Prof.: Milton I.
Heinen
CAPITULO V -
Legislação:
Estatuto da Terra (Lei 4.504/64) –
artigos 92 a
96
Lei
nº 4.947/66 – artigos 13 a
15
Decreto
nº 59.566/66 – regulamenta a legislação.
Código
Civil – Orientação geral e aplicação subsidiária.
(arat. 421 – f. Social do contrato).
1. CONSIDERAÇÕES
GERAIS
1.1. Referências históricas:
Nosso ordenamento jurídico, até o advento do código Civil
de 1.917, era completamente omisso no tocante à regulamentação das relações
jurídicas contratuais relacionadas com as atividades agrárias. A Lei de Terras
( de 1850) silenciou a respeito do tema. Nem mesmo a proclamação da república
mudou este quadro. Assim, as primeiras regras reguladoras dos contratos
agrários estão inseridas no Código Civil de 1.916/17, que estabelecia disposições especiais aplicáveis aos prédios
rústicos (artigos 1.211 a
1215), e regras referentes à parceria agrícola (artigos 1.410 a 1.423).
O Código Civil de 1.916, apesar da economia da época ser
essencialmente agrícola, é eminentemente urbano. Por isso estabeleceu poucas
regras especificamente aplicáveis ao meio rural de forma a considerar
proprietários e parceiros ou arrendatários como se fossem efetivamente iguais.
É possível identificar considerável aperfeiçoamento na
regulamentação dos contratos agrários a partir das normas editadas através do
Estatuto da Terra, a partir do qual os contratos agrários passaram a ter
regulamentação própria. Ainda assim, mesmo levando-se em conta maior limitação
da liberdade contratual das partes envolvidas, dadas as imposições legais, não
é possível dizer que houve real evolução dos contratos agrários a partir da Lei
no 4.504/64, uma vez que
esta não efetuou modificação substancial nos contratos de arrendamento e de
parceria.
O Novo Código Civil (Lei nº 10.406/02), que entrou em
vigor em janeiro/2003, não repetiu os dispositivos anteriores referentes à
locação de prédio rústico e em relação à parceria rural, em função da
legislação específica ( Estatuto da Terra). Quanto ao Comodato, também
aplicável ao meio rural, o novo código repetiu a redação anterior e, no que diz
respeito à empreitada, trouxe algumas alterações, como se pode ver no capítulo
específico (art. 610 a
626).
Mas a grande inovação refere-se aos contratos em geral e,
neste caso, serve como orientação também para os contratos agrários, sejam
nominados ou inominados. Trata-se da inserção do princípio geral da função
social do contrato. O art. 421 do novo Código assim dispõe: “ A liberdade de contratar será exercida em
razão e nos limites da função social do contrato”.
Em relação aos contratos agrários, cujas regras
específicas estão no Estatuto da Terra e seus regulamentos, parte da doutrina
agrarista, mais crítica, entende que não
contribuem para o alcance da justiça social no campo. Como bem ressalta José
dos Santos Pereira Braga ( in Dir. Agrário Brasileiro - org. Raimundo
Laranjeira - Ed. Ltr), “os contratos de
arrendamento e parceria, como estão disciplinados no Estatuto da Terra, constituem verdadeiros óbices à realização
da justiça social no campo e o cumprimento da função social na medida em que,
garantindo o desempenho econômico do imóvel e sua exclusão da reforma agrária,
preterem o acesso do trabalhador à propriedade, com a negação do fundamental
direito à terra.”
Neste sentido, o Estatuto da Terra traz contradições em
seu texto. Se por um lado ( art. 2º) assegura a todos a oportunidade de acesso
à terra, visando alcançar a justiça social (art. 16), por outro lado, na parte
dedicada ao desenvolvimento rural, mais especificamente nos contratos agrários,
acaba por estabelecer restrições ao acesso à terra por parte de quem
efetivamente trabalha a terra.
É necessário entender, contudo, que tanto a propriedade
quanto a posse (agrária) estão condicionados ao princípio da função social e ao
preceito básico de justiça social. Mas, a posse agrária, de quem efetivamente
trabalha a terra, tende a tornar-se mais importante do que a propriedade
estática.
Não resta dúvida, portanto, que os contratos agrários
baseiam-se em princípios e regras especiais, diferentes daquelas que regem os
contratos em geral. Porém,
com nova orientação inserida no novo Código civil (art. 421), o principio da
autonomia da vontade e o princípio de que o contrato faz lei entre as partes,
que já não tinham o mesmo significado no âmbito dos contratos agrários, agora,
com maior ênfase, devem se subordinar à
orientação geral da função social.
Quanto ao cumprimento das regras obrigatórias
estabelecidas em relação aos contratos agrários, o judiciário tem uma
importante tarefa, evidentemente levando em conta os fins sociais da lei (art.
5º da L.I.C.C.), a efetiva garantia da função social do contrato e,
em especial, levando em conta os objetivos estabelecidos no artigo 103 do
Estatuto da Terra.
1.2. Suporte legal atual dos contratos agrários:
Atualmente, a Lei nº 4.504/64 regula os
contratos agrários nos artigos (92
a 96, além das regras estabelecidas pela Lei nº 4.947/66
(artigos 13 a
15), sendo que o regulamento da matéria está no Decreto nº 59.566/66. As
disposições do Código Civil, conforme disposto no art. 92, § 9º da lei nº 4504/64, continuam sendo de aplicação subsidiária.
disposições do Código Civil, conforme disposto no art. 92, § 9º da lei nº 4504/64, continuam sendo de aplicação subsidiária.
1.3. Características dos contratos agrários:
-
São consensuais:
os direitos e obrigações das partes surgem com o simples consentimento das
partes, aperfeiçoando-se com a integração das declarações de vontade dos
declarantes. Porém, para o registro do contrato e nos casos de financiamento, é
evidente e necessário que sejam feitos por escrito.
-
Bilaterais: as
partes se obrigam reciprocamente, com interdependência entre as obrigações.
-
Onerosos: ambas as
partes visam obter benefícios numa relação de equivalência, com obrigações de
ambas as partes, o que apenas não ocorre no comodato, não regulado pela
legislação específica.
-
Comutativos: há
benefícios recíprocos certos, numa relação de equivalência das prestações.
-
De trato
sucessivo: as obrigações são continuadas e não se esgotam numa simples operação
de crédito.
-
Formais: ao menos
em sua maioria, uma vez que devem ser escritos e registrados. Contudo, não há
unanimidade neste aspecto, até porque a lei não exige forma especial para a sua
formação e validade.
-
Maior limitação da
liberdade de contratar, porque a lei estabelece cláusulas obrigatórias e, por
outro lado, direitos e garantias irrenunciáveis, visando a proteção à parte
mais fraca.
2. CONCEITOS
Para Vivanco (apud José Braga - In D. Agrário
Brasileiro), “contrato agrário é a
relação jurídica agrária convencional que consiste no acordo de vontade comum
destinado a reger os direitos e obrigações dos sujeitos intervenientes na
atividade agrária, com relação a coisas e serviços agrários.”
Para Otávio M. Alvarenga ( apud Benedito F.Marques - In
Dir. Agrário Brasileiro, AB Editora), “por
contrato agrário devem ser entendidas todas as formas de acordo de vontade que
se celebrem, segundo a lei, para o fim de adquirir, resguardar, modificar ou
extinguir direitos vinculados à produtividade da terra.” Este conceito,
como se pode verificar, abrange os contratos típicos ( parceria e arrendamento)
e os atípicos.
3. MODALIDADES
Os contratos agrários, à luz da legislação em vigor,
podem ser divididos em contratos nominados
ou contratos típicos, que englobam os contratos de arrendamento e parceria, e
os contratos inominados ou atípicos,
do que são exemplos o comodato, a empreitada, o compáscuo, entre outros. Estes
últimos, mesmo não havendo regra especial definida na lei, devem, como condição
de validade e no que lhes for aplicável, cumprir as regras obrigatórias
estabelecidas para os contratos de parceria e arrendamento. É o que vem
disciplinado no art. 39 do Decreto nº 59.566/66.
4. ELEMENTOS OBRIGATÓRIOS:
Qualquer que seja a forma do contrato e a modalidade
adotada, ficam estabelecidas às partes as seguintes obrigações legais,
independente de estarem inseridos na redação do contrato:
-
conservar os
recursos naturais,
-
dever de proteção
ao mais fraco na relação contratual ( via de regra o arrendatário e o parceiro
outorgado);
-
Observância dos
prazos mínimos estabelecidos por lei;
-
fixação do preço
do aluguel dentro dos limites legais;
-
indenização, com
direito de retenção das benfeitorias úteis e necessárias;
-
proibição de
prestação de serviços gratuitos pelo arrendatário e parceiro outorgado;
-
proibição de
obrigação do arrendatário beneficiar seus produtos na usina do arrendador e de
vender a este os seus produtos. (art. 93 da Lei nº 4.504/64);
-
obrigatoriedade de
cláusulas que assegurem a conservação dos recursos naturais (art. 13,111 da Lei
nº 4.947/66 e art. 13,11 do Decreto 59.566/66);
-
proibição de usos
e costumes predatórios da economia agrícola ( art. 92 do ET; art. 13,I da Lei
nº 4.947/66 e art. 13,VII,b do Dec. Nº 59.566/66);
-
irrenunciabilidade
de direitos e vantagens legalmente definidos em prol do arrendatário e
parceiro-outorgado (art. 13,IV da Lei nº 4.947/66 e art. 13, I do
Dec. 59.566/66).
Além de buscar a preservação dos recursos naturais
renováveis e do meio ambiente em geral, as cláusulas obrigatórias nos contratos
têm também, como finalidade garantir a proteção ao débil econômico, com
fundamento claro de ordem pública, como vem estabelecido no artigo 13 da Lei nº
4.947/66.
5. PARTES:
Os contratos agrários têm como partes contratantes, de um
lado o proprietário ou quem detenha a posse, ou ainda, quem tenha a livre
administração do imóvel rural.
Tratando-se de arrendamento, quem cede a terra é
denominado de arrendante e se for parceria rural, será denominado de parceiro
outorgante (também chamado de parceiro proprietário).
Do outro lado da relação contratual situa-se quem vai
exercer a atividade agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista
(art. 1º do Dec. Nº 59.566/66). Além da terra, o gado, isoladamente,
também pode ser objeto de parceria rural, especificamente a parceria pecuária.
O contratante trabalhador, no arrendamento rural é denominado de arrendatário e
na parceria rural sua denominação é parceiro-outorgado. Tanto o arrendatário
como o parceiro outorgado, podem ser uma pessoa ou o conjunto familiar.
6. DIFERENÇAS ENTRE ARRENDAMENTO E PARCERIA:
A diferença básica está relacionada às vantagens
auferidas pela parte que se dedica à exploração do imóvel.
No contrato de arrendamento rural são cedidos uso e o
gozo do imóvel rural. Assim o arrendatário aufere todas as vantagens do imóvel,
de acordo com o que ficou avençado. Na parceria é cedido apenas o uso
específico do imóvel rural.
O
pagamento do arrendamento é ajustado em quantia certa (em dinheiro), como valor
certo (art. 18 do Decreto), enquanto que na parceria, parceiro outorgante e
parceiro outorgado partilham o resultado obtido.
No arrendamento, os riscos correm por conta do
arrendatário; na parceria rural, espécie de sociedade, os riscos correm por
conta das duas partes, podendo ocorrer a partilha de prejuízos.
7. FORMA DOS CONTRATOS:
Pode ser tanto escrita como verbal, de forma expressa ou
tácita ( art. 92). Contudo, para maior
garantia, convém que os contratos sejam escritos. Nos contratos verbais
subentende-se estarem presentes todas as cláusulas e condições obrigatórias
estabelecidas em lei. O
contrato agrário pode, portanto, ser provado exclusivamente por testemunhas,
independentemente do seu valor.
8. PRAZOS MÍNIMOS LEGAIS: ( regra geral é o prazo mínimo de 3 anos)
Os contratos de arrendamento e de parceria podem ser
celebrados por prazo determinado ou indeterminado. De qualquer forma é
obrigatória a observância dos prazos mínimos estabelecidos na lei. Sendo de
prazo indeterminado, não pode ser extinto antes deste prazo mínimo estabelecido
na lei, presumindo-se feito pelo prazo mínimo de 3 anos.
Quanto ao arrendamento (locação) por prazo
indeterminado, o Estatuto da Terra estabeleceu uma inovação em relação ao
Código Civil de 1.916. Este, na falta de estipulação de prazo certo, previa a
duração necessária a uma colheita.
O artigo 95,I e II e o art. 96,I do ET fixam o prazo
mínimo de 3 anos para os contratos de arrendamento e de parceria, com a
garantia de prorrogação até a ultimação da colheita. A mesma regra vem
estabelecida nos artigos 21 e 37 do Regulamento. No caso da parceria, há o
entendimento de que o prazo é mínimo e
único, de 3 anos. Porém, se a lavoura for permanente, ainda assim o prazo
mínimo deve ser de 5 anos.
O art. 13,II do Regulamento ( Decreto nº 59.566/66)
se encarregou de detalhar os prazos mínimos para as diversas modalidades de
arrendamento, assim estabelecendo:
-
Prazo mínimo de 3
anos de arrendamento para lavoura temporária e/ou pecuária de pequeno e médio
porte (art. 13,II,a);
-
prazo mínimo de 5
anos, nos casos de arrendamento em que ocorram atividades de exploração de
lavoura permanente e ou de pecuária de grande porte para cria, recria, engorda
ou extração de matérias primas de origem animal ;
-
prazo mínimo de 7
anos, nos contratos em que ocorra atividade de exploração florestal.
Os prazos mínimos têm, entre outras, as finalidades de
proteger o débil econômico, ou seja, o arrendatário ou o parceiro-outorgado e
de evitar o mau uso da terra. Neste sentido, quanto maior a duração do
contrato, maior será a possibilidade de obtenção de renda pelo contratado e, ao
mesmo tempo, este se preocupará mais com a preservação ambiental no imóvel
objeto do contrato.
9. ARRENDAMENTO RURAL:
9.1. Conceito:
Arrendamento rural é o contrato agrário pelo qual uma
pessoa se obriga a ceder a outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo do
imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, outros bens,
benfeitorias ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de
exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista, mediante certa retribuição ou aluguel,
observados os limites percentuais da lei (art. 3º do Decreto nº 59.566/66).
Como se verifica no conceito, o arrendatário, em
decorrência do contrato, passa a ter o uso e gozo do imóvel, não estando definido
o tipo de atividade a ser exercida. O uso e gozo supõe o livre exercício de
qualquer atividade agrária licita, observadas as regras legais de uso do solo.
9.2. Valor máximo do arrendamento (preço):
Pelas regras específicas em vigor, o valor do arrendamento
não pode ser ajustado livremente, uma vez que há limites legais. (Estatuto da
Terra, art. 95,XII e art. 17, § 1º do Decreto ), não podendo ser superior a 15%
(no caso de arrendamento total) do valor cadastral do imóvel (valor da terra
nua), acrescido do valor das benfeitorias que entrarem na composição do
negócio. Valor da terra nua é o valor total do imóvel, menos o valor das
benfeitorias, culturas, pastagens cultivadas e florestas plantadas.
Tratando-se de arrendamento parcial, com exploração intensiva
e alta rentabilidade, o preço pode ir ao limite de 30% sobre o valor cadastral
da parte que for arrendada.
Ajuste e pagamento:
O preço do arrendamento sempre deve ser ajustado em dinheiro, em valor certo,
mas o pagamento pode ser efetuado
tanto em dinheiro, como em produtos ou frutos, conforme preço de mercado local,
nunca inferior ao preço mínimo oficial. (art. 18 do Decreto 59.566/66).
9.3
– Obrigações das partes: art. 40 e
41 do Decreto 59.566/66
10. PARCERIA RURAL:
10.1. Conceito: Parceria rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a
ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso específico de imóvel rural,
de parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e ou
facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração
agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa vegetal ou mista; e/ou lhe entrega animais para cria, recria,
invernagem, engorda ou extração de matérias primas de origem animal, mediante
partilha de riscos de caso fortuito e da força maior do empreendimento rural, e
dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem,
observados os limites percentuais da Lei (art. 4º do Decreto 59.566/66).
10.2. Tipos de parceria rural
Parceria agrícola - quando o objeto é a atividade de
produção vegetal.
Parceria pecuária - quando são cedidos animais para cria,
recria, invernagem ou engorda.
Parceria agro-industrial - quando se visa o uso do imóvel
rural e ou de máquinas e implementos para a atividade de transformação de
produto agrícola, pecuário ou florestal.
Parceria extrativa - quando visa a atividade de extração
de produto agrícola, animal ou florestal.
Parceria mista - quando o objeto for a realização de mais
de uma das modalidades acima indicadas.
10.3. Percentuais de participação dos parceiros: art 96,VI e art. 35, § 3º do Decreto nº 59.566/66
.
Apesar da cota máxima estabelecida para a participação do
proprietário nos frutos da parceria, a prática tem levado a relações
contratuais onde as regras legais não são cumpridas. E muito comum a prática da
lavoura à meia (50%), o que não deixa de ser um tipo de parceria, porém, as
condições não são aquelas estabelecidas pela lei, de forma que o parceiro
outorgado normalmente arca com todo o custo de preparo do solo, plantio,
sementes, adubo, etc, e ainda assim, entrega 50% do resultado para o
proprietário.
Contudo, o art. 35, § 3º do Decreto 59.566/66 é claro ao
dispor que “não valerão as avenças de
participação que contrariarem os percentuais fixados neste artigo, podendo o
parceiro prejudicado reclamar em Juízo contra isso e efetuar a consignação
judicial da cota que, ajustada aos limites permitidos neste artigo, for devida
ao outro parceiro, correndo por conta deste todos os riscos, despesas, custas e
honorários advocatícios”.
Caso o parceiro outorgado tenha entregue percentual maior
do que o máximo previsto por lei, terá direito ao ressarcimento do excedente ou
à correspondente indenização.
Em relação à parceria, o legislador não desceu aos mesmos
detalhes como fez em relação ao arrendamento rural, mas indicou que as regras do arrendamento são de
aplicação subsidiária à parceria, aplicando-se no que couber ( art. 96,VII da
Lei nº 4.504/64).
10.4. A falsa
parceria:
O Estatuto da Terra, através do disposto no parágrafo
único do artigo 96, busca identificar a falsa parceria, nas situações em que o
trabalhador é pago em parte em dinheiro e parte em produto, sempre que a
direção dos trabalhos seja de inteira responsabilidade do proprietário. Nestas
condições, quando não vigoram, na prática, os elementos societários
caracterizadores da parceria, está-se efetivamente diante de um contrato de
trabalho, regulado pela legislação trabalhista. Esta é uma das razões do grande
questionamento feito pelo agrarismo à legislação que disciplina a parceria, na
medida que não se afina com a busca da justiça social e o acesso do trabalhador
à propriedade da terra.
11. PRORROGAÇÃO DOS CONTRATOS
A prorrogação tem por finalidade
assegurar ao arrendatário e ao parceiro outorgado os resultados do negócio,
dilatando-se o prazo estipulado, nas mesmas condições, por atraso na colheita,
no abate dos animais ou na parição do rebanho.
12. RENOVAÇÃO DOS CONTRATOS E DIREITO
DE PREFERÊNCIA:
A renovação consiste na repetição do contrato entre as mesmas
partes, repetindo-se as condições anteriores, ou com as modificações que
ficarem ajustadas.
Não havendo prazo de duração estipulado para o contrato,
subentende parte da doutrina que, após o decurso do prazo mínimo legal, sem que
haja notificação no prazo certo para a extinção do contrato, este se renova nas
mesmas condições para mais um prazo mínimo estabelecido em lei. Para outros, uma
vez ultrapassado o prazo mínimo da lei, é possível, a qualquer tempo, o
encerramento do contrato, com a notificação pelo proprietário, com antecedência
mínima de 6 meses.
Arrendatário e parceiro outorgado têm preferência em
igualdade de condições com terceiros, para a renovação do contrato. Neste
sentido, havendo proposta oferecida por terceiro, o arrendatário ou o parceiro
outorgado, deve ser notificado desta intenção e das condições da oferta, no
prazo de 6 meses antes do vencimento do contrato (art. 95,IV do ET), tendo,
após notificado, 30 dias para requerer a sua preferência, sendo que o silêncio
é traduzido em renúncia do exercício deste direito.
Não havendo notificação, o contrato considera-se
automaticamente renovado. (art. 95,IV).
A retomada para
uso próprio obedece às mesmas regras, e prazos de notificação, conforme
disposto no art. 95,V do ET.
13. ALIENAÇÃO DO IMÓVEL: não interrupção do contrato. Preferência.
Em caso de alienação do imóvel, a lei (art. 92, § 3º do
ET) garante o direito de preferência ao arrendatário, nas mesmas condições,
para a aquisição do imóvel. Entende-se que esta garantia também é extensiva à
parceria, por exegese do disposto no artigo 96,VII do ET, uma vez que manda
aplicar à parceria, no que couber, as normas pertinentes ao arrendamento rural.
Para o exercício do direito de preferência, o
proprietário deverá dar conhecimento, mediante notificação, do teor da proposta
de aquisição (preço e demais condições) oferecida por terceiro. Notificado, o
ocupante do imóvel terá o prazo de 30 dias para se manifestar quanto ao seu
interesse, sendo que o silêncio importa em renúncia tácita.
Esta simples preferência, na prática não dá efetiva
proteção ao arrendatário ou parceiro outorgado, além de não considerar o
trabalho desenvolvido na terra, do qual resultou a efetiva valorização da
terra. De fato, a regra da lei impõe ao arrendatário e ao parceiro outorgado, a
única vantagem de comprar a terra a preço de mercado, depois de tê-la
beneficiado e valorizado, cuja vantagem fica com o proprietário e,
eventualmente com terceiro. Como é óbvio, a maioria dos trabalhadores não têm
recursos para disputar a terra em igualdade de condições com terceiros, razão
porque a garantia do §4º do art. 92 do ET acaba não sendo exercida. Nesta
situação caberia a concessão de crédito especial para a aquisição do imóvel.
Sendo o imóvel vendido a terceiro, no decorrer do
contrato de arrendamento ou de parceria, este fato não interrompe o contrato,
ficando o adquirente sub-rogado nos direitos e obrigações do alienante (art.
92, § 5º do ET).
14. EXTINÇÃO DOS CONTRATOS: (art. 26
a 34 do Dec. 59.566/66).
14.1. Causas de extinção:
-
Término do prazo
contratual - não tendo ocorrido a renovação do mesmo por falta de iniciativa do
arrendatário ou parceiro-outorgado, ou por não ter exercido o seu direito de
preferência. Não havendo interesse na renovação, o arrendatário ou parceiro
outorgado deverá notificar o outro contratante, no prazo dos 30 dias entre os 6
meses e os 5 meses antes do término do prazo do contrato.
-
Por efeito de
retomada: quando o arrendador ou parceiro-outorgante quer o imóvel para cultivo
próprio ou através de descendente seu ( art. 22, § 2º e art. 26,II do Decreto
59.566/66). A retomada depende de notificação ao arrendatário ou
parceiro-outorgado até seis meses antes
do vencimento do contrato, caso contrário, o contrato se renova
automaticamente.
-
Por efeito de
confusão: quando a mesma pessoa passa à posição de arrendador e arrendatário ou
parceiro-outorgante e parceiro-outorgado.
-
Pelo distrato: é o
acordo de vontades mediante o qual as partes põe fim ao contrato.
-
Por rescisão:
dá-se por vontade e iniciativa de uma das partes, nos casos de inadimplemento
de obrigação contratual e de inobservância de cláusula asseguradora dos
recursos naturais, o que permite à outra parte cobrar indenização por perdas e
danos.
-
Por resolução ou
extinção do direito do arrendador ou do parceiro-outorgante: é possível ocorrer
nos casos de propriedade resolúvel, com o advento da causa resolutiva.
-
Por motivo de
forca maior: ocorrência de fato imprevisto e impossível de ser evitado.
-
Por sentença
judicial irrecorrível: podendo ocorrer nos casos de anulação de contrato por
vício de origem.
-
Pela perda do
imóvel rural: desaparecimento com vulcão, ou por inundação.
-
Em virtude de
desapropriação: em qualquer de suas modalidades, ficando garantido ao
arrendatário ou parceiro-outorgado o direito à redução proporcional da renda ou
a rescindir o contrato, em caso de desapropriação parcial.
-
Por morte do
arrendatário.
-
Por cessão do
contrato sem prévio consentimento do arrendador ou parceirooutorgante.
-
Por falta de
pagamento do aluguel ou renda: assegura o despejo, permitido ao arrendatário a
purga da mora.
-
Por dano causado à
gleba ou às colheitas, desde que caracterizado o dolo ou a culpa do
arrendatário ou do outorgado, caso em que cabe ação de despejo.
-
Por causa de
mudança na destinação do imóvel: ex. destruindo o capim (pecuária) para
desenvolver a agricultura.
-
Por abandono do
cultivo: quando arrendatário ou parceiro-outorgado deixa de cumprir sua
obrigação no trato da terra e o cuidado com a produção.
Em diversas das hipóteses de extinção dos contratos, aqui
relacionadas cabe a ação de despejo para a retomada do imóvel, seguindo o rito
sumaríssimo. O art. 32 do Decreto nº 59.566/66 prevê as causas do
despejo, cuja enumeração legal vale tanto para os contratos de arrendamento
como para os de parceria.
14.2. Direito à
indenização por perdas e danos, benfeitorias ( e plantações) – com direito de retenção.
O direito à indenização surge cada vez que uma das
partes, em razão de descumprimento de
obrigação legal ou contratual causar prejuízo à outra parte, ou por benfeitorias que ficam no imóvel.
Indenizar significa tornar sem dano, no sentido de reparar o dano que a parte
sofreu. Envolve, portanto, o dano emergente ( dano ou prejuízo efetivo da
parte) e o lucro cessante ( o que a parte deixou de ganhar em razão do
procedimento da outra parte).
As causas de extinção dos contratos agrários que resultam
em prejuízo à outra parte, permitem cobrar indenização.
Quanto às benfeitorias, estas normalmente
pertencem ao proprietário do imóvel. No entanto, é comum a realização de
benfeitorias por parte do arrendatário ou do parceiro-outorgado, podendo estas
ser classificadas em benfeitorias necessárias úteis e voluntárias. O art. 6º do
Decreto nº 84.685/80, inclui entre as benfeitorias as casas de
moradia, galpões, banheiros para gado, valas, silos, currais, açudes, estradas
de acesso e quaisquer edificações para instalações do beneficiamento,
industrialização, educação ou lazer. De qualquer forma esta enumeração não é
conclusiva, mas exemplificativa. No Direito Agrário as plantações também são
tidas como benfeitorias quanto são de cunho permanente e se traduzem em
benefício que fica para o proprietário da terra e do qual este passará a
usufruir após o término do contrato.
As benfeitorias necessárias são aquelas destinadas à
reparação de defeitos e conservação das coisas, das instalações, construções e
equipamentos. As benfeitorias úteis são as que melhoram o uso e aproveitamento
do imóvel para os fins do próprio contrato. As benfeitorias voluptuárias são
aquelas relacionadas com o embelezamento do lugar e aquelas que visam garantir
mais conforto, porém não diretamente relacionadas ao uso do empreendimento
conforme o objeto do contrato. (art. 24 do Dec. Nº 59.566/66)
Nos termos do artigo 95,VIII do ET, o arrendatário, ao
término do contrato, tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e
úteis que edificou. Segundo a lei, apenas as benfeitorias voluptuárias dependem
de prévia autorização do proprietário para que gerem direito à indenização.
Em relação à parceria, nas suas diversas modalidades, a
lei não garante claramente o direito indenizatório. Para que este fique
garantido, em a qualquer tipo de benfeitoria, deve haver consentimento expresso
anterior do parceiro-outorgante. Contudo, levando em conta a realidade análoga,
a aplicação do principio de proteção do débil econômico e, principalmente, o
disposto no inciso VII do art. 96 do ET (…”aplicam-se à parceria ... as normas
pertinentes ao arrendamento rural, no que couber ..., no que não estiver regulado
pela presente lei”), é possível concluir que o mesmo direito indenizatório
garantido ao arrendatário, cabe também ao parceiro-outorgado, entendendo-se que
houve aceitação tácita quando o outorgante não se manifesta sobre as
benfeitorias em edificação pelo outorgado.
Nos termos da lei, a indenização faz referência clara às
benfeitorias. No entanto, as plantações, sobretudo aquelas relacionadas a
culturas permanentes, como fruteiras, etc, acabam sendo incluídas nos cálculos
de indenização. Neste sentido é o entendimento pacífico dos tribunais, de forma
a evitar o benefício ou enriquecimento ilícito a uma das partes e o prejuízo à
outra.
Ao parceiro-outorgado cabe, também, a indenização quando
o outorgante não cumpre os prazos mínimos contratuais. Num contrato celebrado
por dois anos, sabendo-se que o prazo mínimo de 3 anos é irrenunciável, pode o
parceiro-outorgado pleitear, mesmo pela via judicial, o cumprimento do prazo
legal ou, caso isto se torne inviável, a indenização pelo tempo que falta para
o cumprimento do contrato nas condições definidas em lei. Neste caso, o
parâmetro para a indenização é a quantidade colhida no ano anterior.
14.3. Direito de
retenção:
Na extinção dos contratos, seja sem o cumprimento do
prazo garantido por lei, como nos casos de edificação de benfeitorias, o
arrendatário, assim como o parceiro-outorgado, podem exercer o direito de
retenção do imóvel até serem indenizados pelas benfeitorias, conforme
estabelece a parte final do inciso VIII do artigo 95 do ET. O §1º do art. 25 do
Decreto nº 59.566/66 reafirma este direito de retenção.
O direito de retenção pode ser pleiteado em juízo e
deferido liminarmente. Com isso, o contratado fica no imóvel até que se apure o
valor das benfeitorias e lhe seja efetuado o pagamento.
15. CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Como já se disse no inicio, os contratos agrários, com as
regras do Estatuto da Terra e seus regulamentos, estabeleceram significativos
avanços em relação à legislação anterior. Atualmente, o novo Código Civil fez
importante acréscimo referente à função social do contrato, dando novo enfoque
também aos contratos agrários. De resto, o Código Civil é de aplicação
subsidiária.
Cabe ressaltar, contudo, que as normas referentes aos
contratos agrários não garantem efetivamente os direitos de quem cultiva a
terra, principalmente no que diz respeito ao acesso à terra,
constitucionalmente garantido a todos. Pelas regras em vigor, o trabalhador da
terra alheia acaba por contribuir com a produção, com o progresso econômico do
proprietário e o cumprimento da função social da terra, mas tal prática não lhe
garante o acesso à terra que cultiva. Além disso, com seu trabalho, contribui
para não ter acesso definitivo à terra em que produz, uma vez que esta, com seu
trabalho, passa a cumprir a função social.
Não é este o modelo em vigor em todos os países. As
experiências são variadas e vão desde a exigência de cultivo direto da terra
pelo proprietário até a proibição de realização de contratos agrários para a
exploração da terra por terceiros.
Em relação aos prazos, apesar de serem definidos como
mínimos na lei é normal que não sejam cumpridos pelos proprietários, ou então
se transformam em prazos máximos. De fato são prazos exíguos, principalmente a
se levar em conta a maior preocupação com práticas conservacionistas. Neste
sentido os contratos agrários deveriam ter duração maior, a exemplo do que
ocorre em outros países.
.x.x.
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