Conforme
anteriormente consignado, os estudiosos da ciência processual laboral possuem
um grande desafio hodierno, qual seja, compatibilizar os famigerados arts. 769
e 889 da Consolidação das Leis do Trabalho com o art. 15 do Código de Processo
Civil de 2015.
Segundo
o Professor Carlos Henrique Bezerra Leite[1]:
Os princípios do Novo CPC exercerão grande influência no
Processo do Trabalho, seja pela nova dimensão e papel que exercem como fontes
normativas primárias do ordenamento jurídico, seja pela necessidade de
reconhecer o envelhecimento e a inadequação de diversos preceitos normativos de
direito processual contidos na CLT, o que exigirá do juslaboralista formação
continuada e uma nova postura hermenêutica, de modo a admitir que o Processo do
Trabalho nada mais é do que o próprio direito constitucional aplicado à
realidade social, política, cultural e econômica.
Com
efeito, o art. 15 do Novo CPC prevê que:
‘Na ausência de normas que regulem processos eleitorais,
trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão
aplicadas supletiva e subsidiariamente’.
Lexicamente, o adjetivo ‘supletivo’ significa ‘que completa
ou serve de complemento’, ‘encher de novo, suprir’, enquanto o adjetivo
‘subsidiário’ quer dizer ‘que auxilia’, ‘que ajuda’, ‘que socorre’, ‘que contribui’.
Poderíamos
inferir, então, que o Novo CPC não apenas subsidiará a legislação processual trabalhista
como também a complementará, o que abre espaço, a nosso ver, para o
reconhecimento das lacunas ontológicas e axiológicas do processo trabalhista,
máxime se levarmos em conta a necessidade de adequação do Texto Consolidado,
concebido em um Estado Social, porém ditatorial, ao passo que o novel CPC foi
editado no paradigma do Estado Democrático de Direito.
O
art. 15 do Novo CPC, evidentemente, deve ser interpretado sistematicamente com
o art. 769 da CLT, que dispõe: ‘Nos casos omissos, o direito processual comum
será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que
for incompatível com as normas deste Título’, mas ambos os dispositivos – art.
769 da CLT e art. 15 do Novo CPC – devem estar em harmonia com os princípios e
valores que fundamentam o Estado Democrático de Direito. (...)
De
uma perfunctória análise do Novo CPC, podemos inferir que, por força da
interpretação sistemática dos arts. 769 da CLT e 15 do Novo CPC, algumas normas
do Processo Civil poderão ser aplicadas supletiva e subsidiariamente, desde
que:
a)
haja lacuna (normativa, ontológica e axiológica) da legislação processual
trabalhista;
b) a norma a ser migrada seja compatível com
a principiológicas que informa o processo laboral.
Presentes,
portanto, esses dois requisitos (lacuna e compatibilidade principiológicas),
poderemos destacar, pontualmente, que no Processo do Trabalho as normas do Novo
CPC serão:
a) aplicadas supletiva e subsidiariamente sem
restrição;
b) de aplicação supletiva e subsidiariamente
duvidosa;
c) absolutamente inaplicáveis.
Entendemos
por aplicação duvidosa a norma do Novo CPC que, diante da lacuna (normativa, ontológica
ou axiológica) do texto consolidado, apresenta dificuldade de compatibilização
com os princípios do processo laboral.
Também
serão de aplicabilidade duvidosa no Processo do Trabalho as normas do Novo CPC
em relação às ações oriundas da relação de trabalho diversas da relação de
emprego. É dizer, as ações que passaram a ser processadas e julgadas pela
Justiça do Trabalho (CF, art. 114, com redação dada pela EC n. 45/2004).
No
afã de prevenir eventuais conflitos de interpretações dos magistrados
trabalhistas acerca da aplicação do Novo CPC e, consequentemente, reduzir o
número de recursos de revista, o TST editou a Instrução Normativa n. 39/2016,
dispondo sobre dispositivos do Novo CPC aplicáveis e inaplicáveis no processo
do trabalho.
É
importante ressaltar, porém, que a Associação Nacional dos Magistrados da
Justiça do Trabalho (Anamatra) ajuizou no STF Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI 5.516), de relatoria da ministra Carmen Lúcia, que
tem por objeto impugnar a Instrução Normativa n. 39/2016 do TST. A entidade sustenta
vício formal e material de inconstitucionalidade na norma, que trata da
aplicação de dispositivos do Novo CPC ao processo do trabalho.
Concordamos
plenamente com o conteúdo da referida ADI, pois, com todas as vênias, a inconstitucionalidade
da IN TST n. 39 é flagrante, porque:
a) viola o princípio da independência dos órgãos
judiciais e separação dos poderes (CF, art. 2º);
b) usurpa a competência privativa da União
para legislar sobre direito processual (CF, art. 22, I);
c) viola a regra de competência do juiz
natural (CF, art. 5º, LIII);
d) viola o princípio da reserva legal, pois
somente lei pode estabelecer a competência do TST (CF,art. 111-A).
A
citada Instrução Normativa é também ilegal porque, no sistema dos precedentes
adotado pelo Novo CPC, é preciso existir divergência interpretativa de normas
em casos concretos para que o TST possa, se provocado, uniformizar a
jurisprudência.
Não
defendemos a aplicação desmedida e automática das normas (princípios e regras)
do Novo CPC nos sítios do Processo do Trabalho, especialmente nas ações
oriundas da relação de emprego, e sim a promoção de um diálogo franco e
virtuoso entre estes dois importantes setores do edifício jurídico. Diálogo que
passe, necessariamente, pela função precípua de ambos (Processo Civil e
Processo Trabalhista): realizar os direitos fundamentais e a justiça social em
nosso País, de forma adequada, tempestiva e efetiva”.
Sobre
a temática, insta consignar os ensinamentos do jurista Mauro Schiavi[2]:
“Trata-se
de inovação do novo Código, pois o atual não disciplina tal hipótese.
Doravante, o CPC será aplicado ao processo do trabalho, nas lacunas deste, nas
seguintes modalidades:
a)
supletivamente: significa aplicar o
CPC quando, apesar da lei processual trabalhista disciplinar o instituto
processual, não for completa. Nesta situação, o Código de Processo Civil será
aplicado de forma complementar, aperfeiçoando e propiciando maior efetividade e
justiça ao processo do trabalho. Como exemplos: hipóteses de impedimento e
suspeição do Juiz que são mais completas no CPC, mesmo estando disciplinadas na
CLT (art. 802 da CLT); ônus da prova previsto no CPC, pois o art. 818 da CLT é
muito enxuto e não resolve questões cruciais como as hipóteses de ausência de
prova e prova dividida; o depoimento pessoal previsto no CPC, pois a CLT
disciplina apenas o interrogatório (art. 848 da CLT), sendo os institutos afins
e propiciam implementação do contraditório substancial no processo trabalhista
etc.;
b)
subsidiariamente: significa aplicar o
CPC quando a CLT e as leis processuais trabalhistas extravagantes não
disciplinarem determinado instituto processual. Exemplos: tutelas de urgência,
ação rescisória, ordem preferencial de penhora, hipóteses legais de
impenhorabilidade etc.
Pode-se
se argumentar que houve revogação dos arts. 769 e 889 da CLT, uma vez que o
Código de Processo Civil, cronologicamente, é mais recente que a CLT. Também
pode-se argumentar que, diante do referido dispositivo legal, o processo do
trabalho perdeu sua autonomia científica, ficando, doravante, mais dependente
do processo civil. (...)
Embora
o art. 15 e as disposições do novo CPC exerçam influência no processo do
trabalho e, certamente, impulsionarão uma nova doutrina e jurisprudência
processual trabalhista, não revogou a CLT, uma vez que os arts. 769 e 889 da
CLT são normas específicas do Processo do Trabalho, e o CPC apenas uma norma
geral. Pelo princípio da especialidade, as normas gerais não derrogam as especiais.
De outro lado, o art. 769 da
CLT, que é o vetor principal do princípio da subsidiariedade do processo do
trabalho, fala em processo comum, não, necessariamente, em processo civil para preencher
as lacunas da legislação processual civil.
Além
disso, pela sistemática da legislação processual trabalhista, as regras do
Código de Processo Civil somente podem ser aplicadas ao processo do trabalho, se
fossem compatíveis com a principiológicas e singularidades do processo
trabalhista. Assim, mesmo havendo lacuna da legislação processual trabalhista,
se a regra do CPC for incompatível com a principiologia e singularidades do
processo do trabalho, ela não será aplicada.
O
art. 15 do novel CPC não contraria os arts. 769 e 889 da CLT. Ao contrário, com
eles se harmoniza.
Desse
modo, conjugando-se o art. 15 do CPC com os arts. 769 e 889 da CLT, temos que o
Código de Processo Civil se aplica ao processo do trabalho da seguinte forma: supletiva
e subsidiariamente, nas omissões da legislação processual trabalhista, desde
que compatível com os princípios e singularidades do processo do trabalho”.
Com
o devido respeito aos entendimentos em sentido contrário, a aplicação supletiva
aduzida no art. 15 do Código de Processo Civil de 2015 deverá ser
compatibilizada com os arts. 769 e 889 da Consolidação das Leis do Trabalho.
Por
consectário, a aplicação supletiva não pode prejudicar a consagrada aplicação
subsidiária, que parte da existência de dois requisitos cumulativos: lacuna e
compatibilidade de princípios e regras.
Concluindo,
a aplicação supletiva do Código de Processo Civil de 2015 não poderá
desrespeitar a própria existência da Consolidação das Leis do Trabalho.
Assim,
o aplicador da ciência processual laboral deverá empregar o máximo esforço na
utilização dos benefícios do Código de Processo Civil de 2015, sem olvidar os
tradicionais institutos da Consolidação das Leis do Trabalho.
Dessa
forma, a autonomia do Direito Processual do Trabalho será indubitavelmente
prestigiada. A compatibilização dos diplomas normativos poderá contribuir
veementemente na própria evolução da ciência processual laboral.
No
mesmo sentido, é o que vaticina o art. 1º, caput, da Instrução Normativa n. 39
do Tribunal Superior do Trabalho, de 15 de março de 2016: “Aplica-se o Código
de Processo Civil, subsidiária e supletivamente, ao Processo do Trabalho, em
caso de omissão e desde que haja compatibilidade com as normas e princípios do
Direito Processual do Trabalho, na forma dos arts. 769 e 889 da CLT e do art. 15
da Lei n. 13.105, de 17.03.2015”
Referência Bibliográfica
Pereira, Leone. Manual de processo do trabalho. 5. ed.
– São Paulo: Saraiva,
[1] Carlos
Henrique Bezerra Leite (Org.). CPC: repercussões no processo do trabalho. São
Paulo: Saraiva, 2017, p. 27-30.
[2] Manual
de direito processual do trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 158-160.
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