quarta-feira, 26 de março de 2014

Resumo das aulas de Direito Civil - Sucessões

1º Bimestre

DA SUCESSÃO EM GERAL

A palavra sucessão, em sentido amplo, significa o ato pelo qual uma pessoa assume o lugar de outra, substituindo-a na titularidade de determinados bens (numa compra e venda p. ex., o comprador sucede ao vendedor). Ocorre, nesse caso, a sucessão inter vivos.

No direito das sucessões, o mesmo vocábulo é empregado em sentido estrito, para designar tão somente a decorrente da morte de alguém, ou seja, a sucessão causa mortis.

O referido ramo do direito disciplina a transmissão do patrimônio (o ativo e o passivo) do de cujus (ou autor da herança) a seus sucessores. Essa expressão latina é abreviatura da frase de cujus sucessione (ou hereditatis) agitur, que significa “aquele de cuja sucessão (ou herança) se trata”.

Disposições gerais

Abertura da sucessão

Dá-se no mesmo instante da morte do de cujus, transmitindo-se automaticamente a herança aos seus herdeiros legítimos e testamentários (CC, art. 1.784). Nisso consiste o princípio da saisine, segundo o qual o próprio defunto transmite ao sucessor o domínio e a posse da herança (le mort saisit le vif ).

Efeitos do princípio da saisine

a) regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao tempo da abertura daquela (CC, art. 1.787);
b) o sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor, com os mesmos caracteres (art. 1.206);
c) o herdeiro que sobrevive ao de cujus, ainda que por um instante, herda os bens deixados e os transmite aos seus sucessores, se falecer em seguida;
d) abre-se a sucessão no lugar do último domicílio do falecido (art. 1.785), que é o foro competente para o processamento do inventário.

Espécies de sucessão

·         Quanto à sua fonte

a) sucessão legítima: Decorre da lei. Morrendo a pessoa sem deixar testamento, ou se este caducar ou for julgado nulo, transmite-se a herança a seus herdeiros legítimos (art. 1.788), indicados na lei (art. 1.829), de acordo com uma ordem preferencial. A sucessão poderá ser simultaneamente legítima e testamentária quando o testamento não compreender todos os bens do  de cujus (art. 1.788, 2ª parte).

b) sucessão testamentária: Decorre de disposição de última vontade: testamento ou codicilo. Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança (art. 1.789), pois a outra constitui a legítima, àqueles assegurada no art. 1.846; não havendo, plena será a sua liberdade de testar, podendo afastar da sucessão os colaterais (art. 1.850).

c) sucessão contratual: Não é admitida pelo nosso ordenamento, por estarem proibidos os pactos sucessórios, não podendo ser objeto de contrato herança de pessoa viva (art. 426). Exceção: podem os pais, por atos entre vivos, partilhar o seu patrimônio entre os descendentes (art. 2.018).

·         Quanto aos efeitos

a) a título universal: Quando o herdeiro é chamado a suceder na totalidade da herança, fração ou parte alíquota (porcentagem) dela. Pode ocorrer tanto na sucessão legítima como na testamentária.

b) a título singular: Quando o testador deixa ao beneficiário um bem certo e determinado. Legatário sucede ao falecido a título singular, tomando o seu lugar em coisa individuada. Herdeiro sucede a título universal. A sucessão legítima é sempre a título universal; a testamentária pode ser a título universal ou a título singular, dependendo da vontade do testador.

Sucessão anômala ou irregular: É a disciplinada por normas peculiares e próprias, não observando a ordem da vocação hereditária estabelecida no art. 1.829 para a sucessão legítima. Assim, p. ex., o art. 520 prescreve que o direito de preferência, estipulado no contrato de compra e venda, não passa aos herdeiros. A CF (art. 5º, XXXI) estabelece benefício ao cônjuge ou filhos brasileiros, na sucessão de bens de estrangeiros situados no País, permitindo a aplicação da lei pessoal do de cujus, se mais favorável.

Espécies de herdeiros

  legítimo: é o indicado pela lei, em ordem preferencial (art. 1.829);
— testamentário ou instituído: é o beneficiado pelo testador no ato de última vontade com uma parte ideal do acervo, sem individuação de bens; a pessoa contemplada com coisa certa não é herdeiro, mas legatário;
— necessário (legitimário ou reservatário): é o descendente ou ascendente sucessível e o cônjuge (art. 1.845);
— universal: costuma-se assim chamar o herdeiro único, que recebe a totalidade da herança, mediante auto de adjudicação lavrado no inventário.

DA HERANÇA E DE SUA ADMINISTRAÇÃO

1.       Indivisibilidade da herança

Até a partilha, o direito dos coerdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será  indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio (CC, art. 1.791, parágrafo único). Por isso, o coerdeiro pode alienar ou ceder apenas sua quota ideal, ou seja, o direito à sucessão aberta. É ineficaz a cessão, pelo coerdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente (art. 1.793, § 2º).

2.       Preferência do coerdeiro

O art. 1.795 do CC assegura direito de preferência ao coerdeiro, a quem não se der conhecimento da cessão. Poderá ele, depositado o preço, haver para si a quota cedida a estranho, exercendo tal direito se o requerer até 180 dias após a transmissão.

3.       Cessão de direitos hereditários

O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o coerdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública (CC, art. 1.793,  caput). Cessão de direitos hereditários, gratuita ou onerosa, consiste na transferência que o herdeiro, legítimo ou testamentário, faz a outrem de todo o quinhão ou de parte dele, que lhe compete após a abertura da sucessão.

4.       Responsabilidade dos herdeiros

O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança (CC, art. 1.792). Em nosso direito, a aceitação da herança é sempre, por lei, a benefício do inventário. Incumbe, porém, ao herdeiro a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demonstrando o valor dos bens herdados.

5.       Administração da herança

O inventário deve ser instaurado no prazo de 60 dias, a contar da abertura da sucessão, cabendo a administração provisória da herança, até o compromisso do inventariante, sucessivamente:
a) ao cônjuge ou companheiro;
b) ao herdeiro que estiver na posse e administração dos bens;  
c) a pessoa de confiança do juiz (CC, arts. 1.796 e 1.797).

DA VOCAÇÃO HEREDITÁRIA

1.       Legitimação passiva para suceder

— A legitimidade passiva é a regra e a ilegitimidade, a exceção: “Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão” (CC, art. 1.798). Só não se legitimam, portanto, as expressamente excluídas. Ressalvou-se o direito do nascituro, por já concebido.
— O citado art. 1.798 refere-se tanto à sucessão legítima quanto à testamentária.
— Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder:
a) os filhos, ainda não concebidos (prole eventual), de pessoas indicadas pelo testador , desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão;
 b) as pessoas jurídicas;
c) as pessoas jurídicas cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de fundação (art. 1.799).

2. Falta de legitimação para ser nomeado herdeiro ou legatário (CC, art. 1.801)

a) da pessoa que, a rogo, escreveu o testamento, bem como do seu cônjuge ou companheiro, e de seus ascendentes e irmãos;
b) das testemunhas do testamento;
c)  do concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos;
d) do tabelião, civil ou militar, ou do comandante ou escrivão, perante quem se fizer , assim como o que fizer ou aprovar o testamento.

DA ACEITAÇÃO E RENÚNCIA DA HERANÇA

1.       Aceitação

Conceito: Aceitação ou adição da herança é o ato pelo qual o herdeiro anui à transmissão dos bens do de cujus, ocorrida por lei com a abertura da sucessão, confirmando-a.

Espécies:

a) Expressa: se resultar de manifestação escrita (CC, art. 1.805, 1ª parte).
b) Tácita: quando resultante de conduta própria de herdeiro. É a forma mais comum, tendo em vista que toda aceitação, por lei, é feita  sob benefício do inventário (art. 1.792), dispensando manifestação expressa.
c)  Presumida: quando o herdeiro permanece silente, depois de notificado, nos termos do art. 1.807, para que declare, em prazo não superior a trinta dias, a pedido de alguém interessado —, geralmente o credor — se aceita ou não a herança.

Características

— a aceitação é negócio jurídico unilateral, porque se aperfeiçoa com uma única manifestação de vontade;
— tem natureza não receptícia, porque não depende de ser comunicada a outrem para que produza seus efeitos;
— é, também,  indivisível e  incondicional, porque “não se pode aceitar ou renunciar a herança em parte, sob condição, ou a termo” (CC, art. 1.808).

2.     Renúncia

Conceito: Renúncia é negócio jurídico unilateral, pelo qual o herdeiro manifesta a intenção de se demitir dessa qualidade.

Características: A renúncia há de ser expressa e constar, obrigatoriamente, de instrumento público ou termo judicial, lançado nos autos do inventário (CC, art. 1.806), sendo, portanto, solene. Não se admite renúncia tácita ou presumida, porque constitui abdicação de direitos, nem promessa de renúncia, porque implicaria ilegal pacto sucessório.

Espécies

a) Abdicativa (renúncia propriamente dita): quando o herdeiro a manifesta sem ter praticado qualquer ato que exprima aceitação, logo ao iniciar o inventário ou mesmo antes, e mais: quando é pura e simples, isto é, em benefício do monte, sem indicação de qualquer favorecido (CC, art. 1.805, § 2º).
b) Translativa: quando o herdeiro renuncia em favor de determinada pessoa, citada nominalmente. É também chamada de cessão ou desistência da herança. Pode ocorrer também, mesmo quando pura e simples, se manifestada depois da prática de atos que importem aceitação, como, p. ex., a habilitação no inventário.

Pressupostos

a) capacidade jurídica plena do renunciante;
b) anuência do cônjuge, se o renunciante for casado, exceto se o regime de bens for o da separação absoluta (CCart. 1.647), porque o direito à sucessão aberta é considerado bem imóvel, pode terminação legal (art. 80, I);
c) inexistência de prejuízo para os credores. Se tal ocorrer, podem eles aceita a herança em nome do renunciante mediante autorização judicial, sendo aquinhoados no curso da partilha.

Efeitos

a) exclusão, da sucessão, do herdeiro renunciante, que será tratado como se jamais houvesse sido chamado;
b) acréscimo da parte do renunciante à dos outros herdeiros da mesma classe (CC, art. .810);
c) proibição da sucessão por direito de representação, pois ninguém pode suceder “representando herdeiro renunciante” (art. 1.811).

Ineficácia

Pode ocorrer pela suspensão temporária dos seus efeitos pelo juiz, a pedido dos credores prejudicados, que não precisam propor ação revocatória, nem anulatória, a fim de se pagarem, nos termos do art. 1.813 do CC.

Invalidade

Dá-se a invalidade  absoluta  se não houver sido feita por escritura pública ou termo judicial, ou quando manifestada por pessoa absolutamente incapaz, não representada, e sem autorização judicial; e  relativa, quando proveniente de erro, dolo ou coação, ou quando realizada sem a anuência do cônjuge, quando exigida.

Irretratabilidade

A renúncia é irretratável (CC, art. 1.812) porque retroage à data da abertura da sucessão, presumindo-se que os outros herdeiros por ela beneficiados tenham herdado na referida data.

DOS EXCLUÍDOS DA SUCESSÃO

1.       Conceito de indignidade

Constitui uma sanção civil imposta ao herdeiro ou legatário, privando-o do direito sucessório por haver praticado contra o de cujus os atos considerados ofensivos, enumerados na lei: atentado contra a vida, contra a honra e contra a liberdade de testar (CC, art. 1.814).

2. Causas de exclusão (CC, art. 1.814)

a) autoria ou participação em crime de homicídio doloso, ou em sua tentativa, contra o autor da herança, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
b) acusar o de cujus caluniosamente em juízo ou incorrer em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
c) inibir ou obstar, por violência ou meios fraudulentos, o de cujus de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.

3. Reabilitação do indigno

O art. 1.818 do CC possibilita a reabilitação ou perdão do indigno, permitindo-lhe ser admitido a suceder se o ofendido, cujo herdeiro ele for, assim o determinar em testamento ou em outro ato autêntico. Pode este ser considerado qualquer declaração, por instrumento público ou particular, autenticada pelo escrivão.

3.       Distinção entre indignidade e deserdação

— A  indignidade decorre da lei (a sanção é prevista somente nos casos do mencionado art. 1.814 do CC); na deserdação, é o autor da herança quem pune o responsável, em testamento, desde que fundada em motivo legal (arts. 1.814, 1.962 e 1.963).

— A  indignidade é instituto da sucessão legítima, malgrado possa alcançar também o legatário, enquanto a deserdação só pode ocorrer na sucessão testamentária (art. 1.964).

— A  indignidade pode atingir todos os sucessores, legítimos e testamentários, inclusive legatários, ao passo que a deserdação é utilizada pelo testador para afastar de sua sucessão os herdeiros necessários.

5. Procedimento para obtenção da exclusão

A exclusão do indigno depende de propositura de  ação específica, intentada por quem tenha interesse na sucessão, no prazo decadencial de quatro anos, contado da abertura da sucessão (CC, art. 1.815, parágrafo único). Só estão legitimados para o ajuizamento da ação os que venham a se beneficiar com a exclusão.

6.       Efeitos da exclusão

— São pessoais os efeitos da exclusão. Os descendentes do herdeiro excluído sucedem, como se ele morto fosse antes da abertura da sucessão (CC, art. 1.816), por estirpe ou representação.

— Os efeitos retroagem à data da abertura da sucessão: o indigno é obrigado a restituir os frutos e rendimentos que dos bens da herança houver percebido, mas tem direito a ser indenizado das despesas com a conservação deles (art. 1.817, parágrafo único).

— Os bens retirados do indigno são chamados de bens ereptícios.

— A exclusão acarreta, também, a perda do direito ao usufruto e à administração dos bens que a seus filhos couberem na herança e à sucessão eventual desses mesmos bens (art. 1.816, parágrafo único).

— Embora a sentença tenha efeito retro-operante, não pode prejudicar direitos de terceiros de boa-fé. São válidas as alienações onerosas a estes feitas pelo herdeiro, quando ostentava a condição de herdeiro aparente (arts. 1.817 e 1.360).

HERANÇA JACENTE E HERANÇA VACANTE

1.       Herança jacente

Conceito: Diz-se que a herança é jacente quando a sucessão se abre e não há conhecimento da existência de algum herdeiro, não tendo o de cujus deixado testamento.

Natureza jurídica: A herança jacente não tem personalidade jurídica, consistindo num acervo de bens, administrado por um curador até a habilitação dos herdeiros. Entretanto, reconhece-se-lhe legitimação ativa e passiva para comparecer em juízo (CPC, art. 12, IV).

Arrecadação

Não havendo herdeiro aparente, o juiz promove a arrecadação dos bens (CPC, art. 1.142), para preservar o acervo e entregá-lo aos herdeiros que se apresentem ou ao Poder Público, caso a herança seja declarada vacante. Enquanto isso permanecerá sob a guarda de um curador, nomeado pelo juiz. Serão publicados editais para que venham a habilitarem-se os sucessores (CPC, arts. 1.143 a 1.157).

2. Vacância da herança

Serão declarados vacantes os bens da herança jacente se, praticadas todas as diligências, não aparecerem herdeiros (CC, art. 1.820). Tal declaração não prejudicará os herdeiros que legalmente se habilitarem; mas, decorridos cinco anos da abertura da sucessão, os bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União quando situados em território federal (CC, art. 1.822). Ficarão excluídos da sucessão os colaterais que não se habilitarem até a declaração de vacância (parágrafo único).

DA PETIÇÃO DE HERANÇA

1.       Conceito: É a ação que compete ao sucessor preterido, para o fim de ser reconhecido a sua direito sucessória e obter, em consequência, a restituição da herança, no todo ou em parte, de quem a possua, na qualidade de herdeiro, ou mesmo sem título.

2.       Legitimidade ativa: Cabe tal ação a quem se intitula herdeiro e reivindica esse título, com o objetivo de obter a restituição da herança, no todo ou em parte.

3.       Legitimidade passiva: Réu nessa ação é a pessoa que está na posse da herança, como se fosse herdeiro, aparentando a qualidade e assumindo a posição de herdeiro, sem que, verdadeiramente, herdeiro seja, ou o que tem a posse de bens hereditários sem título algum que a justifique.

4.       Efeitos: A procedência da ação, decretada em sentença transitada em julgado, gera o reconhecimento da ineficácia da partilha em relação ao autor da ação, dispensada a sua anulação.

5.       Prescrição: A ação de petição de herança pode ser cumulada com a de investigação de paternidade. Proclama a Súmula 49 do STF: “É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança”.



“Dos delitos e das penas” - BECCARIA



 


1.1 “Dos delitos e das penas”

Não deixa de ser inegável que estamos diante de uma obra que é uma denúncia, em favor da humanidade e da razão, contra a tradição jurídica e a legislação penal de seu tempo. Com esta certeza, porém, deve ser feita uma análise de acordo com o contexto cultural que prevalecia em todos os campos do saber. Inicialmente é importante ressaltar que Cesare Beccaria sofreu diretamente a influência dos Enciclopedistas Voltaire, Rosseau e Montesquieu. Eis uma associação do contratualismo com o utilitarismo. Beccaria se mostra um contratualista que em estilo barroco, sem precisão e limpidez, adota Hobbes, mas quanto à essência humana é partidário de Locke. Beccaria viveu durante os momentos finais da Idade Moderna, contemporâneos à Revolução Francesa. A era anterior ao Iluminismo consistiu em um período de transição entre o sistema feudal e o capitalista, guardando alguns resquícios do primeiro e apresentando algumas características que direcionariam a humanidade para o surgimento do atual sistema econômico. Era uma época onde imperava o Absolutismo, regime de governo autoritário, resultante da aliança entre o rei e a burguesia em ascensão, onde o crescimento econômico proporcionado pelas práticas mercantilistas criou a necessidade da centralização política, favorecendo a criação de medidas protecionistas que garantissem a expansão das atividades comerciais. É verdade que muitas das reformas sugeridas por Beccaria foram propostas por outros pensadores. Não foi, o marquês, um grande filósofo e nem um grande jurista. O seu mérito deve-se ao fato de disponibilizar ao grande público uma delineada teoria, que, teve vital importância para as reformas penais que se seguiram nos últimos séculos.

O livro DOS DELITOS E DAS PENAS, é a Filosofia Francesa aplicada a Legislação Penal: contra a tradição jurídica, invoca a razão e o sentimento; faz porta-voz dos protestos da consciência pública contra os julgamentos secretos, o julgamento imposto aos acusados, a tortura, o confisco, as penas infamantes, a desigualdade ante o castigo, a atrocidade dos suplícios; estabelece limites entre a justiça divina e a justiça humana, entre os pecados e os delitos; condena o direito de vingança e toma por base o direito de punir, como utilidade social; declara a pena de morte inútil e reclama a proporcionalidade das penas aos delitos, assim como a separação do Poder Judiciário do Poder Legislativo. Nenhuma obra fora tão oportuna e o seu sucesso foi verdadeiramente extraordinário, sobretudo entre os filósofos franceses.

O autor tenta despertar a sociedade para fazer a devida e cuidadosa análise e diferenciação das diversas espécies de delitos e a forma de punir cada um deles, indicando os princípios mais gerais.

Para isso, Beccaria examina e esclarece a origem das penas, e o fundamento do direito de punir, questionando ainda o sentido de se levar a ativa os “tormentos e torturas”, e a eficácia desses métodos.

1.2 “Princípio da proporcionalidade penal”

O princípio da proporcionalidade, por ser um princípio que pode ser empregado em sentido amplo, possui íntima relação com os outros, dentre os quais se podem destacar: o princípio da isonomia, o princípio da razoabilidade e o princípio da legalidade.

É incontestável que o princípio da proporcionalidade é considerado hoje um dos princípios mais importantes de todo o direito, e, em particular, do direito penal. 

O princípio da proporcionalidade desempenha importante função dentro do sistema penal, uma vez que orienta a construção dos tipos incriminadores por meio de uma criteriosa seleção daquelas condutas que possuem dignidade penal, bem como fundamenta a diferenciação nos tratamentos penais dispensados às diversas modalidades delitivas. Além disso, estabelece limites à atividade do legislador penal e, também, do intérprete, posto que estabeleça até que ponto é legítima a intervenção do Estado na liberdade individual dos cidadãos. 

O papel do princípio da proporcionalidade na esfera penal é de suma importância, vez que ele é imanente à essência dos direitos fundamentais, que, enquanto expressão da pretensão à liberdade do cidadão perante o Estado, podem ser limitados somente na medida em que sejam comprovadamente indispensáveis à defesa dos interesses públicos.

E esta é a grande questão dos dias atuais: encontrar o verdadeiro limite de restrição de direitos, sem impor ao indivíduo uma restrição desproporcional a um direito fundamental.
Assim, a lei do talião, que traduz seu conteúdo através da expressão “olho por olho, dente por dente” pode ser considerada a primeira resposta encontrada para se estabelecer a qualidade da pena a ser imposta a cada conduta delitiva, tendo estado presente em todos os ordenamentos jurídicos arcaicos, desde o Código de Hamurabi, a Bíblia e a Lei das XII Tábuas.

Beccaria era defensor da proporcionalidade da pena (que deve haver proporcionalidade entre o delito cometido e a sanção imposta) e sua humanização. O legado deste último é refletido nas palavras conclusivas de seu livro: "De tudo o que acaba de ser exposto pode deduzir-se um teorema geral utilíssimo, mas pouco conforme ao uso, que é o legislador ordinário das nações. É que, para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser essencialmente pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstancias dadas, proporcionada ao delito e determinada pela lei". Não obstante, não renuncia à idéia de que a prisão tem um sentido punitivo e sancionador, mas insinua um fim reformador da pena privativa de liberdade.

1.    BECCARIA E A ATUALIDADE

Na época de Beccaria, a idéia geral é de que as penas constituíam uma vingança coletiva, bem diferente do momento atual onde a pena visa a ressocialização do condenado, e a pena de prisão tem como objetivo separar o preso da sociedade. Abrindo possibilidade de que os presos que foram condenados por crimes de pouca periculosidade não sofram o encarceramento, mas, penas de prestação de serviços a sociedade, penas restritivas de direito e penas pecuniárias. Portanto, há uma grande diferença no pensamento do século XVIII e em relação à visão atual. 

No que diz respeito à utilidade, talvez por influência de Helvetius, Beccaria ensina que o método de punição a ser escolhido deve ser aquele que melhor sirva ao interesse público maior, o bem estar social, visto que para ele o propósito da punição é a criação de uma sociedade cada vez melhor e não, tão somente, a vingança. Além disto, a punição deve ter dois objetivos principais: impedir que os indivíduos cometam crimes e impedir a reincidência criminal.

Outro preceito de Beccaria é o julgamento “por seus iguais”; também prevê a recusa das pessoas que irão integrar os jurados, pelos patronos das partes (hoje adotado no tribunal do júri).

Quanto às testemunhas, ela mostra a importância do juiz e dos jurados (no caso de tribunal do júri) “sentirem” o depoimento, avaliarem através dos gestos, olhar, expressão e tom de voz, se há verdade ou mentira no depoimento.

Uma de suas teses é a igualdade dos criminosos que cometem o mesmo delito, perante a lei: no tempo de Beccaria o sistema penal adotado contemplava a distinção entre as classes sociais. O autor desenvolve o seu trabalho baseando-se, principalmente, nas teorias do contrato social, do utilitarismo, da associação de idéias e do humanitarismo, ou seja, é por excelência um pensador iluminista.

Ele formula preceitos de ordem processual penal, ao falar a respeito de acusações, interrogatórios, juramentos, depoimento de testemunhas; até chega a comentar a mais repulsiva forma de “extrair a verdade” que o homem conhece, ou seja, a tortura. E demonstra a sua total inutilidade, quando mostra que o sujeito culpado, mas, robusto pode se sair muito bem de uma sessão de tortura ao passo que o inocente franzino cederá facilmente e confessará qualquer coisa para se ver livre da dor e do sofrimento.

1.    DAS PENAS

Para Beccaria, a origem do direito de punir é a segurança geral da sociedade. A aplicação das penas não deve traduzir coletiva, mas, antes, ter em mira a justiça, a prevenção do crime, e a recuperação do criminoso. Nessa matéria é o bem comum que está em jogo, devendo visar tão-somente à defesa da coletividade e à utilidade pública. Dentro desta linha de pensamento, Beccaria afirma a inutilidade da pena de morte e do direito de vingança.

Não deixa de mencionar, a necessidade da publicidade e da presteza das penas. Nos dias de hoje vemos os jornalistas e outros comentadores reclamarem da “certeza da punição”, como algo muito mais eficaz que a criação de penas longas, no combate e prevenção a criminalidade.

Beccaria, busca na celeridade da aplicação da pena, uma forma de impedir outros delitos, afirmando categoricamente que não há justificativa para punições severas, tendo por base a limitação de quanto tormento pode-se impingir a alguém e de quanto sofrimento um indivíduo seja capaz de suportar.

A finalidade da pena não é desfazer um delito já cometido, nem atormentar, e afligir um ser sensível, mas sim impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e demover os outros de agir desse modo. A pena deve causar mais eficácia sobre o espírito dos homens, e menos temerosa no corpo do réu.

Para isso, Beccaria examina e esclarece a origem das penas, e o fundamento do direito de punir, questionando ainda o sentido de se levar a cabo os “tormentos e torturas”, e a eficácia desses métodos. O direito de punir se fundamenta no que ele chama de “coração humano”, ou seja, nas paixões mais autênticas do ser humano, que é um ser egoísta e com tendência ao despotismo, com a maioria dos indivíduos estando longe de se ater aos princípios estáveis de conduta. O direito de punir deve ir até o ponto de fazer justiça; se for, além disso, será “abuso”. Segundo Beccaria, uma pena justa precisa ter apenas o grau de rigor suficiente para afastar os homens da senda do crime.

A certeza de um castigo, mesmo moderado, sempre causará mais intensa impressão do que o temor de outro mais severo, pois, os males, quando certos, sempre surpreendem os espíritos humanos, enquanto a esperança afasta a idéia de males piores, principalmente quando a impunidade assim proporciona. A própria atrocidade da pena faz com que tentemos evitá-la com audácia tanto maior quanto maior é o mal e leva a cometer mais delitos para escapar à pena de um só. Para que a pena produza efeito, basta que o mal que ela inflige exceda o bem que nasce do delito, devendo ser calculada a infalibilidade da pena e a perda do bem que o crime deveria produzir. Duas conseqüências derivam da crueldade das penas, contrárias ao próprio fim de prevenir delitos. A primeira é que não é tão fácil preservar a proporção essencial delito/pena, a segunda é que a própria impunidade nasce da atrocidade dos suplícios.

Um dos maiores problemas que o direito penal enfrenta é o de encontrar uma pena que seja proporcional, principalmente quando se tem em mira a descoberta de sanções alternativas à pena privativa de liberdade, que procuram retribuir o “mal” praticado pelo agente, sem restringir demasiadamente a dignidade humana.

Em matéria penal, a exigência da proporcionalidade deve ser determinada mediante um juízo de ponderação entre a carga coativa da pena e o fim perseguido pela cominação penal. É com base no princípio da proporcionalidade que se pode afirmar que um sistema penal somente estará justificado quando a soma das violências – crimes, vinganças e punições arbitrárias – que ele pode prevenir, for superior à das violências constituídas pelas penas que ele pode cominar.

Sendo assim, uma pena deve ser sempre necessária, adequada e proporcional ao mal praticado pelo transgressor e aos fins visados pelo direito penal. É o que se pode extrair da parte final do artigo 59 do Código Penal Brasileiro.
Uma pena só será necessária se não houver outra forma de se atingir a reprovação e, principalmente, a prevenção do delito. Portanto, deve a pena ser, qualitativa e quantitativamente, necessária.

Quanto mais rápida a pena, mais será justa e mais será útil. Mais justa, pois poupa o réu dos tormentos cruéis da incerteza que floresça sua imaginação. Mais útil, pois quanto mais rápido se percorre a distância entre o delito e pena, mais durável se forma no espírito humano a associação entre ambos.

Segundo ele, “para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser, essencialmente, pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas respectivas circunstâncias, proporcional ao delito, e determinada por uma lei”

Em se tratando das penas, Beccaria contempla métodos de maior eficácia e menor crueldade, que resultem em impressões mais duradouras e menos degradantes ao próprio espírito humano, pois somente no mesmo sentido deste e em sua razão é que as penas devem ser aplicadas.

1.    DOS DELITOS

Segundo Beccaria, os delitos dividem-se entre aqueles que tendem diretamente contra a sociedade ou aqueles que a representam, contra a vida, os bens ou a honra de um indivíduo ou simplesmente atos contra o que a lei prescreve para o bem público. Em suma, cada cidadão pode fazer tudo que não seja contrário às leis.
Os delitos mais danosos, aqueles que destroem imediatamente a sociedade ou quem a representa, são chamados delitos máximos de lesa-majestade. Cada delito embora privado ofende a sociedade, mas nem todo delito procura a destruição imediata dessa mesma sociedade. Entre os maiores crimes encontramos aqueles que não vão contra a segurança e a liberdade dos cidadãos comuns, pois destroem as idéias de justiça e dever, sobressaindo o direito do mais forte, perigoso não só para quem o exerce, como também para quem o suporta.

Deve, pois, serem punidos com penas corporais todo delito que atente contra a vida ou a liberdade dos indivíduos, sejam aqueles cometidos na forma do assassínio, sejam aqueles praticados a violência, devem ser punidos com a infâmia aqueles delitos praticados contra a honra, uma vez que tendo a pena o mesmo objeto da agressão (a honra), será o indivíduo punido na mesma medida do mal a que tiver desprendido. Assim deve se processar em relação aos crimes de injúria e difamação.

Sobre o que seria a “exata medida dos delitos”, seria ele o prejuízo efetivamente causado à sociedade; além disso, o autor volta a citar Deus, fazendo referências ao pecado ou à ofensa em relação a Deus, que se refere à maldade no coração de cada um.
Uma vez que o objetivo maior de toda sociedade é garantir a segurança de seus concidadãos, deve, pois aquele que contra esta atente sofrer as penas mais graves. Beccaria estabelece uma relação entre o grau sociocultural do indivíduo e a gravidade da pena, uma vez que tanto mais funesta é a pena contra aquele que tiver maior grau de cultura, justamente por ser mais sensível.

As informações de um determinado século são as bases morais dos séculos seguintes. Assim, nasceram às nações de honra e virtude, obscuras, pois mudam constantemente no tempo. Mudam como o curso dos rios e como as montanhas, que marcam freqüentemente os limites não só da geografia física, como também da geografia moral. Deve haver uma proporção de gravidade entre delitos e penas, guiadas pelos costumes e moral humano. Se a pena igual for cominada a dois delitos o que desigualmente derem a sociedade, os homens não encontrarão nenhum obstáculo mais forte para cometer o delito maior, se disso resultar maior vantagem.

Melhor prevenir os crimes que puni-los. Esta é a finalidade de toda boa legislação, conduzir os homens à felicidade. Entretanto, os meios empregados até agora têm sido, em maioria, falsos e contrários ao fim proposto. Proibir grande quantidade de ações diferentes não é prevenir delitos que delas possam nascer, mas criar novos. Para prevenir os delitos, devemos fazer com que as leis sejam claras e simples, e que toda a força da nação se condense em defendê-las. Devemos fazer com que as leis favoreçam menos as classes dos homens que os próprios homens, com que os homens as temam, e não temam os próprios homens. 

Assim, segundo o autor, por ser o delito uma ameaça ao bem comum, uma conduta reprovável pela sociedade, seu impacto deve ser medido de acordo com o grau de ameaça que a conduta produz à coletividade e aos principais valores que norteiam a sociedade, estabelecendo-se penas mais rigorosas para aquelas condutas que oferecem uma maior ameaça ao bem-público e penas menos rigorosas para as de menor potencial ofensivo. Não é preciso ser especialista em Direito Penal para perceber a influência de tal pensamento em nossa Ciência Criminal, visto que as penas presentes no código penal são previamente cominadas obedecendo a uma proporção entre elas e os delitos que se destinam a prevenir e punir. Baseado nisso, Beccaria estende seu raciocínio, observando mais um indício da ineficácia na maneira de punir do “Antigo Regime”, pois, devido sua postura meramente vingativa, assumia um caráter paliativo, temporário e isolado, sem se preocupar com o efeito secundário que as práticas ocasionariam.

Se o prazer e a dor são os dois grandes motores dos seres sensíveis; se, entre os motivos que determinam os homens em todas as suas ações, o supremo Legislador colocou como os mais poderosos as recompensas e as penas; se dois crimes que atingem desigualmente a sociedade recebem o mesmo castigo, o homem inclinado ao crime, não tendo que temer uma pena maior para o crime mais monstruoso, decidir-se-á mais facilmente pelo delito que lhe seja mais vantajoso; e a distribuição desigual das penas produzirá a contradição, tão notória quando freqüente, de que as leis terão de punir os crimes que tiveram feito nascer.”

Deste modo um crime contra a honra punido será através do ataque à própria honra do agressor. Apenas em relação aos crimes contra a vida e os crimes de violência abre-se uma exceção, devendo ser punido através da privação da liberdade do agressor, uma vez que a barbárie nada iria adicionar ao espírito senão o próprio incentivo a pratica desta. Infelizmente, em determinado ponto de sua obra, Beccaria nos priva do que talvez fosse uma grandiosa contribuição ao pensamento humano, ao deixar de abordar alguns temas relativos à sua época é à sociedade em que vivia, talvez por medo de alguma represália.

1.    O PROCESSO, PRISÃO, TESTEMUNHAS

A lei deve estabelecer de forma fixa as circunstâncias e por quais indícios um indivíduo pode ser preso. O recurso à prisão deve apenas ser adotado quando impossível a aplicação de outra forma de sanção que não restritiva de liberdade. Não deve, pois a prisão deixar nenhuma mácula ou nota de infâmia sobre aquele cuja inocência fora juridicamente reconhecida. Já em relação aos indícios, Beccaria afirma que quando as provas de um delito são apoiadas entre si, devem ser desconsideradas, uma vez que se retirando uma delas, as outras perderão sua força. Somente provas independentes, provadas separadamente é que devem ser consideradas.

Em se tratando das testemunhas, devem seus depoimentos serem levados em consideração de acordo com o grau de interesse que estas tenham em dizer a verdade. Da mesma forma os juramentos devem ter pouca credibilidade, por se tratarem de uma contradição, uma vez que irracional é o interesse de jurar em prol da própria destruição ou da de alguém com que se tenha afinidade. Qualquer testemunho prova ou acusação deve ser pública, para que transcorra livremente o curso da justiça.

A pena de prisão é um remédio opressivo e violento, de conseqüências devastadoras sobre a personalidade humana, e que deve ser aplica, como verdadeira medida de segurança, aos reconhecidamente perigosos. Há resistências a essa posição, por uma espécie de reação instintiva, que atua no sentido de agravar o sentimento de insegurança resultante do inegável aumento de criminalidade, cujas causas geradoras são bem conhecidas: a miséria, a fome, o desemprego, a injustiça social. Há as causas individuais, os deficientes mentais, os portadores de distúrbios psíquicos, alcoólatras, dependentes de drogas, etc.
A prisão atinge o condenado ou o preso preventivamente em sua integridade física e em sua integridade moral. Ela “leva à submissão passiva ou, ao contrário, a um estado de revolta que se traduz por uma agressividade crescente e pelo recurso à violência, de que as sublevações penitenciárias são a expressão.”

A prisão é uma escola de reincidência, uma forma de destruir a personalidade do preso, de deformá-la e de corrompê-la. Além de tudo ela é um instrumento muito caro. O custo de um preso, segundo pesquisas por, varia muito, segundo a localidade. As informações obtidas oscilavam entre três e sete salários mínimos (nas Penitenciárias). E o preço da construção e da aparelhagem para o funcionamento de um presídio? Veja-se que é como construir um hotel ou uma escola, ou talvez mais, porque a prisão necessita de pessoal especializado, de enfermaria, de cozinha, de escola, etc.

De tudo isso resulta, nunca é demais repetir, que a prisão, como método penal, está condenada pela ciência e pela experiência de todos os povos. É certo que a privação da liberdade, para combater o crime, está arraigada na consciência social. Se assim é, procuremos torná-la o menos nociva possível, reduzindo-a ao máximo, aos reconhecidamente perigosos. Devem ser adotadas e ampliadas às modalidades alternativas da prisão, algumas já incorporadas às legislações. São formas de condenação sem o labéu da prisão, sem a marca da cadeia, sem o ferrete do cárcere, enfim, sem o estigma que dificulta senão impede a sua reinserção na comunidade. Outras alternativas serão encontradas no dia-a-dia da aplicação de uma política criminal inteligente e criativa, que, após a fase do estéril tecnicismo nazi-fascista, envereda novamente por seu caminho luminoso de proteção e garantia dos direitos humanos

O mais bárbaro dos procedimentos de obtenção da verdade é, pois a tortura, que nada aufere senão a incerteza, uma vez que o acusado acaba quase sempre por acusar a si mesmo para eximir-se de um suplício iminente, mesmo sendo inocente. Em contrapartida, aquele que suportar o suplício, pode safar-se da acusação, mesmo sendo culpado. È querer subverter a ordem das coisas exigir que um homem seja ao mesmo tempo acusador e acusado, que a dor se torne o caminho da verdade. A confissão do réu, exigida em alguns tribunais , é como se fosse uma confissão do pecado , como parte essencial do sacramento. Um motivo usado no século XVIII, pela tortura é a purgação da infâmia. Sendo, pois ridículo devido ao fato de a própria tortura, ocasionar real infâmia em suas vítimas. Substituirá assim a infâmia pela Infâmia.

Outro motivo para o uso de tortura é quando o réu cai em contradição durante interrogatório acabando por mesmo sendo inocente, se declarar culpado para assim cessar o tormento. Se a verdade dificilmente aparece sob interrogatório de um homem de fisionomia tranqüila, tampouco oferecerá naquele cuja feição é de dor e sofrimento, mal tendo consciência do verdadeiro e do falso. Mais uma justificativa para a tortura é o que tem intenção de delatar os cúmplices, mas por assim ser torna-se falha, pois o homem não pode ser punido pelo crime alheio. Um homem delataria mais facilmente outro homem, que senão a si mesmo.

1.    DA PENA DE MORTE 

A morte é verdadeiramente útil e justa em governos bem organizados? Qual o direito que o homem tem de matar seu semelhante? Essas indagações levam a crer que a pena de morte não é um direito, mas é a guerra da nação contra o cidadão, que ela julga útil ou necessário matar.


No entanto, a morte não é útil nem necessária. Não pode crer-se necessária a não ser por dois motivos: o primeiro quando, também privado de liberdade, ele tenha ainda relações e poder tais que possam afetar a segurança da nação; o segundo quando sua existência possa produzir perigosa revolução para a forma de governo estabelecida. Nãose vê nenhuma necessidade de destruir o cidadão, a não ser que tal morte fosse o único e verdadeiro meio capaz de impedir que outros cometessem crimes, razão suficiente que tornaria justa e necessária a pena de morte. Não é o grau intenso da pena que produz maior impressão sobre o espírito humano, mas sim sua extensão, afetando-o por impressões mínimas, porém renovadas. Ou seja, não é o terrível, mas passageiro, espetáculo da morte de um criminoso, mas sim o longo e sofrido exemplo de um homem privado de sua liberdade, é que constitui o freio mais forte contra os delitos. Para que a pena seja justa, só deve a mesma ter os indispensáveis graus de intensidade suficientes para afastar os homens dos delitos. 

Ora, não há ninguém que, refletindo a respeito, possa escolher a total e perpétua perda de liberdade, por mais vantajoso que o delito possa ser. Além disso, atrás de gaiolas de ferro, o desesperado não põe fim a seus males, como acontece com a morte, mas apenas os começa. Os momentos infelizes da prisão e escravidão são espalhados por toda a vida, enquanto a morte concentra toda a força num só momento. O criminoso sofrerá mais no cárcere do que se condenado a pena de morte. A pena de morte também não é útil pelo exemplo de crueldade que oferece ao homem. Se as paixões ou necessidades da guerra o ensinaram a derramar sangue humano, parece absurdo que as leis moderadoras da conduta humana, expressão da vontade pública, que repelem e punem o homicídio, o cometam elas mesmas.

1.    INTERPRETAÇÃO DAS LEIS

A MORAL política não pode proporcionar à sociedade nenhuma vantagem durável, se não for fundada sobre sentimentos indeléveis do coração do homem. Toda lei que não for estabelecida sobre essa base encontrará sempre uma resistência à qual será constrangida a ceder.

As leis, assim como não devem ser “interpretadas”, também não podem ser alheias ou obscuras aos cidadãos. Quanto maior for o número dos esclarecidos sobre o texto legal, menor será o número de delitos, pois a ignorância contribui para o despertar das paixões. No mero social, portanto deve haver um monumento estável do pacto social, para que assim, as leis possam resistir ao tempo e às paixões.

Ele reverencia a Lei, demonstrando de forma cabal que nada nem ninguém deve ser maior que a Lei. A Lei, depois a Lei, e a Lei, para só depois se usar dos institutos auxiliares do Direito. Beccaria, naquele momento hasteava de forma brilhante a fulgurante bandeira do Estado Democrático de Direito. Beccaria anotou:

Só as leis podem fixar as penas de cada delito e que o direito de fazer as leis penais só pode residir na pessoa do legislador, que representa toda uma sociedade unida por um contrato social, que o magistrado que também é membro dessa sociedade não pode com justiça infligir a outro membro da sociedade uma pena que não seja estatuída por lei e, a partir do momento que o juiz é mais severo que a lei, ele é injusto, pois aumenta um novo castigo ao que já foi prefixado. Depreende-se que nenhum magistrado pode, mesmo sob o pretexto do bem público, aumentar a pena pronunciada contra o crime de um cidadão.

Ele entendia que a prática política ou social de aplicar punições ou criar novas atitudes senão por força legal, atentaria diretamente contra a sociedade e contra o sistema jurídico, ultrajando, assim, a segurança que o cidadão deveria ter nos seus representantes.

Sem dúvida, o maior erro nas legislações é o caráter punitivo, e não preventivo. É bem melhor prevenir os crimes a ter de remediá-los. Basta que as leis sejam claras e que não se destinem a interesses particulares. Que sejam as leis bem difundidas e aceitas dentre os concidadãos, que passarão a ser não a vítima delas, mas sim, seus defensores. Que as normas sejam baseadas não nos interesses particulares, mas inspiradas no bem comum e de acordo com a razão e a natureza dos sentimentos dos próprios homens.

Beccaria em sua introdução, fala sobre a origem ideal das leis, que devem ser produzidas a fim de se beneficiar a sociedade como um todo, evitando que sua elaboração fosse animada por sentimentos egoístas da minoria prestigiada com o poder, seguindo a regra de sua época.

Abramos a história, veremos que as leis, que deveriam ser convenções feitas livremente entre homens livres, não foram o mais das vezes, senão o instrumento das paixões da minoria, ou o produto do acaso e do momento, e nunca a obra de um prudente observador da natureza humana, que tenha sabido dirigir todas as ações da sociedade com este único fim: todo o bem-estar possível para a maioria.” 

Beccaria propor que para a determinação da prática de crime por um indivíduo, é necessária a existência de leis escritas e fixas, ou seja, que não possam ser mudadas por conveniência dos envolvidos, que reservem ao magistrado apenas a tarefa de determinar se o ato (conduta) praticado pelo acusado enquadra-se, molda-se ao comportamento que a lei prevê para que se configure a prática do delito. Dessa forma, o autor inova trazendo os primeiros conceitos que levaram à formulação do instituto jurídico da tipicidade, conseqüência direta do Princípio da Legalidade e um dos elementos determinadores da culpabilidade do agente.

Segundo ele, para se atingir o fim proposto por sua teoria, as leis devem ser claras e simples em sua definição, a fim de que seus aplicadores não as tenham que interpretar e, ainda, para que todas as pessoas as possam entender, de um modo a oferecer uma aplicação igualitária a todos àqueles que tenham cometidos delitos da mesma natureza. Em outras palavras, o autor, deixa claro que a idéia de proporcionalidade deve ser aplicada aos delitos e às penas, excluindo desta feita as diferenças entre classes sociais, ou seja, para cada delito a sua pena e, não para cada homem um julgamento diferenciado em relação aos delitos de mesma natureza.

1.    PARALELO COM A ORDEM JURÍDICA VIGENTE NO BRASIL

É possível fazer um paralelo com a ordem jurídica vigente no Brasil, precisamente com a Constituição Federal de 1988. Quando Beccaria fala da necessidade de leis claras e propõe critérios objetivos para que o magistrado determine a prisão de alguém, lembramos do que dispõe o artigo 93, nos incisos IX e X da Constituição Federal respectivamente :

- “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentados todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, as próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes”;

- “as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas,...”

Ou seja, todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas, com a devida transparência, evitando assim os ditos subjetivismos. 

Ele ataca a tortura, como meio de confissão e hoje encontramos na nossa Constituição Federal precisamente no artigo 5°:

II I- ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

LV I- são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;

A atualidade da obra Dos Delitos e das Penas é inquestionável, já que os delineamentos por ela traçados serviram como diretrizes para os princípios hoje defendidos.

No capítulo VI “Da prisão” também vamos encontrar comentários compatíveis com a Constituição Federal atual precisamente o artigo 5°. nos incisos LXI, LXII, LXIII, LXIV LXV LXVI. 

Beccaria é ferrenho opositor da pena de morte e a nossa Constituição Federal somente adotou a pena de morte em caso excepcional. (XLVII – não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;) igualmente ele aceita a pena de morte apenas em caso excepcional , equivalente ao sistema adotado no Brasil. Ainda nesse sentido nossa Constituição Federal determina no inciso XLIX: é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

Em várias passagens Beccaria, mostra a importância da individualização da pena e tal principio hoje vem previsto no caput do inciso XLVI. Bem como no inciso XLV (XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado,...).

Beccaria comenta a importância do julgamento “por seus iguais”, e a nossa Constituição Federal prevê a instituição do júri (inciso XXXVIII) e assegura: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;

A preocupação de Beccaria no estudo exaustivo dos delitos e das penas era idealizar no final uma sentença justa e pura.

Algumas críticas que Beccaria faz aos legisladores da sua época parecem ter sido feitas para os legisladores atuais, sobretudo, pelo debate que está sendo travado pela população e seus representantes sobre a lei do desarmamento e das falências. A seguir um trecho do pensamento de Beccaria sobre o desarmamento: "as falsas idéias feitas pelos legisladores a respeito de utilidade são uma das fontes mais abundantes de erros e injustiças’’...

"Podem do mesmo modo ser tidas como contrárias ao fim de utilidade as leis que proíbem o porte de armas, pois apenas desarma o cidadão pacífico, enquanto deixam a arma nas mãos do criminoso, muito habituado a violar as convenções mais sacras para respeitar aquelas que são somente arbitrárias."

Beccaria também fala sobre o crime de contrabando e das falências e em poucas linhas faz menção aos crimes de grande repercussão em que as autoridades se sentem forçadas a tomar atitudes muito mais rigorosas com os criminosos por conta da opinião pública.
Nessas e em muitas outras questões podemos constatar a atualidade do pensamento de Cesare Beccaria e a sua influência no nosso ordenamento jurídico.

Precursor da defesa e do respeito aos direitos humanos, Beccaria conclui o seu livro com estas palavras de espantosa atualidade: “De tudo o que acaba de ser exposto pode deduzir-se um teorema geral utilíssimo, mas pouco conforme ao uso, que é o legislador ordinário das nações. É que, para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser essencialmente pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcionada ao delito e determinada pela lei.”

9.CONSIDERAÇÕES FINAIS

O significado da obra de Beccaria vai mais além, uma vez que depreendemos de seu trabalho, ser ele uma pessoa de idéias avançadas para o seu tempo. Em seu livro, encontramos, talvez, o que seriam as primeiras linhas do Direito Penal e alternativo moderno. O autor, especificamente, dedica um capítulo de sua obra à exposição de que em relação a certos crimes, aqueles considerados de pequeno potencial lesivo, deveria haver a aplicação de penas alternativas à pena de prisão como, por exemplo, as multas e os serviços prestados à sociedade.

A obra “Dos delitos e das penas” questiona as penas puramente repressivas, afirmando que nem a tortura física, nem a aplicação da pena capital funcionam como instrumento de intimidação e recuperação. Defende que a criação das leis e a origem das penas leis têm como função dar segurança e garantir as liberdades do homem. Sustenta a necessidade de manter a integridade física do delinqüente, e dessa forma, é contra a instauração da pena de morte, defendendo que esta não encontra nenhum respaldo legal, não se apoiando em nenhum direito. Um novo fundamento à justiça penal é proposto: a moralização do homem.

 Todos devem conhecer a legislação, pois quanto maior for o número de pessoas que entenderem e tiverem nas mãos código das leis, tanto menos freqüentes serão os delitos, pois é certo que a ignorância e a incerteza das penas contribuem para a eloqüência das paixões. E para isso, as leis devem ser claras e precisas.

Beccaria foi um criador, abriu clareiras que ainda hoje iluminam o pensamento jurídico, ligando processo e pena numa incindível unidade lógica, na defesa dos direitos humanos e contra a pena de morte, a tortura, as condenações excessivas. A pregação de Beccaria é hoje um patrimônio comum da ciência penal. Ninguém, como ele, exerceu tanta influência na legislação posterior. Todos ficaram dominados pela sobriedade clássica do seu estilo e, sobretudo, pela segurança e pelo conteúdo político jurídico-ideológico de sua obra, que encarnava naquela época, o progresso, o avanço, o futuro, contra o atraso, o obscurantismo e a decadência da idade média, regida por um sistema de penas brutal e opressivo. Com Beccaria principia a idade moderna do direito penal.

Hoje, Cesare Beccaria é lembrado, por nós, como o pai da Teoria Criminal Clássica e seu livro “Dos Delitos e das Penas” tiveram um longo e duradouro impacto no sistema judiciário. Muitas das reformas preconizadas por ele podem ser encontradas nas codificações vigentes atualmente vigentes e várias de suas idéias são utilizadas como fundamentos das teorias criminais modernas. Mesmo que sua obra exija uma leitura minuciosa e baseada em algum conhecimento prévio das matérias por ele abordadas, é de importante relevância que todos os operadores do direito tenham contato com o seu texto, uma vez que é um marco e como tal deve ser por todos conhecida e admirada de forma ímpar, tendo-se em vista a profundidade de suas colocações em relação ao modo como deve ser administrada a justiça. 

Ao final, chegamos à conclusão de que Beccaria, fazendo uso do conceito hobbesiano de Estado, elege somente o poder concedido pela reunião das parcelas de vontades individuais como legitimador do direito de punir, pois tal poder externa a vontade da maioria, representada pelo seu soberano. Nesse sentido, Beccaria propõe que para a determinação da prática de crime por um indivíduo, é necessária a existência de leis escritas e fixas, ou seja, que não possam ser mudadas por conveniência dos envolvidos, devendo ser elaboradas por homens livres, de maneira uniforme em cada território, a fim de que não ocorram interpretações diferentes espalhadas ao longo do mesmo, evitando-se o arbítrio da minoria privilegiada.

10.REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BECCARIA, Cesare – Dos delitos e das penas, Nacional, Edistora Martin Claret, 2002



Resumo: Inquérito Policial

  Conceito O Inquérito Policial (IP) é um procedimento administrativo conduzido pela polícia judiciária para apuração preliminar da prática ...