1º Bimestre
DA SUCESSÃO EM GERAL
A palavra sucessão, em sentido
amplo, significa o ato pelo qual uma pessoa assume o lugar de outra,
substituindo-a na titularidade de determinados bens (numa compra e venda p.
ex., o comprador sucede ao vendedor). Ocorre, nesse caso, a sucessão inter
vivos.
No direito das sucessões, o mesmo
vocábulo é empregado em sentido estrito, para designar tão somente a decorrente
da morte de alguém, ou seja, a sucessão causa mortis.
O referido ramo do direito
disciplina a transmissão do patrimônio (o ativo e o passivo) do de cujus (ou
autor da herança) a seus sucessores. Essa expressão latina é abreviatura da
frase de cujus sucessione (ou hereditatis) agitur, que significa “aquele de
cuja sucessão (ou herança) se trata”.
Disposições gerais
Abertura da sucessão
Dá-se no mesmo instante da morte
do de cujus, transmitindo-se automaticamente a herança aos seus herdeiros
legítimos e testamentários (CC, art. 1.784). Nisso consiste o princípio da
saisine, segundo o qual o próprio defunto transmite ao sucessor o domínio e a
posse da herança (le mort saisit le vif ).
Efeitos do princípio da saisine
a) regula a sucessão e a
legitimação para suceder a lei vigente ao tempo da abertura daquela (CC, art.
1.787);
b) o sucessor universal continua
de direito a posse do seu antecessor, com os mesmos caracteres (art. 1.206);
c) o herdeiro que sobrevive ao de
cujus, ainda que por um instante, herda os bens deixados e os transmite aos
seus sucessores, se falecer em seguida;
d) abre-se a sucessão no lugar do
último domicílio do falecido (art. 1.785), que é o foro competente para o
processamento do inventário.
Espécies de sucessão
·
Quanto à
sua fonte
a) sucessão legítima: Decorre da lei. Morrendo a pessoa sem deixar
testamento, ou se este caducar ou for julgado nulo, transmite-se a herança a
seus herdeiros legítimos (art. 1.788), indicados na lei (art. 1.829), de acordo
com uma ordem preferencial. A sucessão poderá ser simultaneamente legítima e
testamentária quando o testamento não compreender todos os bens do de cujus (art. 1.788, 2ª parte).
b) sucessão testamentária: Decorre de disposição de última vontade:
testamento ou codicilo. Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá
dispor da metade da herança (art. 1.789), pois a outra constitui a legítima,
àqueles assegurada no art. 1.846; não havendo, plena será a sua liberdade de
testar, podendo afastar da sucessão os colaterais (art. 1.850).
c) sucessão contratual: Não é admitida pelo nosso ordenamento, por
estarem proibidos os pactos sucessórios, não podendo ser objeto de contrato
herança de pessoa viva (art. 426). Exceção: podem os pais, por atos entre
vivos, partilhar o seu patrimônio entre os descendentes (art. 2.018).
·
Quanto
aos efeitos
a) a título universal: Quando o herdeiro é chamado a suceder na
totalidade da herança, fração ou parte alíquota (porcentagem) dela. Pode
ocorrer tanto na sucessão legítima como na testamentária.
b) a título singular: Quando o testador deixa ao beneficiário um
bem certo e determinado. Legatário sucede ao falecido a título singular, tomando
o seu lugar em coisa individuada. Herdeiro sucede a título universal. A
sucessão legítima é sempre a título universal; a testamentária pode ser a
título universal ou a título singular, dependendo da vontade do testador.
Sucessão anômala ou irregular: É a disciplinada por normas
peculiares e próprias, não observando a ordem da vocação hereditária
estabelecida no art. 1.829 para a sucessão legítima. Assim, p. ex., o art. 520
prescreve que o direito de preferência, estipulado no contrato de compra e venda,
não passa aos herdeiros. A CF (art. 5º, XXXI) estabelece benefício ao cônjuge
ou filhos brasileiros, na sucessão de bens de estrangeiros situados no País,
permitindo a aplicação da lei pessoal do de cujus, se mais favorável.
Espécies de herdeiros
—
legítimo: é o indicado pela lei, em ordem preferencial (art. 1.829);
— testamentário ou instituído: é
o beneficiado pelo testador no ato de última vontade com uma parte ideal do
acervo, sem individuação de bens; a pessoa contemplada com coisa certa não é
herdeiro, mas legatário;
— necessário (legitimário ou
reservatário): é o descendente ou ascendente sucessível e o cônjuge (art.
1.845);
— universal: costuma-se assim
chamar o herdeiro único, que recebe a totalidade da herança, mediante auto de
adjudicação lavrado no inventário.
DA HERANÇA E DE SUA ADMINISTRAÇÃO
1.
Indivisibilidade
da herança
Até a partilha, o direito dos
coerdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas
relativas ao condomínio (CC, art. 1.791, parágrafo único). Por isso, o
coerdeiro pode alienar ou ceder apenas sua quota ideal, ou seja, o direito à
sucessão aberta. É ineficaz a cessão, pelo coerdeiro, de seu direito
hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente (art.
1.793, § 2º).
2.
Preferência
do coerdeiro
O art. 1.795 do CC assegura
direito de preferência ao coerdeiro, a quem não se der conhecimento da cessão.
Poderá ele, depositado o preço, haver para si a quota cedida a estranho,
exercendo tal direito se o requerer até 180 dias após a transmissão.
3.
Cessão
de direitos hereditários
O direito à sucessão aberta, bem
como o quinhão de que disponha o coerdeiro, pode ser objeto de cessão por
escritura pública (CC, art. 1.793,
caput). Cessão de direitos hereditários, gratuita ou onerosa, consiste
na transferência que o herdeiro, legítimo ou testamentário, faz a outrem de
todo o quinhão ou de parte dele, que lhe compete após a abertura da sucessão.
4.
Responsabilidade
dos herdeiros
O herdeiro não responde por
encargos superiores às forças da herança (CC, art. 1.792). Em nosso direito, a
aceitação da herança é sempre, por lei, a benefício do inventário. Incumbe,
porém, ao herdeiro a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse,
demonstrando o valor dos bens herdados.
5.
Administração
da herança
O inventário deve ser instaurado
no prazo de 60 dias, a contar da abertura da sucessão, cabendo a administração
provisória da herança, até o compromisso do inventariante, sucessivamente:
a) ao cônjuge ou companheiro;
b) ao herdeiro que estiver na
posse e administração dos bens;
c) a pessoa de confiança do juiz
(CC, arts. 1.796 e 1.797).
DA VOCAÇÃO HEREDITÁRIA
1.
Legitimação
passiva para suceder
— A legitimidade passiva é a
regra e a ilegitimidade, a exceção: “Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas
ou já concebidas no momento da abertura da sucessão” (CC, art. 1.798). Só não
se legitimam, portanto, as expressamente excluídas. Ressalvou-se o direito do
nascituro, por já concebido.
— O citado art. 1.798 refere-se
tanto à sucessão legítima quanto à testamentária.
— Na sucessão testamentária podem
ainda ser chamados a suceder:
a) os filhos, ainda não
concebidos (prole eventual), de pessoas indicadas pelo testador , desde que
vivas estas ao abrir-se a sucessão;
b) as pessoas jurídicas;
c) as pessoas jurídicas cuja
organização for determinada pelo testador sob a forma de fundação (art. 1.799).
2. Falta de legitimação para ser nomeado herdeiro ou legatário (CC,
art. 1.801)
a) da pessoa que, a rogo,
escreveu o testamento, bem como do seu cônjuge ou companheiro, e de seus
ascendentes e irmãos;
b) das testemunhas do testamento;
c) do concubino do testador casado, salvo se
este, sem culpa sua, estiver separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos;
d) do tabelião, civil ou militar,
ou do comandante ou escrivão, perante quem se fizer , assim como o que fizer ou
aprovar o testamento.
DA ACEITAÇÃO E RENÚNCIA DA HERANÇA
1.
Aceitação
Conceito: Aceitação ou adição da herança é o ato pelo qual o
herdeiro anui à transmissão dos bens do de cujus, ocorrida por lei com a
abertura da sucessão, confirmando-a.
Espécies:
a) Expressa: se resultar de
manifestação escrita (CC, art. 1.805, 1ª parte).
b) Tácita: quando resultante de
conduta própria de herdeiro. É a forma mais comum, tendo em vista que toda
aceitação, por lei, é feita sob
benefício do inventário (art. 1.792), dispensando manifestação expressa.
c) Presumida: quando o herdeiro permanece
silente, depois de notificado, nos termos do art. 1.807, para que declare, em
prazo não superior a trinta dias, a pedido de alguém interessado —, geralmente
o credor — se aceita ou não a herança.
Características
— a aceitação é negócio jurídico
unilateral, porque se aperfeiçoa com uma única manifestação de vontade;
— tem natureza não receptícia,
porque não depende de ser comunicada a outrem para que produza seus efeitos;
— é, também, indivisível e
incondicional, porque “não se pode aceitar ou renunciar a herança em
parte, sob condição, ou a termo” (CC, art. 1.808).
2. Renúncia
Conceito: Renúncia é negócio jurídico unilateral, pelo qual o
herdeiro manifesta a intenção de se demitir dessa qualidade.
Características: A renúncia há de ser expressa e constar,
obrigatoriamente, de instrumento público ou termo judicial, lançado nos autos
do inventário (CC, art. 1.806), sendo, portanto, solene. Não se admite renúncia
tácita ou presumida, porque constitui abdicação de direitos, nem promessa de
renúncia, porque implicaria ilegal pacto sucessório.
Espécies
a) Abdicativa (renúncia
propriamente dita): quando o herdeiro a manifesta sem ter praticado qualquer
ato que exprima aceitação, logo ao iniciar o inventário ou mesmo antes, e mais:
quando é pura e simples, isto é, em benefício do monte, sem indicação de
qualquer favorecido (CC, art. 1.805, § 2º).
b) Translativa: quando o herdeiro
renuncia em favor de determinada pessoa, citada nominalmente. É também chamada
de cessão ou desistência da herança. Pode ocorrer também, mesmo quando pura e
simples, se manifestada depois da prática de atos que importem aceitação, como,
p. ex., a habilitação no inventário.
Pressupostos
a) capacidade jurídica plena do
renunciante;
b) anuência do cônjuge, se o
renunciante for casado, exceto se o regime de bens for o da separação absoluta
(CCart. 1.647), porque o direito à sucessão aberta é considerado bem imóvel,
pode terminação legal (art. 80, I);
c) inexistência de prejuízo para
os credores. Se tal ocorrer, podem eles aceita a herança em nome do renunciante
mediante autorização judicial, sendo aquinhoados no curso da partilha.
Efeitos
a) exclusão, da sucessão, do
herdeiro renunciante, que será tratado como se jamais houvesse sido chamado;
b) acréscimo da parte do
renunciante à dos outros herdeiros da mesma classe (CC, art. .810);
c) proibição da sucessão por
direito de representação, pois ninguém pode suceder “representando herdeiro
renunciante” (art. 1.811).
Ineficácia
Pode ocorrer pela suspensão
temporária dos seus efeitos pelo juiz, a pedido dos credores prejudicados, que
não precisam propor ação revocatória, nem anulatória, a fim de se pagarem, nos
termos do art. 1.813 do CC.
Invalidade
Dá-se a invalidade absoluta
se não houver sido feita por escritura pública ou termo judicial, ou
quando manifestada por pessoa absolutamente incapaz, não representada, e sem autorização
judicial; e relativa, quando proveniente
de erro, dolo ou coação, ou quando realizada sem a anuência do cônjuge, quando
exigida.
Irretratabilidade
A renúncia é irretratável (CC,
art. 1.812) porque retroage à data da abertura da sucessão, presumindo-se que
os outros herdeiros por ela beneficiados tenham herdado na referida data.
DOS EXCLUÍDOS DA SUCESSÃO
1.
Conceito
de indignidade
Constitui uma sanção civil
imposta ao herdeiro ou legatário, privando-o do direito sucessório por haver
praticado contra o de cujus os atos considerados ofensivos, enumerados na lei:
atentado contra a vida, contra a honra e contra a liberdade de testar (CC, art.
1.814).
2. Causas de exclusão (CC, art. 1.814)
a) autoria ou participação em
crime de homicídio doloso, ou em sua tentativa, contra o autor da herança, seu
cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
b) acusar o de cujus
caluniosamente em juízo ou incorrer em crime contra a sua honra, ou de seu
cônjuge ou companheiro;
c) inibir ou obstar, por
violência ou meios fraudulentos, o de cujus de dispor livremente de seus bens
por ato de última vontade.
3. Reabilitação do indigno
O art. 1.818 do CC possibilita a
reabilitação ou perdão do indigno, permitindo-lhe ser admitido a suceder se o
ofendido, cujo herdeiro ele for, assim o determinar em testamento ou em outro
ato autêntico. Pode este ser considerado qualquer declaração, por instrumento
público ou particular, autenticada pelo escrivão.
3.
Distinção
entre indignidade e deserdação
— A indignidade decorre da lei (a sanção é
prevista somente nos casos do mencionado art. 1.814 do CC); na deserdação, é o
autor da herança quem pune o responsável, em testamento, desde que fundada em
motivo legal (arts. 1.814, 1.962 e 1.963).
— A indignidade é instituto da sucessão legítima,
malgrado possa alcançar também o legatário, enquanto a deserdação só pode
ocorrer na sucessão testamentária (art. 1.964).
— A indignidade pode atingir todos os sucessores,
legítimos e testamentários, inclusive legatários, ao passo que a deserdação é
utilizada pelo testador para afastar de sua sucessão os herdeiros necessários.
5. Procedimento para obtenção da exclusão
A exclusão do indigno depende de
propositura de ação específica,
intentada por quem tenha interesse na sucessão, no prazo decadencial de quatro
anos, contado da abertura da sucessão (CC, art. 1.815, parágrafo único). Só
estão legitimados para o ajuizamento da ação os que venham a se beneficiar com
a exclusão.
6.
Efeitos
da exclusão
— São pessoais os efeitos da
exclusão. Os descendentes do herdeiro excluído sucedem, como se ele morto fosse
antes da abertura da sucessão (CC, art. 1.816), por estirpe ou representação.
— Os efeitos retroagem à data da
abertura da sucessão: o indigno é obrigado a restituir os frutos e rendimentos
que dos bens da herança houver percebido, mas tem direito a ser indenizado das
despesas com a conservação deles (art. 1.817, parágrafo único).
— Os bens retirados do indigno
são chamados de bens ereptícios.
— A exclusão acarreta, também, a
perda do direito ao usufruto e à administração dos bens que a seus filhos
couberem na herança e à sucessão eventual desses mesmos bens (art. 1.816,
parágrafo único).
— Embora a sentença tenha efeito
retro-operante, não pode prejudicar direitos de terceiros de boa-fé. São
válidas as alienações onerosas a estes feitas pelo herdeiro, quando ostentava a
condição de herdeiro aparente (arts. 1.817 e 1.360).
HERANÇA JACENTE E HERANÇA VACANTE
1.
Herança
jacente
Conceito: Diz-se que a herança é jacente quando a sucessão se abre
e não há conhecimento da existência de algum herdeiro, não tendo o de cujus
deixado testamento.
Natureza jurídica: A herança jacente não tem personalidade
jurídica, consistindo num acervo de bens, administrado por um curador até a
habilitação dos herdeiros. Entretanto, reconhece-se-lhe legitimação ativa e
passiva para comparecer em juízo (CPC, art. 12, IV).
Arrecadação
Não havendo herdeiro aparente, o
juiz promove a arrecadação dos bens (CPC, art. 1.142), para preservar o acervo
e entregá-lo aos herdeiros que se apresentem ou ao Poder Público, caso a herança
seja declarada vacante. Enquanto isso permanecerá sob a guarda de um curador,
nomeado pelo juiz. Serão publicados editais para que venham a habilitarem-se os
sucessores (CPC, arts. 1.143 a 1.157).
2. Vacância da herança
Serão declarados vacantes os bens
da herança jacente se, praticadas todas as diligências, não aparecerem
herdeiros (CC, art. 1.820). Tal declaração não prejudicará os herdeiros que
legalmente se habilitarem; mas, decorridos cinco anos da abertura da sucessão,
os bens arrecadados passarão ao domínio do Município ou do Distrito Federal, se
localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da União
quando situados em território federal (CC, art. 1.822). Ficarão excluídos da
sucessão os colaterais que não se habilitarem até a declaração de vacância (parágrafo
único).
DA PETIÇÃO DE HERANÇA
1.
Conceito:
É a ação que compete ao sucessor preterido, para o fim de ser reconhecido a
sua direito sucessória e obter, em consequência, a restituição da herança, no
todo ou em parte, de quem a possua, na qualidade de herdeiro, ou mesmo sem
título.
2.
Legitimidade
ativa: Cabe tal ação a quem se intitula herdeiro e reivindica esse título,
com o objetivo de obter a restituição da herança, no todo ou em parte.
3.
Legitimidade passiva: Réu nessa ação é a
pessoa que está na posse da herança, como se fosse herdeiro, aparentando a
qualidade e assumindo a posição de herdeiro, sem que, verdadeiramente, herdeiro
seja, ou o que tem a posse de bens hereditários sem título algum que a
justifique.
4.
Efeitos:
A procedência da ação, decretada em sentença transitada em julgado, gera o
reconhecimento da ineficácia da partilha em relação ao autor da ação, dispensada
a sua anulação.
5.
Prescrição:
A ação de petição de herança pode ser cumulada com a de investigação de
paternidade. Proclama a Súmula 49 do STF: “É imprescritível a ação de
investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança”.
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