segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

DO DANO PATRIMONIAL E EXTRAPATRIMONIAL

Aquele que causar dano a outrem, agindo culposa ou dolosamente, comete ato ilícito, e, por conta disso, tem o dever de indenizar. Essa previsão está nos arts. 186 e 927 do CCB.

O dano pode ser material (patrimonial) ou extrapatrimonial. O dano material pode ser emergente, que é aquele caracterizado pelo que a vítima efetivamente perdeu. O dano material também pode ocorrer pelo que o ofendido razoavelmente deixou de lucrar (chamamos de “lucros cessantes”) – vide arts. 402 e 950 do CCB.

O dano extrapatrimonial, por sua vez, apresenta diversos “tipos”: dano moral, dano à imagem, dano estético, dano existencial, entre outros. O dano estético está respaldado pela Súmula 387 do STJ, enquanto o dano moral, o dano à imagem e o dano existencial estão previstos nos incisos V e X do art. 5º da CF.

O dano existencial é oriundo de ato ilícito patronal que provoca graves limitações em relação à vida pessoal do empregado, violando direitos fundamentais da pessoa humana e afetando a execução de projetos de vida pessoal do trabalhador (não concessão de férias, labor extraordinário exagerado e habitual, não concessão de repouso semanal etc.).

A competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar reclamações trabalhistas que tenham por objeto indenização por danos materiais e/ou extrapatrimoniais há muito tempo foi pacificada, bastando, para tanto, observar o inciso VI do art. 114 da CF, a Súmula 392 do TST e a Súmula Vinculante 22.

Vale sempre lembrar-se de que o inciso V do art. 292 do CPC determina que cada pedido de indenização por dano seja acompanhado do respectivo valor pretendido pelo reclamante. Com a nova redação do § 1º do art. 840 da CLT, que exige a indicação de valor para cada pedido, a exemplo do que já ocorria no rito sumaríssimo (inciso I do art. 852-B da CLT), aquela previsão do CPC, respaldada pelo inciso IV do art. 3º da IN 39/2016 do TST, perdeu o seu “glamour”, afinal a necessidade de valorar o pleito deixou de ser peculiar e passou a ser geral.

O valor da indenização por dano extrapatrimonial passou a ser limitado, levando em conta o grau da lesão, especificamente no § 1º do art. 223-G da CLT.

Observem que a Lei 13.467/2017 incluiu os arts. 223-A a 223-G à CLT, que cuidam exatamente do dano extrapatrimonial. Vamos analisá-los a seguir.

O art. 223-A da CLT representa as normas sem efetividade, porque busca restringir a interpretação do juiz do trabalho, quanto ao dano moral, estético, à imagem e existencial, apenas aos dispositivos da CLT. Apesar disso, o examinando não pode, no desenvolvimento da peça ou no enfrentamento de questões abertas, deixar de citar os artigos da CLT que ora estamos analisando.

A indenização por dano, para que fique bem claro, não é uma verba de natureza trabalhista, pois deriva de típica responsabilidade civil, tornando imperiosa a aplicação das legislações, dos precedentes e das correntes doutrinárias civilistas, como é o caso, por exemplo, dos arts. 20, 186, 927, 949 e 950 do Código Civil e da Súmula 387 do STJ (elenco não taxativo). Além disso, o dano extrapatrimonial está inserido no art. 5º da CF, tornando inócua a palavra “apenas”, esculpida no art. 223-A da CLT.

Dano extrapatrimonial é aquele que atinge direitos da personalidade (honra, imagem, intimidade, liberdade de ação, autoestima, sexualidade, saúde, lazer, integridade física etc.). O rol do art. 223-C da CLT não é taxativo, como pretende o legislador. Trata-se de uma lista interessante, mas meramente exemplificativa, pois, como costumo dizer em sala de aula e nas palestras, não há limites para a estupidez humana, o que torna impraticável a demarcação restritiva dos direitos da personalidade de uma pessoa física. O mesmo sobre o rol do art. 223-D da CLT, que trata dos direitos da personalidade da pessoa jurídica. Porém, essa distinção deve ser pragmaticamente observada no Exame de Ordem: (1) o art. 223-C da CLT cuida dos direitos da personalidade da pessoa física; (2) o art. 223-D da CLT, dos direitos da personalidade da pessoa jurídica. Isso ratifica a conclusão de que a reclamação trabalhista pode ser ajuizada pelo empregado ou pelo empregador (art. 839 da CLT).

Presente na redação do art. 223-B da CLT, um detalhe desprezível merece atenção especial. Na parte final do referido artigo, diz: “as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação ”. Sem qualquer pudor, o legislador simplesmente desejou acabar com o “dano reflexo”, também chamado de “dano por ricochete”, gerado pela morte do empregado em decorrência, principalmente, de acidente do trabalho. O desejo, entretanto, encontra obstáculo intransponível na previsão contida no art. 943 do CCB, que reza: “O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança”. Abjeta e abominável tentativa que resultará em letra morta, diante da implacável interpretação sistêmica. Logo, o dano reflexo, também chamado de dano por ricochete, continua vivo na seara trabalhista, resultante, geralmente, do falecimento do empregado por conta de acidente do
trabalho.

O que diz o art. 223-E da CLT já se encontra previsto no parágrafo único do art. 942 do CCB (são
solidariamente responsáveis com os autores os coautores). O art. 932, III, do CCB, por sua vez, dispõe que o empregador responde pelos atos praticados por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir ou em razão dele.

A possibilidade de cumulação de indenizações já está consagrada há décadas no nosso sistema jurídico, à luz dos incisos V e X do art. 5º da CF e da Súmula 387 do STJ. De qualquer sorte, no Exame de Ordem, o candidato deve também citar o art. 223-F da CLT.

A cumulatividade é possível porque, para cada lesão, corresponderá uma reparação, afinal é com a lesão que nasce a pretensão (art. 189 do CCB). A indicação do valor de cada indenização, na petição inicial, tornou-se uma exigência processual com a entrada em vigor do CPC/2015 (inciso V do art. 292 – aplicável ao processo trabalhista, nos termos do inciso IV do art. 3º da IN 39/2016 do TST), tornando o § 1º do art. 223-F redundante.

Com relação ao dano extrapatrimonial, o art. 223-G da CLT é muito importante!

O rol exemplificativo do caput do art. 223-G da CLT possui previsões interessantes, prestigiando a boa-fé e incentivando o arrependimento, a retratação, a prestação de socorro, entre outros atos laudáveis. Não estou dizendo que a retratação seja capaz de elidir o dano e livrar o ofensor do pagamento de indenização, mas poderá, sim, reduzir o valor da reparação.

Na apreciação do pedido (na análise do fato descrito em causa de pedir), o juiz do trabalho deve, no caso de acidente do trabalho (típico, doença profissional, doença do trabalho), analisar, mediante prova técnica (perícia médica), se há possibilidade de recuperação, total ou parcial, do obreiro.

Na análise do pedido de indenização por dano existencial, o juiz deve investigar os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão patronal na vida do empregado.

Na ocorrência de acidente do trabalho típico, o juiz deve avaliar se o empregador tomou todas as medidas preventivas e se ajudou o obreiro vitimado, encaminhando-o a um hospital, emitindo a CAT etc. São aspectos objetivos e subjetivos que podem agravar ou abrandar a indenização, prestigiando os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Alguns incisos do caput do art. 223-G da CLT precisam ser comentados individualmente.

Começamos pelo inciso VII, que trata do “grau de dolo ou culpa”. A conduta do agressor é um fator
determinante para a condenação e para a fixação da indenização, indubitavelmente. Mas o inciso em comento pode levar o leitor a acreditar que a indenização só será devida no caso de responsabilidade subjetiva, e isso não é verdade. A possibilidade de o empregador responder objetivamente continua, principalmente no caso de acidente do trabalho relacionado a uma atividade notoriamente de risco explorada pela empresa (parágrafo único do art. 927 do CCB c/c art. 2º da CLT). As culpas in eligendo e in vigilando, que são presumidas e geram a inversão do ônus da prova, também permanecem presentes na seara trabalhista, principalmente no que diz respeito ao assédio moral (vertical ou horizontal) – vide art. 932, III, do CCB.

O inciso X, por sua vez, que fala do “perdão”, parece-nos sem efetividade jurídica, pois o único fator temporal que pode afetar a pretensão indenizatória é a prescrição (art. 189 do CCB). Logo, se a reclamação trabalhista for ajuizada dentro do prazo imprescrito, difícil será a vida do reclamado para provar que foi perdoado pelo reclamante.

Sempre vale registrar que o TST já pacificou que a prescrição, nas pretensões indenizatórias, é a trabalhista (cinco anos), e não a civilista (três anos).

O inciso XI, que trata da “situação social e econômica das partes envolvidas”, é muito bem-vindo, seja para reduzir o valor da indenização, no caso, por exemplo, de micro e pequenas empresas (isso já caiu numa contestação em Exame de Ordem), seja para aumentar o valor, no caso, por exemplo, de instituições bancárias, prestigiando o princípio da isonomia (tratamento desigual aos desiguais) e observando o efeito profilático da reparação (a dor precisa ter a dimensão do “bolso” do ofensor, exatamente para que este a sinta e passe a atuar na prevenção do fato – o § 3º do art. 223-G da CLT termina ratificando o propósito).

Pois bem.

Os §§ 1º a 3º do art. 223-G da CLT cuidam do valor da indenização.Os limites das indenizações por dano extrapatrimonial voltaram a ser calculados sobre o salário mensal do empregado, devido ao fim da MP 808/2017, que caducou em 23.04.2018. Particularmente, considero inconstitucional o uso do salário como base de cálculo do dano extrapatrimonial, já que a honra de uma pessoa não pode ser quantificada por quanto recebe de salário (violação ao caput do art. 5º e ao inciso III do art. 1º da CF). Porém, o candidato, no Exame de Ordem, deve usar a “letra da lei”, principalmente pelo fato de o STF ainda não ter se pronunciado sobre o tema.

No Exame de Ordem, por conseguinte, os limites devem ser respeitados.

  • Para ofensa de natureza leve – até três vezes o último salário contratual do ofendido.
  • Para ofensa de natureza média – até cinco vezes o último salário contratual do ofendido.
  • Para ofensa de natureza grave – até vinte vezes o último salário contratual do ofendido.
  • Para ofensa de natureza gravíssima – até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.

Em uma contestação, o advogado de defesa pode ter que impugnar o valor, exatamente por ultrapassar o teto previsto no § 1º do art. 223-G da CLT. O mesmo quanto a um recurso ordinário, quando a sentença não observar os parâmetros.

A elevação da indenização ao dobro, em caso de reincidência, prevista no § 3º do art. 223-G da CLT, deve ser observada.

Quanto ao dano material, seja ele emergente ou por lucros cessantes, é importante observar que não há previsão na CLT. Logo, o candidato usará o CCB, especificamente os arts. 186, 927, 402 e 950, em conjunto com o inciso X do art. 5º da CF.

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