quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

A POLÊMICA DO ART. 15 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015: Aplicação Supletiva e Subsidiária ao Processo Do Trabalho



Conforme anteriormente consignado, os estudiosos da ciência processual laboral possuem um grande desafio hodierno, qual seja, compatibilizar os famigerados arts. 769 e 889 da Consolidação das Leis do Trabalho com o art. 15 do Código de Processo Civil de 2015.
Segundo o Professor Carlos Henrique Bezerra Leite[1]:
Os princípios do Novo CPC exercerão grande influência no Processo do Trabalho, seja pela nova dimensão e papel que exercem como fontes normativas primárias do ordenamento jurídico, seja pela necessidade de reconhecer o envelhecimento e a inadequação de diversos preceitos normativos de direito processual contidos na CLT, o que exigirá do juslaboralista formação continuada e uma nova postura hermenêutica, de modo a admitir que o Processo do Trabalho nada mais é do que o próprio direito constitucional aplicado à realidade social, política, cultural e econômica.

Com efeito, o art. 15 do Novo CPC prevê que:
‘Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente’.
Lexicamente, o adjetivo ‘supletivo’ significa ‘que completa ou serve de complemento’, ‘encher de novo, suprir’, enquanto o adjetivo ‘subsidiário’ quer dizer ‘que auxilia’, ‘que ajuda’, ‘que socorre’, ‘que contribui’.

Poderíamos inferir, então, que o Novo CPC não apenas subsidiará a legislação processual trabalhista como também a complementará, o que abre espaço, a nosso ver, para o reconhecimento das lacunas ontológicas e axiológicas do processo trabalhista, máxime se levarmos em conta a necessidade de adequação do Texto Consolidado, concebido em um Estado Social, porém ditatorial, ao passo que o novel CPC foi editado no paradigma do Estado Democrático de Direito.
O art. 15 do Novo CPC, evidentemente, deve ser interpretado sistematicamente com o art. 769 da CLT, que dispõe: ‘Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título’, mas ambos os dispositivos – art. 769 da CLT e art. 15 do Novo CPC – devem estar em harmonia com os princípios e valores que fundamentam o Estado Democrático de Direito. (...)
De uma perfunctória análise do Novo CPC, podemos inferir que, por força da interpretação sistemática dos arts. 769 da CLT e 15 do Novo CPC, algumas normas do Processo Civil poderão ser aplicadas supletiva e subsidiariamente, desde que:
 a) haja lacuna (normativa, ontológica e axiológica) da legislação processual trabalhista;
b) a norma a ser migrada seja compatível com a principiológicas que informa o processo laboral.
Presentes, portanto, esses dois requisitos (lacuna e compatibilidade principiológicas), poderemos destacar, pontualmente, que no Processo do Trabalho as normas do Novo CPC serão:
a) aplicadas supletiva e subsidiariamente sem restrição;
b) de aplicação supletiva e subsidiariamente duvidosa;
c) absolutamente inaplicáveis.
Entendemos por aplicação duvidosa a norma do Novo CPC que, diante da lacuna (normativa, ontológica ou axiológica) do texto consolidado, apresenta dificuldade de compatibilização com os princípios do processo laboral.
Também serão de aplicabilidade duvidosa no Processo do Trabalho as normas do Novo CPC em relação às ações oriundas da relação de trabalho diversas da relação de emprego. É dizer, as ações que passaram a ser processadas e julgadas pela Justiça do Trabalho (CF, art. 114, com redação dada pela EC n. 45/2004).
No afã de prevenir eventuais conflitos de interpretações dos magistrados trabalhistas acerca da aplicação do Novo CPC e, consequentemente, reduzir o número de recursos de revista, o TST editou a Instrução Normativa n. 39/2016, dispondo sobre dispositivos do Novo CPC aplicáveis e inaplicáveis no processo do trabalho.
É importante ressaltar, porém, que a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) ajuizou no STF Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5.516), de relatoria da ministra Carmen Lúcia, que tem por objeto impugnar a Instrução Normativa n. 39/2016 do TST. A entidade sustenta vício formal e material de inconstitucionalidade na norma, que trata da aplicação de dispositivos do Novo CPC ao processo do trabalho.
Concordamos plenamente com o conteúdo da referida ADI, pois, com todas as vênias, a inconstitucionalidade da IN TST n. 39 é flagrante, porque:
a) viola o princípio da independência dos órgãos judiciais e separação dos poderes (CF, art. 2º);
b) usurpa a competência privativa da União para legislar sobre direito processual (CF, art. 22, I);
c) viola a regra de competência do juiz natural (CF, art. 5º, LIII);
d) viola o princípio da reserva legal, pois somente lei pode estabelecer a competência do TST (CF,art. 111-A).
A citada Instrução Normativa é também ilegal porque, no sistema dos precedentes adotado pelo Novo CPC, é preciso existir divergência interpretativa de normas em casos concretos para que o TST possa, se provocado, uniformizar a jurisprudência.
Não defendemos a aplicação desmedida e automática das normas (princípios e regras) do Novo CPC nos sítios do Processo do Trabalho, especialmente nas ações oriundas da relação de emprego, e sim a promoção de um diálogo franco e virtuoso entre estes dois importantes setores do edifício jurídico. Diálogo que passe, necessariamente, pela função precípua de ambos (Processo Civil e Processo Trabalhista): realizar os direitos fundamentais e a justiça social em nosso País, de forma adequada, tempestiva e efetiva”.
Sobre a temática, insta consignar os ensinamentos do jurista Mauro Schiavi[2]:
“Trata-se de inovação do novo Código, pois o atual não disciplina tal hipótese. Doravante, o CPC será aplicado ao processo do trabalho, nas lacunas deste, nas seguintes modalidades:
a) supletivamente: significa aplicar o CPC quando, apesar da lei processual trabalhista disciplinar o instituto processual, não for completa. Nesta situação, o Código de Processo Civil será aplicado de forma complementar, aperfeiçoando e propiciando maior efetividade e justiça ao processo do trabalho. Como exemplos: hipóteses de impedimento e suspeição do Juiz que são mais completas no CPC, mesmo estando disciplinadas na CLT (art. 802 da CLT); ônus da prova previsto no CPC, pois o art. 818 da CLT é muito enxuto e não resolve questões cruciais como as hipóteses de ausência de prova e prova dividida; o depoimento pessoal previsto no CPC, pois a CLT disciplina apenas o interrogatório (art. 848 da CLT), sendo os institutos afins e propiciam implementação do contraditório substancial no processo trabalhista etc.;
b) subsidiariamente: significa aplicar o CPC quando a CLT e as leis processuais trabalhistas extravagantes não disciplinarem determinado instituto processual. Exemplos: tutelas de urgência, ação rescisória, ordem preferencial de penhora, hipóteses legais de impenhorabilidade etc.
Pode-se se argumentar que houve revogação dos arts. 769 e 889 da CLT, uma vez que o Código de Processo Civil, cronologicamente, é mais recente que a CLT. Também pode-se argumentar que, diante do referido dispositivo legal, o processo do trabalho perdeu sua autonomia científica, ficando, doravante, mais dependente do processo civil. (...)
Embora o art. 15 e as disposições do novo CPC exerçam influência no processo do trabalho e, certamente, impulsionarão uma nova doutrina e jurisprudência processual trabalhista, não revogou a CLT, uma vez que os arts. 769 e 889 da CLT são normas específicas do Processo do Trabalho, e o CPC apenas uma norma geral. Pelo princípio da especialidade, as normas gerais não derrogam as especiais.
 De outro lado, o art. 769 da CLT, que é o vetor principal do princípio da subsidiariedade do processo do trabalho, fala em processo comum, não, necessariamente, em processo civil para preencher as lacunas da legislação processual civil.
Além disso, pela sistemática da legislação processual trabalhista, as regras do Código de Processo Civil somente podem ser aplicadas ao processo do trabalho, se fossem compatíveis com a principiológicas e singularidades do processo trabalhista. Assim, mesmo havendo lacuna da legislação processual trabalhista, se a regra do CPC for incompatível com a principiologia e singularidades do processo do trabalho, ela não será aplicada.
O art. 15 do novel CPC não contraria os arts. 769 e 889 da CLT. Ao contrário, com eles se harmoniza.
Desse modo, conjugando-se o art. 15 do CPC com os arts. 769 e 889 da CLT, temos que o Código de Processo Civil se aplica ao processo do trabalho da seguinte forma: supletiva e subsidiariamente, nas omissões da legislação processual trabalhista, desde que compatível com os princípios e singularidades do processo do trabalho”.
Com o devido respeito aos entendimentos em sentido contrário, a aplicação supletiva aduzida no art. 15 do Código de Processo Civil de 2015 deverá ser compatibilizada com os arts. 769 e 889 da Consolidação das Leis do Trabalho.
Por consectário, a aplicação supletiva não pode prejudicar a consagrada aplicação subsidiária, que parte da existência de dois requisitos cumulativos: lacuna e compatibilidade de princípios e regras.
Concluindo, a aplicação supletiva do Código de Processo Civil de 2015 não poderá desrespeitar a própria existência da Consolidação das Leis do Trabalho.
Assim, o aplicador da ciência processual laboral deverá empregar o máximo esforço na utilização dos benefícios do Código de Processo Civil de 2015, sem olvidar os tradicionais institutos da Consolidação das Leis do Trabalho.
Dessa forma, a autonomia do Direito Processual do Trabalho será indubitavelmente prestigiada. A compatibilização dos diplomas normativos poderá contribuir veementemente na própria evolução da ciência processual laboral.
No mesmo sentido, é o que vaticina o art. 1º, caput, da Instrução Normativa n. 39 do Tribunal Superior do Trabalho, de 15 de março de 2016: “Aplica-se o Código de Processo Civil, subsidiária e supletivamente, ao Processo do Trabalho, em caso de omissão e desde que haja compatibilidade com as normas e princípios do Direito Processual do Trabalho, na forma dos arts. 769 e 889 da CLT e do art. 15 da Lei n. 13.105, de 17.03.2015”

Referência Bibliográfica
Pereira, Leone. Manual de processo do trabalho. 5. ed. – São Paulo: Saraiva,


[1] Carlos Henrique Bezerra Leite (Org.). CPC: repercussões no processo do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 27-30.
[2] Manual de direito processual do trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 158-160.

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