Dentre as tantas alterações trazidas pela nomeada “Reforma Trabalhista” - Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017 -, uma delas se refere ao “teletrabalho”, presente na referida lei no TÍTULO II, CAPÍTULO II-A, artigos 75-A a 75-E. Em que pese já haver na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) a possibilidade de trabalho no domicilio do empregado, além da Lei nº 12.551 de 2011 modificar a CLT para ampliar o rol deste artigo e incluir o trabalho “realizado a distância” e fazer referência aos meios informatizados para controle e supervisão, a redação da nova lei trouxe um título específico para tratar do tema, ampliando a normatização em relação a esta modalidade de trabalho.
À parte da discussão dos benefícios e malefícios trazidos pela chamada reforma trabalhista – cuja alcunha mais apropriada seria a de reforma “patronal”, caso se prefira utilizar o pressuposto que a norteou -, o título que trata do trabalho fora das dependências do empregador traz à regulamentação da seara trabalhista uma tendência inexorável e uma flexibilização na forma de como se presta o serviço em prol do empregador, cuja utilização já se mostra fortemente presente em outras regiões do globo, como é o caso do continente europeu.
Em relatório intitulado “Work–life balance and flexible working arrangements in the European Union” de julho de 2017, a entidade Eurofound2, ligada à União Europeia, fez uma análise da situação da força de trabalho na comunidade europeia, com vistas à contribuir com os países para a busca de um melhor equilíbrio entre o binômio trabalho-vida.
Segundo o relatório, ainda há países em que os trabalhadores que realizam teletrabalho estão aquém das nações em que tal modalidade de trabalho está mais consolidada. Enquanto países como Dinamarca (cerca de 8% são teletrabalhadores regulares, chegando-se ao patamar próximo a 40% se somados os teletrabalhadores ocasionais mais os chamados com alta mobilidade, ou seja, aqueles sem lugar fixo para trabalhar) e Reino Unido (chegando próximo de 27% se somadas as três categorias) exibem alta porcentagem de trabalhadores laborando de forma remota, outros países como Portugal (pouco acima de 10%, somado-se as três categorias) e a própria Itália, que se apresenta em último no ranking (somando nas três categorias não mais que 7% de teletrabalhadores), têm baixas taxas de trabalho à distância.
Ante a situação que se encontra perante os demais países, a Itália, em maio de 2017, com o intuito de fomentar tal sistema de trabalho e diminuir a distância com as demais nações europeias, editou a Lei nº 81 (Legge 22 maggio 2017, n. 81.), que veio para regularizar o “lavoro agile”. Embora contemporânea com a Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, que veio para reformar a CLT, veremos a seguir que a lei italiana traz conceitos que demonstram maior amadurecimento e preocupações em resguardar direitos caros ao trabalhador – direito ao lazer e à privacidade – e efetivamente buscar o equilíbrio entre trabalho e vida, busca esta que faz parte das próprias diretivas da União Europeia.
Trazendo a discussão para a realidade brasileira, não obstante a regulamentação do teletrabalho, por meio de lei ordinária, deva ser louvada, pois prevê uma normatividade mais abrangente em relação a uma situação vivenciada por trabalhadores no país e, ainda, permita romper a barreira de insegurança e, com isso, fomentar o incremento desse sistema pelas empresas5, também é possível verificar uma superficialidade e, até mesmo, “pressa” na construção dos conceitos presentes na lei, o que, caso olhemos mais atentamente, percebe-se ocorrer na maioria dos dispositivos aprovados dessa nova norma legal.
1. CONCEITO DO TELETRABALHO
Assim a Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017 definiu o teletrabalho: “Considera- se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.”.
A terminologia “teletrabalho” utilizada pelo legislador remete à expressão correspondente utilizada há muito na Itália: telelavoro. Outras expressões também são utilizadas para definir o mesmo sistema laboral: trabalho remoto; trabalho à distância6. Mesmo na Itália há outras expressões utilizadas, se não de formas sinônimas, de maneira análoga, como, por exemplo, lavoro agile, expressão esta que foi a escolhida para ser utilizada na lei promulgada acerca do tema e que, segundo entendimento naquele país, trata o trabalho fora da empresa de forma mais ampla, não apenas trabalho em domicílio, mas em qualquer outra localização, sem um lugar físico pré-determinado, proporcionando maior mobilidade e flexibilidade ao trabalhador7. Na língua inglesa, tal sistema de trabalho é mais comumente referido como home office, smart working, agile working ou, ainda, flexible working.
À parte das diferentes denominações e conceituações – sem, é claro, olvidar que a escolha entre uma ou outra está carregada de sentido e que, a partir do uso de uma expressão em detrimento de outra, podem ser feitos amplos questionamentos, tal análise demandaria um estudo não pertinente ao escopo do presente artigo -, o que se pretende, por ora, é a análise do conceito de teletrabalho introduzido pela lei que vem alterar a CLT, em contraponto com a lei italiana aprovada em 22 de maio de 2017 (Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017) e que trata do mesmo tema (Legge 22 maggio 2017, n. 81.). Ainda, trazer ao debate como essa modalidade laboral vem sendo tratada em outros países, mais notadamente os da Europa.
Enquanto o Art. 75-B da reforma trabalhista se resume em conceituar o teletrabalho a partir de seu local de prestação - fora das dependências do empregador – e dos instrumentos que permitirão tal labor - tecnologias de informação e de comunicação -, já no primeiro parágrafo do artigo 18 a lei italiana procura trazer uma conceituação mais ampla, a partir do incremento da competitividade prevendo, a priori, uma baixa no custo da produção e/ou maior eficiência no trabalho realizado pelo empregador – e da possibilidade de conciliação entre tempo de trabalho e tempo de vida social.
Portanto, analisando-se a lei brasileira, verifica-se que o legislador “esqueceu” o fundamento essencial a que se presta a instituição do teletrabalho, que é a busca pelo equilíbrio entre vida social e familiar, de um lado, e o trabalho desempenhado pelo empregado, de outro. Ao passo que a legislação pátria adota única e exclusivamente uma visão instrumental e objetiva, a italiana traz em seu bojo uma abordagem, também, social e subjetiva, ao trazer expressamente a preocupação com o sujeito como ser humano e com sua vida particular, distante do trabalho, ao colocar como objetivo fundamental a conciliação do binômio trabalho-vida.
Fonte: BETIATTO, Ricardo.TELETRABALHO: A REFORMA TRABALHISTA EM CONTRAPONTO COM AS PERSPECTIVAS EUROPEIA E ITALIANA.
Formado em Publicidade e Propaganda pela Universidade
Federal do Paraná. Graduando em Direito
pela Universidade Federal
do Paraná. Técnico Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região.