Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da (...)
Urgente – com pedido de tutela antecipada cautelar de urgência
(...), vêm, respeitosamente, perante Vossa Excelência, por seus
procuradores (documento 1), aforar em face do (...), a competente:
Ação cautelar antecedente, com pedido de tutela cautelar de
urgência,
Para sustação de execução extrajudicial, o que fazem com supedâneo
nos arts. 294, 300, e 305 do Código de Processo Civil, expondo e requerendo o
quanto segue:
I – Fatos
Os autores, mediante instrumento particular de venda e compra de
bem imóvel, financiamento com garantia hipotecária e outras avenças (documento
2), firmado com o réu em (...), adquiriram imóvel situado na (...), financiando
o valor de R$ (...).
Entretanto, em virtude de diversas ilegalidades contratuais, está
sendo cobrada dívida cujos valores são manifestamente incorretos, mormente ante
os juros sobre juros (anatocismo) pela aplicação da tabela price, além de
correções abusivas.
Note Vossa Excelência que, desde a assinatura do contrato até o
mês de (...), os autores cumpriram suas obrigações (...parcelas), cada uma
ascendendo hoje o valor aproximado de R$ (...). Portanto, já pagaram valor superior
ao montante objeto do contrato R$ (...).
Outrossim, praticando evidente violência a diversos preceitos
constitucionais, o réu, sem permitir qualquer possibilidade de discussão das
ilegalidades perpetradas, que elevaram irregularmente o valor devido, iniciou
procedimento para alienação do imóvel dos autores mediante execução
extrajudicial do Decreto-lei 70/1966, ameaçando vender extrajudicialmente o
imóvel através do seu agente fiduciário, (...) – Companhia Hipotecária
(documento 3), que age por ordem do banco réu, nos termos do art. 31 do
Decreto-Lei 70/1966.
II – Direito ameaçado – fumus boni
iuris
Tabela price – anatocismo
No “quadro resumo” do contrato objeto da
presente ação (documento 2), encontra-se estipulada a amortização pelo sistema
da tabela price.
A tabela price – como é conhecido o
sistema francês de amortização – pode ser definida como o método em que, a
partir do conceito de juros compostos ou capitalizados (juros sobre juros),
elabora-se um plano de amortização em parcelas periódicas, iguais e sucessivas,
considerado o termo vencido.
Nesse caso, as parcelas são compostas de
um valor referente aos juros, calculado sobre o saldo devedor amortizado, e
outro referente à própria amortização.
Trata-se de juros capitalizados de forma
composta na exata medida em que, sobre o saldo amortizado, é calculado o novo
saldo com base nos juros sobre aquele aplicados, e, sobre este novo saldo
amortizado, mais uma vez os juros, e assim por diante.
Citando o preclaro professor Mário
Geraldo Pereira em dissertação de doutoramento, ensina José Dutra Vieira
Sobrinho:
“(...)
a denominação Tabela Price se deve ao matemático, filósofo e teólogo inglês
Richard Price, que viveu no século XVIII e que incorporou a teoria dos juros
compostos às amortizações de empréstimos (ou financiamentos). A denominação
“Sistema Francês”, de acordo com o autor citado, deve-se ao fato de o mesmo
ter-se efetivamente desenvolvido na França, no Século XIX. Esse sistema
consiste em um plano de amortização de uma dívida em prestações periódicas,
iguais e sucessivas, dentro do conceito de termos vencidos, em que o valor de
cada prestação, ou pagamento, é composto por duas parcelas distintas: uma de
juros e uma de capital (chamada amortização).[1]”
A tabela price é o sistema de amortização
baseado na capitalização composta de juros. Ensina Walter de Francisco:
No caso de tabela price, por definição, os
juros são capitalizados de forma composta (juros sobre juros).
No caso vertente, há, portanto, sistema
de amortização francês, e juros, quanto à capitalização, classificados como
compostos (juros sobre juros).
Os juros aplicados aos contratos não
podem embutir capitalização composta (tabela price), conforme o art. 4º do
Decreto 22.626/1933 – Lei da Usura, Súmula 121 do STF e remansosa
jurisprudência.
Relevante para compreensão do caso
vertente o julgado:
Tribunal de
Justiça de São Paulo. “Financiamento imobiliário –
Tabela Price – Exclusão – Sistema de amortização que incorpora juros compostos
(juros sobre juros, juros capitalizados de forma composta ou juros
exponenciais) – Existência de controvérsia em torno de elementos ligados à
matemática financeira e ao próprio direito – Fato que somente reforça a
incerteza, a falta de transparência e a ambiguidade no uso da Tabela Price –
Sistema que é inacessível ao homem médio – Perícia contábil que constatou a
cobrança, pelo banco réu, de juros capitalizados mensalmente. Financiamento
imobiliário – Sistema de amortização – Amortização da dívida que deve ser realizada
sem o emprego da Tabela Price, utilizando-se o Sistema de Amortização Constante
(SAC) – Valor correto do débito ou crédito que deve ser apurado em liquidação
de sentença por arbitramento – Apelo do banco réu provido em parte” (Apelação nº 0007777-15.2005.8.26.0114
– Relator José Marcos Marrone – Comarca: Campinas – Órgão julgador: 23ª Câmara
de Direito Privado – Data do julgamento: 27.05.2015 – Data de registro:
29.05.2015).
O art. 4º do Decreto 22.626/1933 está assim redigido:
“Art. 4º É proibido contar juros dos
juros; (...)
A jurisprudência pátria tem se manifestado acerca do tema,
que não é novo:
Súmula nº 121 do STF: É vedada a capitalização de juros,
ainda que expressamente convencionada.”
Superior Tribunal de Justiça. “Civil. Recurso Especial. Sistema financeiro da habitação. FCVS.
Plano de equivalência salarial. Reajuste de acordo com a categoria profissional
do mutuário. Interpretação de cláusula contratual. Súmula 5/STJ. Incidência.
Tabela price. Juros capitalizados. Anatocismo. Caracterização. A aplicação da
Tabela Price aos contratos de prestações diferidas no tempo impõe excessiva
onerosidade aos mutuários devedores do SFH, pois no sistema em que a mencionada
Tabela é aplicada, os juros crescem em progressão geométrica, sendo que, quanto
maior a quantidade de parcelas a serem pagas, maior será a quantidade de vezes
que os juros se multiplicam por si mesmos, tornando o contrato, quando não
impossível de se adimplir, pelo menos abusivo em relação ao mutuário, que vê
sua dívida se estender indefinidamente e o valor do imóvel exorbitar até
transfigurar-se inacessível e incompatível ontologicamente com os fins sociais
do Sistema Financeiro da Habitação” (Recurso
Especial nº 668.795 – RS (2004/0123972-0) – Primeira Turma – Relator Ministro
José Delgado – julgamento: 03.05.2005 – DJ 13.06.2005, p. 186).
Além dessas ilegalidades, outras tantas podem ser apontadas,
dentre as quais destaca-se a outorga de mandato inserto no contrato de adesão,
em desacordo com o inc. VIII do art. 51 da Lei 8.078/1990 (cláusula décima nona
do contrato – documento 2).
Ilegalidade da inclusão do nome dos autores no Serasa
O Serasa, centralização de serviços dos bancos, infringe
gritantemente a Constituição Federal na exata medida em que joga na
marginalidade cidadãos decentes que, no presente momento, lutam para se manter
no caminho da retidão financeira.
Assim o faz manchando sua ficha cadastral, impedindo-os de
reempregar-se, humilhando-os perante a sociedade e seus familiares, ferindo,
além de preceitos legais, os princípios atinentes aos direitos humanos.
Como asseverou o eminente Juiz Jurandir de Souza Oliveira, do
Primeiro Tribunal de Alçada Civil, o sistema jurídico, ao contrário do que
pensam alguns, estipula a garantia de que o devedor não pode ser constrangido.
Tal se dá exatamente em virtude da Lei 8.078/1990 que, no art. 42,
dispõe que na cobrança de débitos o consumidor inadimplente não será exposto ao
ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Segundo, ainda, o eminente Juiz de Alçada, hoje desembargador,
pacífico na jurisprudência o entendimento segundo o qual, estando a dívida
sendo questionada judicialmente, é indevida a negativação. Some-se a isso o
fato de que a negativação não aproveita o credor, servido apenas para
prejudicar os autores no mercado. Veja Vossa Excelência a posição do STJ:
Superior Tribunal de Justiça. “Ação revisional. Dívida em juízo. Cadastro de inadimplentes.
Serasa. SPC. Cadin. Inscrição. Inadequação. Precedentes do tribunal. Nos termos
da jurisprudência desta Corte, estando a dívida em juízo, inadequada em princípio
a inscrição do devedor nos órgãos controladores de crédito” (Recurso
Especial nº 180.665/PE (9800488391) – Decisão: por unanimidade, não conhecer do
recurso – Data: 17.09.1998 – 4ª Turma – Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo
Teixeira – DJ 03.11.1998,
p. 172).
Não de forma diferente, o:
Primeiro Tribunal de Alçada Civil de
São Paulo. “Medida cautelar. Sustação de protesto –
contrato de fornecimento bancário – deferimento da liminar – impossibilidade de
inscrição do nome do recorrente no cadastro de inadimplentes do SERASA visto
que o montante do débito acha-se “sub judice” – recurso provido para esse fim” (Agravo
de Instrumento 748.712-3 – São Paulo – 6ª Câmara – j. 02.09.1997 – Rel. Massami
Uyeda – Decisão: unânime).
E, também, o
Tribunal de Alçada do Rio Grande do
Sul. “Agravo de instrumento. Revisional de contrato
de crédito. Registro do nome do devedor no SERASA. Proposta a ação revisional
de cláusulas de contrato bancário, pode o juiz determinar, em razão de cautela
requerida, que o réu se abstenha de fazer o registro do devedor na central de
informação de restrição SERASA, que funciona como órgão de pressão e
constrangimento ao devedor, mormente quando este se insurge contra o contrato
de crédito que mantém com a instituição financeira, especialmente quando o
credor nada tem a perder, pois seu crédito está forrado de segurança bastante,
e não fez nenhuma comprovação de ser beneficiado com a medida pleiteada. Negado
provimento” (Agravo de Instrumento 196.159.040 – Data: 23.10.1996 – 7ª
Câmara Cível – Rel. Roberto Expedito da Cunha Madrid – Origem: Canoas).
As expressões “negativar” e “negativação” lembram as antigas
marcas de iniquidade que existiam nos primórdios da sociedade, mediante as
quais os iníquos eram punidos pela perda do nariz (assírios).
Em França do Rei Luiz XIII, as mulheres desonestas, através de
ferrete em brasa, eram marcadas com uma flor-de-lis.
Hoje pouca coisa mudou. Em verdade, agravaram-se as consequências:
os devedores são marcados através dos ferretes da moderna tecnologia online,
via modem, fax, satélite etc.
Ora, Nobre Julgador, esse juízo sumário e inflexível deve ser, de
alguma forma, contido em um Estado Democrático de Direito.
Bem por isso o CDC colocou freio aos órgãos que a si arrogam e
atribuem a prerrogativa de dizer quem é honesto, quem é desonesto, quem pode
comerciar e quem não pode, quem terá acesso ao mercado de trabalho e ao crédito
e quem será excluído.
A questão se apresenta ainda mais grave na exata medida em que se
verifica no caso vertente que a negativação dos autores, que discutem a correta
aplicação de encargos, colide violentamente com o mandamento insculpido no art.
5º, inc. XXXV, da Constituição Federal, que garante a não exclusão de ameaça ou
lesão de direitos da apreciação do Poder Judiciário.
III – Perigo na demora da prestação jurisdicional – periculum in mora
Os autores estão ameaçados de sofrer danos irreparáveis tendo em
vista a iminente alienação extrajudicial do imóvel onde residem sem que, antes,
se lhes tenha dado qualquer oportunidade de ver apreciado pelo Poder Judiciário
as ilegalidades aqui sucintamente apontadas.
No caso vertente, é certo que a situação
litigiosa jamais seria afastada espontaneamente pela ré, permitindo vislumbrar
que será efetivamente necessário outro futuro processo, apto a enfrentar a
implementação pelo banco réu das inúmeras ilegalidades já apontadas, que lhe
permitem se apropriar de verbas acoimadas de indevidas (juros capitalizados e
abusivos, acrescidos de indexador remuneratório e não de atualização
monetária).
Como se evidencia dos fatos e da franca
probabilidade do direito esgrimido, a persistir a nefasta condução do negócio
subjacente pela ré, a única forma de reparar a lesão do direito dos autores
seria, se houvesse possibilidade, efetivar o pagamento incorreto para, ao
depois, ajuizar outra demanda para repetição do indébito, fazendo renascer a
sepulta cláusula solve et repete.
Ora, o simples prenúncio dessa repudiada
cláusula permite, sem qualquer delonga, divisar a potencialidade de dano aos
autores. Aliás, ensina Calmon de Passos:
“O critério mais adequado, a nosso ver, para se
aferir da dificuldade e incerteza da reparação é considerar a possibilidade de
ressarcimento dos danos no próprio processo e a curto prazo ou com meios
expeditos. Se isto não ocorrer é válido entender-se a lesão como de difícil e
incerta reparação.”[3]
Como ensina, também, o preclaro Ovídio
Baptista, supedaneado em Apicella (I provvedimenti cautelari non nominati,
1948):
“Se a tutela
cautelar somente pudesse ser concedida quando não fosse possível a reparação
pecuniária, então a própria instituição perderia sentido, dado que um tal entendimento,
ao contrário do que se tem em vista com a tutela cautelar, admitiria prévia
violação do direito para depois recompô-lo monetariamente, quando a própria lei
concebe a tutela cautelar contra prevenção de dano iminente, mas não consumado.”[4]
Só a tutela cautelar, liminarmente
concedida, terá o condão de garantir, portanto, o resultado útil e eficaz da ação
principal a ser proposta.
Se não fosse só por isso, os autores
possuem filhos menores, um com três anos (documento 6), e estão na iminência do
desalojamento em virtude de medida arbitrária e ilegal.
Situação iníqua como essa não merece
guarida do Poder Judiciário.
IV – Ação a ser proposta
Os autores esclarecem que, no trintídio
legal apresentará o seu pedido principal nos termos do art. 308 do CPC, que
consistirá na revisão do contrato.
V – Conclusão
A execução extrajudicial, diante da evidência que o réu pratica
ilegalidades na cobrança ao cobrar juros sobre juros pela aplicação da tabela
price, contrariando a Súmula 121 do STF, o que se demonstra, inclusive, por
farta jurisprudência, é motivo para concessão da medida ora pleiteada.
Outrossim, a questão da TR deve ser objeto de análise na ação
principal, mormente que foi considerada ilegal por ocasião do julgamento da
ADIN nº 493-DF.
Verifica-se, pois, que os direitos que possuem os autores estão
ameaçados de sofrer danos irreparáveis, somente podendo ser obstaculizados pela
tutela cautelar liminarmente deferida, mormente ante a iminente alienação
extrajudicial do imóvel onde residem.
No caso vertente estão presentes, portanto, o fumus
boni iuris e o periculum in mora. Isso posto,
deduz-se o
VI – Pedido
Como medida acautelatória,
urgente e preparatória de ação ordinária que lhe seguirá, serve a presente para
requerer digne-se Vossa Excelência de determinar a expedição de mandado,
liminarmente, inaudita altera parte, para (CPC,
arts. 294 e 300):
a) obstar a execução extrajudicial, bem como o leilão
extrajudicial, caso esteja em andamento, até o julgamento final desta ação;
b) que seja obstada a inclusão do nome dos autores no SERASA ou em
qualquer outro órgão de proteção ao crédito até o final julgamento da ação, ou,
caso já tenham sido incluídos, que seja efetuada a retirada no prazo de cinco dias,
sob pena de multa diária de R$ (...) enquanto perdurar a desobediência à ordem;
c) que o réu, abstenha-se de executar extrajudicialmente a dívida,
nos termos do Decreto-Lei 70/1966;
Requer, ao final, seja julgada procedente a presente medida
cautelar, obstada a execução extrajudicial do Decreto-Lei 70/1966, confirmada a
liminar concedida.
VII – Requerimento
Requer a Autora se digne Vossa Excelência de determinar:
a) a expedição do Mandado objeto do pedido ao réu, para
cumprimento por Oficial de Justiça dada a urgência da medida, a ser cumprido na
Rua (...), ordenando a suspensão da execução extrajudicial do imóvel objeto do
contrato nº (...) entre as partes e obstada a inclusão do nome dos autores no
SERASA ou em qualquer outro serviço de proteção ao crédito até final julgamento
e, caso já tenham sido incluídos, que seja efetuada a retirada no prazo de
cinco dias sob pena de multa diária de R$ (...);
b) a expedição do competente mandado de citação do réu, por
Oficial de Justiça, na pessoa de seu representante legal, ou outra, com poderes
de administração ou gerência geral, para, querendo, oferecer resposta no prazo
de 5 (cinco) dias, sob pena de confissão e efeitos da revelia;
c) embora prescinda de autorização, ao Oficial de Justiça
encarregado da diligência proceder com os benefícios do art. 212 § 2º, do CPC.
Tratando-se de ato conservatório do direito dos autores, pede-se
que o processo tramite durante as férias (Código de Processo Civil, art. 215,
I).
VIII – Valor da causa
Dá-se à presente o valor de (...).
IX – Provas
Requer-se a produção de prova documental, testemunhal, pericial,
inspeção judicial e de todos os meios probantes em Direito admitidos, inclusive
depoimento pessoal do representante legal do réu sob pena de confissão, se não
comparecer ou, comparecendo, se negar a depor.
Termos em que, cumpridas as necessárias formalidades legais, deve
a presente ser recebida e afinal julgada procedente, como medida de inteira
JUSTIÇA!
Data.
Advogado (OAB)
Documento 1
Procuração
Documento 2
Contrato
Documento 3
Notificação para a execução extrajudicial
Documento 4
Planilha de débito fornecida pelo réu
Documento 5
Jurisprudência
[1] Mário Geraldo Pereira, Plano básico de amortização pelo sistema francês e respectivo
fator de conversão, Dissertação (Doutoramento) – FCEA, São Paulo, 1965 apud José Dutra Vieira Sobrinho, ob. cit., p. 220.
[3] Calmon
de Passos, Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 1984, vol. X, tomo I, pp. 98-99.
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