quarta-feira, 16 de julho de 2014

A VERDADE REAL E O DIREITO PROCESSUAL PENAL





DANIELA BERNARDO VIEIRA DOS SANTOS[1]


Segundo o lexicógrafo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (1998, p.669), a palavra Verdade é um substantivo feminino que pode ter vários significados, como conformidade com o real, coisa verdadeira, princípio certo, ou também boa-fé. Percebemos que não há uma etimologia única e por isso a palavra pode ser usada para definir várias idéias.

A psicologia nos mostra que a busca pela verdade aparece nos seres humanos muito cedo, o desejo de confiar nas coisas e nas pessoas. Acreditar que as coisas são exatamente tais como as percebemos.
As crianças através do mundo do “faz de conta” se tornam muito sensíveis à mentira dos adultos, pois a mentira é muito diferente imaginação e quando uma criança é enganada por uma mentira fica muito magoada e quebra a relação de confiança e segurança com o adulto, portanto a criança também se coloca a disposição da busca pela verdade.

O conhecimento é uma forma de interpretação da realidade que visa a elucidá-la, desvendá-la, encontrar a verdade. E a busca da verdade tem sido objeto de ocupação de filósofos e cientistas ao longo dos tempos, levando-os a conclusões que têm gerado diferentes formas de enfrentamento da realidade.

A filósofa e historiadora Chauí (1995, p. 99) diz que a nossa idéia de verdade foi construída com base em três concepções diferentes: a do ver – perceber (do grego, alétheia); a do falar-dizer (do Latim, veritas) e a do crer-confiar (hebraico emunah). Em outras palavras, a nossa idéia de verdade abrange o que é realidade, à linguagem e a confiança.

Existem outras formas de interpretação acerca da verdade que são caracterizadas por tendências filosóficas como o dogmatismo, ceticismo, realismo, idealismo, positivismo, entre outras.

Dentre estas tendências filosóficas não podemos deixar de citar o idealismo de René Descartes, onde a meta do conhecimento passa a ser a de atingir a verdade e a razão torna-se o único critério para tal.

Não existe um consenso acerca das possibilidades de se atingir a verdade, com isso não podemos aceitar conclusões definitivas, pois cada saber deve operar a partir de suas fontes e de suas evidencias e também as transformações históricas e sociais modificam a concepção da verdade. Contudo, a verdade se conserva como o valor mais alto a que aspira ao pensamento.
Agora, para o Direito não existe verdade dada e sim verdade produzidas, assim como não existe conhecimento absoluto e sim processual. A verdade deixa de ser certeza para transformar em busca, produção e construção.

O homem age sobre o real construindo o seu mundo e a sua realidade, conhecer não é acumular fatos, mas sim entendê-los é a construção decorrente da interpretação crítica dos fatos, que se dão nas nossas vivencias.

No tocante ao processo, é necessário que sejam feitas as definições doutrinárias de processo. De acordo com Cintra, Grinover e Dinamarco (1999, p.275).

Processo é o instrumento de composição da lide, é o caminho percorrido pelo Estado para compor a lide, é um método, caminhada, do latim procedere, que significa “seguir adiante”. Contempla um elemento constitutivo objetivo, o procedimento, que é a sequencia de atos concentrados a um objetivo final, é dizer, o provimento jurisdicional, e um elemento constitutivo subjetivo, que é a relação jurídica processual entre os sujeitos que integram o processo.

O Processo Penal deve estar relacionado e ter por orientação principal a Constituição Federal, os princípios que regem o processo penal são fundamentais, não estão no sistema em um rol taxativo, mas serão possíveis aplicações tanto princípios constitucionais expressos como princípios decorrentes do sistema constitucional.

Um dos princípios de maior importância ao processo é o Princípio da Verdade Real, no qual o órgão julgador não se limita as provas produzidas pelas partes. Como ensina a boa doutrina, "o Direito não se funda sobre normas, mas sobre os princípios que as condicionam e as tornam significantes" (REALE, 1994, p. 62).

 A supremacia da verdade real é determinada pelo interesse público, então a reprodução da verdade dos fatos analisados deve ser feita não somente através das provas fornecidas pelas partes, mas também será facultado ao magistrado como dispõe o art. 156 do Código de Processo Penal.

 Art.156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:

I - ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;

II - determinar, no curso da instrução, ou antes, de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

Então, entendendo conveniente, o juiz não se limitará as provas carreadas aos autos pelas partes, superando, a desídia das mesmas e determinando, de oficio, diligências que visam á colheita de material probatório com o intuito de alcançar a verdade real ou histórica dos fatos. O juiz quando determina a produção dos elementos probatórios não está fazendo prova para uma das partes, está apenas procurando chegar à prova efetiva, que é o seu convencimento acerca dos fatos que interessam a solução do litígio.

A busca pela verdade real, no entanto não será ilimitada, pois esta não poderá se sobrepor à lei, a liberdade probatória não é absoluta e a nossa Carta Magna, no seu art. 5°, inciso LVI, traz o principal obstáculo, consagrando a inadmissibilidade, no processo, das provas obtidas por meios ilícitos.

A prova é taxada de proibida ou vedada toda vez que sua produção implique violação da lei ou de princípio de direito material ou processual.É de se observar que a verdade real, em termos absolutos, pode se revelar inatingível. Afinal, a própria definição da verdade é algo frágil, pois não existe um consenso acerca das possibilidades de se atingir a verdade absoluta.

Alguns doutrinadores tradicionais como Carnelutti afirmam que o importante é se atingir a verdade processual, identificada como verdade aproximada, respeitando o contraditório e a ampla defesa, a paridade de armas e conduzido por magistrado imparcial.

Segundo Lopes Jr. (2007, p.540) citado por Távora (2011, p.60), o real está vinculado à ideia de presente, e o crime, como fato necessariamente da história, será reconstruído no processo. É fundamental compreender o ritual do processo, para se perceber que a verdade na decisão é um mito, negando-se que a obtenção da verdade seja o objetivo do processo ou adjetivo da sentença. A sentença seria então um ato de crença, de convencimento, um sentimento declarado pelo juiz, e a verdade é tomada como algo contingencial, e não como fator estruturante do processo.

Assim é que, muito embora no direito processual deva prevalecer à verdade formal (o que não está nos autos, não está no mundo) sobre a verdade real, no direito processual penal o juiz tem o dever de investigar como os fatos se passaram na realidade, não se conformando com a verdade formal constante dos autos.

Em suma, a busca da verdade no processo penal contempla todas as teorias acerca da verdade (ora a verdade das coisas ou dos fatos, ora a verdade dos relatos ou enunciados, ora a verdade dos resultados e aplicações práticas do conhecimento, caso das mais variadas formas de perícia), uma vez que a liberdade do julgador lhe permite avaliar todo arcabouço probatório em sua magnitude e extrair da prova a sua essência, transcendendo ao formalismo castrador do sistema da certeza legal.

BIBLIOGRAFIA


BRASIL. Código Penal. VADE MECUM

CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. 2. ed. São Paulo: Ática, 1995.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 28 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2012.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa, 8 ed.Rio de Janeiro: Positivo Editora,2010

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 37. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1994.














 






















[1] Acadêmica do 5º período do Curso de Direito das Faculdades Integradas de Cacoal – UNESC.

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