões entre coletividades. Isso porque
o critério de legitimidade no processo individual é de legitimidade ordinária e
porque as regras de coisa julgada individual são incompatíveis com o processo
coletivo (art. 472 do CPC – afirma que a sentença não pode beneficiar nem
prejudicar terceiros). Já no processo coletivo deve-se pensar em uma decisão
que irá beneficiar a todos.
3. Efetividade das normas processuais: busca-se com a efetivação das normas
processuais fazer com que o processo
seja realmente um instrumento para efetivação de direitos. Essa fase
ainda está em pleno andamento na maioria dos países do mundo, pelo que vários
autores falam das várias mudanças do CPC, e sobre o novo CPC.
1.
Evolução do Processo Coletivo no
Brasil:
O
primeiro processo coletivo que surgiu no Brasil foi a
ação popular, existindo desde as Ordenações
do Reino (Ordenações Manuelinas), apesar de nessa época ser uma previsão
extremamente precária.
A
previsão era tão precária a ponto de ser ignorada por vários autores.
Em
1981 foi editada a Lei 6.931 que continha normas sobre a Política Nacional do
Meio-ambiente com previsão de que o MP pudesse ajuizar uma Ação Civil Pública para tutela do meio ambiente.
Com
a lei 7.347/85 (LACP) e a CF/88 houve o que se pode chamar de Consolidação do processo
coletivo no Brasil.
Em
1990 surgiu um diploma bastante importante que é o CDC – Código de Defesa do
Consumidor. Nessa era, pode-se dizer que ocorreu a Potencialização do Processo Coletivo no Brasil.
O
quadro atual ainda é esse, apesar da existência de outras normas. Tem-se pois,
o nascimento, a consolidação e a potencialização da tutela dos direitos
coletivos.
*Futuro:
No ano de 2000 houve tentativa
perpetrada pela USP (Ada Pelegrini Grinover) e UERJ (Aloísio Mendes) para a
elaboração de um Código Brasileiro de Processo Coletivo. A ideia de ambas as
universidades é de que a tutela coletiva tivesse uma lei própria.
Com a reunião de vários juristas, no
ano de 2009, foi abandonada a ideia desse Código de Processo Coletivo,
buscando-se a aprovação de uma nova Lei de Ação Civil Pública (PL 5139).
2.
Natureza dos Interesses
metaindividuais:
A
expressão metaindividuais é sinônima de coletivos.
Aqui devem ser feitas duas considerações sobre esse tema:
Os
direitos metaindividuais ainda não se
encaixam na clássica classificação Direito Público e Direito Privado. Daí
que existe uma proposta acadêmica de que essa divisão entre público e privado
não mais serve para o Brasil. De acordo com os Professores Gregório Assagra,
Nelson Nery, a Summa divisio do direito não deve ser mais
entre público e privado, mas
entre individual (público e privado) e coletivos ou metaindividuais.
Deve-se
atentar que, o processo coletivo deve ser visto como um processo de interesse público. É importante entender isso uma vez
que ao se pensar na expressão interesse
público temos sua divisão entre interesse público primário e interesse
público secundário. Interesse
público primário é o interesse da coletividade (bem geral). Já o interesse público
secundário é o interesse do Estado (aquilo que o Estado acha que é o bem
geral). Em condições normais, esses interesses deveriam se coincidir, ou seja o interesse público Estatal deveria
ser, sempre aquele correspondente ao interesse buscado pela coletividade, mas
na prática isso não ocorre sempre.
3.
Classificação do processo coletivo:
Existem
duas classificações uniformes, apesar das várias classificações existentes na
doutrina, e são essas as estudadas:
3.1.
Quanto aos sujeitos:
a)
Ativo: é aquele em que a coletividade é
autora. Isso é o que ocorre na maioria dos casos, atentando-se que a
coletividade deve ser representada por um legitimado.
b) Passivo: (?) seria
o processo coletivo em que a coletividade é ré. Na doutrina, existem duas
posições diametralmente opostas acerca da possibilidade da ação coletiva
passiva:
1ª Corrente: é adotada por Gajardoni, sendo a majoritária. É admitida a existência do
processo coletivo passivo. E isso considerando que, de fato, a prática
tem demonstrado que há situações que a coletividade deve ser acionada e a única
maneira de se acionar a coletividade é por meio da ação coletiva passiva. Ex.
Greve de Metrô em SP à é necessária, segundo a lei da greve, a manutenção de padrão
mínimo dos serviços e nessa hipótese, deve ser ajuizada ação em face dos
metroviários que são uma coletividade, caso não sejam mantidos os serviços mínimos.
Outro exemplo é no caso de greve de Policiais Federais.
2ª Corrente: é uma posição adotada, entre outros
por Dinamarco, afirmando que, inexiste previsão legal, pelo que não será
possível a existência de ação coletiva passiva. Afirmam ainda que não há um
legitimado passivo fixado para representação da coletividade. Tal argumento é
rebatido pela primeira corrente afirmando que, deve haver representação por
meio de associações e sindicatos, pesar de não negar a inexistência de previsão
legal.
3.2.
Quanto ao objeto:
a)
Processo coletivo especial: são as ações de controle abstrato de
constitucionalidade, ou seja, ADI, ADC e ADPF. Não se pode negar que essas são
as maiores ações coletivas diante dos efeitos erga omnes por elas produzidos.
b)
Processo coletivo comum: o processo coletivo comum baseia-se
nas ações para tutela dos interesses metaindividuais que não se relacionam ao
controle abstrato de constitucionalidade. Podemos citar:
Ação
civil pública – Lei 7.347/85;
Obs.: Alguns autores dizem que existe a chamada Ação Coletiva
(Hugro Nigro Mazzili), ao lado da ação civil pública. E essa ação coletiva
seria o nome a ser dado para a ação prevista no CDC,
geralmente para tutela dos interesses individuais homogêneos. Mas essa é
uma questão apenas de nomenclatura. Seria uma ação civil pública cuja previsão
se encontra no CDC. Atente-se
que, o professor e o projeto de Lei da Ação civil pública não fazem essa
distinção de nomenclatura. Segundo o professor, Ação Coletiva é gênero.
Ação
popular – Lei 4.717/65;
Ação
de Improbidade Administrativa – Lei 8.429/92. Atente-se que a ação de
improbidade administrativa não é ação
civil pública, embora haja divergência doutrinária (o STJ faz essa
referência). Isso porque a legitimidade, o objeto, a coisa julgada são
distintos entre a ação civil pública e na ação de improbidade. A ação de
improbidade há possibilidade de sanções não possíveis na ação civil pública.
Mandado
de Segurança Coletivo – Lei 12.016/2009
Mandado
de Injunção Coletivo – quanto a este, ainda há divergência acerca de seu
cabimento.
Bibliografia:
Cássio Scarpinella Bueno, Curso Sistematizado de Processo Civil – Ed.
Saraiva – Vol. Sobre Processo Coletivo
Fredie Didier Jr, Curso de Direito Processual Civil – Ed.
Juspodium – Vol. Sobre Processo Coletivo
Hugo Nigro Mazzilli, A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo
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