A recente alteração promovida no
Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994) pela Lei 13.245/2016 trouxe
novidades legais, muitas das quais já contempladas em decisões judiciais por
aplicação e extensão do princípio constitucional da ampla defesa ou em
recomendações de boas práticas policiais.
Trata-se de legislação federal
que disciplina prerrogativas do profissional que é a longa manus da Justiça e, portanto,
habilitado a promover o amplo acesso à Justiça, o que inclui o legítimo direito
e prerrogativa de examinar investigações, formular requerimentos (e não
“requisições”, termo vetado pela Presidência da República) e apresentar razões.
Não foi desnaturada a inquisitoriedade do inquérito policial, em que pese o
fato de haver a sanção de nulidade para atos praticados na investigação
posteriores ao interrogatório policial que não teve a participação do advogado
constituído (previamente ao ato ou até no exato momento de sua prática).
A importância da presença do
advogado no interrogatório policial nunca foi negada, contudo, a lei foi
aperfeiçoada para explicitar a possibilidade de serem formulados quesitos e
razões e compendiadas recomendações de boa prática para aperfeiçoar o
regramento jurídico.
Buscando a melhor didática, serão reproduzidos os
dispositivos legais alterados, seguindo-se dos comentários pertinentes.
1. Dispõe a
novel legislação que são direitos do advogado (artigo 7º, inciso XIV):
Redação
anterior: XIV — examinar em qualquer repartição policial, mesmo
sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento,
ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos;
Nova
redação: XIV — examinar, em qualquer instituição
responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante
e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que
conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio
físico ou digital;
Reflexos: O
advogado poderá examinar “investigação” em “qualquer instituição” responsável
por conduzir investigação, podendo copiar peças e tomar apontamentos, “em meio
físico ou digital”.
O advogado constituído terá
acesso ao conteúdo investigativo do inquérito e demais investigações,
ressalvadas as diligências em curso (nas quais se inserem as que foram
determinadas, e não cumpridas, que possam comprometer a linha investigativa e
frustrar a investigação, caso reveladas antecipadamente), não mais em
decorrência da aplicação de súmula vinculante, mas por garantia legal.
O fato de a investigação não
estar disponível em cartório não pode ser arguido, há muito tempo, como
impedimento para acesso da investigação ao advogado.
Situação 1.
Advogado sem procuração. Embora a lei preveja o acesso da
investigação ao advogado (constituído) sem procuração, este deve atuar no
interesse da defesa de seu cliente, ou seja, o investigado deve possuir um
relacionamento direto com o profissional que lhe representa, ainda que este se
apresente na repartição pública sem procuração. Não são raras as situações de
advogados que se apresentam em delegacias, ao tomarem conhecimento de prisões
em flagrante, e se identificam como advogado do preso sem nem sequer saber o
nome de quem o constituiu.
Nessa linha, o advogado alheio à investigação ou
desconhecido do investigado não tem garantido por lei o direito a “peneirar”
inquéritos, investigações e processos administrativos em repartições públicas
para, num posterior momento, “oferecer” seus serviços aos potenciais
investigados. O delegado de polícia zelará para que seja feito contato com o
investigado e confirmado se o profissional que ali se apresenta o faz no
interesse de seu cliente. A lei busca garantir um rol de prerrogativas
para o advogado e de garantias para acesso da investigação pelo interessado, e
não a mercantilização de serviços advocatícios.
Nesse sentido, o STF (HC 93767,
relator ministro Celso de Mello) decidiu que “o sistema normativo brasileiro
assegura ao advogado regularmente constituído pelo
indiciado (ou por aquele submetido a atos de persecução
estatal) o direito de pleno acesso aos autos de persecução penal, mesmo que
sujeita, em juízo ou fora dele, a regime de sigilo (necessariamente excepcional)” (Negritou-se).
Situação 2.
Prazo para deferimento de vista. A lei não disciplinou
outro ponto controverso no cotidiano policial que é o prazo da autoridade
policial para examinar a conformidade do pedido da defesa de vista do
inquérito. Fato é que, por dizer respeito à liberdade de locomoção e potencial
segregação do infrator, o acesso à investigação deve ser o mais breve possível,
contudo, a lei não pode deixar de observar que há necessidade de um prazo,
ainda que exíguo, para que seja feita análise do expediente pela autoridade que
deferirá o acesso à investigação. Isto porque o delegado de polícia deve se
assegurar que não serão acessados dados que violem a privacidade de terceiros,
nem que digam respeito a diligências em curso, considerando-se que a concessão
de vista não é automática, a exemplo do que acontece na seara judicial: o
pedido de vista para exame e cópia das peças pertinentes deve ser deferido por
quem tenha competência para tal e requerido por quem tenha legitimidade
(advogado do investigado). Na omissão da lei, deve-se adotar, por analogia e
salvo motivo de força maior, os prazos previstos pela Lei 9784/99, que regula o
processo administrativo no âmbito da administração pública federal, a qual, em
seu artigo 24 dispõe que: “Inexistindo disposição específica, os atos do
órgão ou autoridade responsável pelo processo e dos administrados que dele
participem devem ser praticados no prazo de cinco dias, salvo motivo de força
maior. Parágrafo único. O prazo previsto neste artigo pode ser dilatado até o
dobro, mediante comprovada justificação”.
Situação 3.
Examinar autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza. A
legislação não restringiu o acesso a qualquer tipo de investigação, portanto, o
acesso do advogado, na defesa de seu cliente (previamente constituído ou na
prática do ato), não se limita, quanto ao tipo de
investigação, à investigação criminal ou administrativa,
preparatória ou incidental, procedimento administrativo criminal ou
investigatório criminal (PAC-PIC), inquérito civil público, inquérito policial
ou parlamentar, ação penal ou ação de improbidade administrativa, verificação
de procedência/preliminar de informação (VPI), ou seja, o advogado tem acesso
garantido a investigações em geral, de natureza administrativa, preliminares,
pré-processuais ou penais, incluindo peças de informação, notícias de fato e
notícias-crime, sob pena de frustração do objeto legal, preservadas as questões
legais decorrentes de diligências em curso.
A leitura do dispositivo deve
guardar sintonia com a Súmula Vinculante
14 do STF: "É direito do defensor, no interesse do representado,
ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento
investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam
respeito ao exercício do direito de defesa".
Situação 4.
Examinar, em qualquer instituição
responsável por conduzir investigação. A legislação não
restringiu o acesso a investigação em “qualquer instituição” responsável por
conduzi-la, ou seja, a prerrogativa do advogado garante a invocação da
apresentação dos atos de investigação — excepcionadas as que estejam em
andamento — perante quaisquer entes da administração pública e privada, entre
elas agências reguladoras, repartições policiais, ministérios públicos,
Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Receita Federal do
Brasil, Banco Central do Brasil (Bacen), Comissão de Valores Mobiliários
(CVM), Tribunais de Contas etc. O dispositivo veio a contemplar,
principalmente, o acesso aos PAC-PIC e notícias de fato (NF) do Ministério
Público, para os quais o Poder Judiciário já tinha garantido o livre acesso aos
advogados, pelo fato de o Estado Democrático de Direito não se coadunar com
investigações secretas.
Situação 5.
Expedição de Certidão de Antecedentes Criminais (CAC). O
artigo 20 do Código de Processo Penal trata da emissão de certidão de
antecedentes criminais para o particular, muito solicitada para fins de
concursos públicos, habilitação para emprego e vistos de permanência no
exterior, mas de ineficiência segura para os fins requeridos, por haver vedação
legal a referência a inquéritos:
“Artigo 20. A autoridade
assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido
pelo interesse da sociedade.
Parágrafo único. Nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados, a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer anotações referentes a instauração de inquérito contra os requerentes”.
Parágrafo único. Nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados, a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer anotações referentes a instauração de inquérito contra os requerentes”.
Considerando que a Lei
13.245/2016 substituiu a expressão “repartição policial” por “qualquer
instituição” e a questão correlata de investigação pelo MP, possivelmente
surgirão demandas de entidades organizadoras de certames e empregadores, para
que se busquem as CACs, mais conhecidas como “nada consta”, também perante os
órgãos do MP, que deverão se preparar para atender essa demanda.
Sem dúvida, há interesse dos
causídicos e do cidadão para que se evite a duplicidade ou litispendência de
investigações perante o MP e os órgãos de polícia judiciária.
Meritoriamente, pelo fato de o artigo 20 do CPP não
admitir a referência a inquérito policial, que agora deve-se entender como
quaisquer procedimentos preliminares em curso, vislumbra-se a caducidade do
artigo, pois, em razão do princípio constitucional da presunção de inocência,
nem a polícia judiciária ou os órgãos ministeriais podem expedir certidões
negativas com referência a seus procedimentos em curso. Portanto, três
situações ainda merecerão muitos debates: expedição de CACs pelo Ministério
Público; eventual pertinência de sua expedição (CAC) por órgãos ministeriais ou
policiais; litispendência e subsidiariedade da investigação ministerial.
Situação
6. Copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital. A
nova redação da parte final do inciso XIV do artigo 7º da
Lei 8.906/94 resolve uma celeuma antiga: pode o advogado fotografar as
peças do inquérito policial?
A situação se encontra agora resolvida: o advogado poderá se
valer de escâner de mão, filmadora ou máquina fotográfica, aparelhos celulares
com recursos de foto e filmagem, enfim, poderá se valer de todos os meios
eletrônicos disponíveis pelo avanço da tecnologia moderna, a fim de reproduzir
peças do inquérito policial, evitando-se a ausência de bom senso daqueles que
interpretavam literalmente o termo “copiar” do Estatuto da Advocacia.
Um problema que não se resolveu,
em razão da falta de estrutura física e logística da maior parte das delegacias
de polícia, sempre maltratadas pela falta de investimento e de carência do
mínimo de manutenção (vide recente repercussão do caso do corte orçamentário
sofrido pela Polícia Federal), é o fornecimento de xerocópia do inquérito aos
advogados, seja por inexistência de máquina copiadora, apresentação de
eventuais defeitos nessa ou não geração de documento de arrecadação referente
ao custo das folhas de papel e cartucho de toner utilizados.
As situações referidas devem ser
resolvidas caso a caso, com prudência e bom senso das partes envolvidas. Há
casos que envolvem grande quantidade de mídia eletrônica e vários volumes e
apensos, incumbindo ao advogado providenciar a mídia eletrônica portátil (pen drive, DVD, hard disk externo) com capacidade
de armazenamento compatível para gravação.
Uma boa prática é o escritório de
advocacia fornecer um número de contato (de preferência que receba mensagens ou
utilize aplicativos como o Telegram e WhatsApp) ou e-mail para que a repartição
policial ou ministerial informe-o quando a cópia da investigação estiver
disponível, devendo tais circunstâncias, por razões de celeridade, já constarem
no requerimento de acesso, vista e cópia.
Em razão do curto espaço da
coluna, os demais dispositivos da Lei 13.245/2016 serão comentados na
próxima oportunidade.
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