quinta-feira, 3 de julho de 2014

Resumo de Direito Constitucional - EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

1   INTRODUÇÃO

Determinar qual o grau de eficácia jurídica de uma norma constitucional é questão extremamente complexa, gerando inúmeras controvérsias entre os operadores do direito. Porém, cumpre ressaltar, desde logo, que todas as normas constitucionais pos suem eficácia jurídica, mesmo as denominadas normas pro  gramáticas. A maior ou menor eficácia jurídica, a maior ou menor produção de efeitos imediatos,pode depender da complementação de outras normas. A doutrina aponta diversas classificações quanto ao grau de eficácia de uma norma constitucional.

2   CLASSIFICAÇÃO TRADICIONAL

A primeira distinção foi fixada pela doutrina norte-americana entre as normas self-executing, self-enforcing e self-acting e as normas not self-executing, not self-enforcing e not self-acting. Essa é a mesma diferença
estabelecida por Rui Barbosa entre normas autoexecutáveis e não executáveis, por Pontes de Miranda entre regras jurídicas bastantes em si e não bastantes em si ou por Jorge Miranda entre normas  exequíveis  e  não exequíveis por si mesmas.

a) Normas autoaplicáveis, autoexecutáveis, bastantes em si ou exequíveis (self-executing).  São as desde logo aplicáveis, não dependem da complementação de outras normas para que se tornem exequíveis.
Exemplos: férias acrescidas de 1/3 e licença-gestante com prazo de cento e vinte dias (CF, art. 7º, XVII e XVIII). A própria Constituição estabeleceu em seu art. 5º, § 1º, a aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais. Por essa razão, o mandado de injunção, o habeas data e o mandado de segurança coletivo foram concedidos judicialmente mesmo antes de qualquer regulamentação pelo legislador ordinário.

b) Normas não autoaplicáveis, não autoexecutáveis, não bastantes em si ou não exequíveis por si mesmas (not self-executing). São as que dependem da complementação de outras normas para que se tornem aplicáveis. Exemplos: participação nos lucros e na gestão da empresa, “conforme definido em lei”, e aviso prévio proporcional, no mínimo de trinta dias, “nos termos da lei” (CF, art. 7º, XI e XXI).

3   OUTRAS CLASSIFICAÇÕES

O Prof. José Afonso da Silva propõe uma outra classificação, reproduzida pelos demais autores, que merece ser destacada.

a) Normas constitucionais de eficácia plena. São as de aplicabilidade direta, imediata e integral; produzem todos os seus efeitos desde a entrada em vigor, não dependendo da edição de qualquer legislação posterior. Produzem efeitos imediatamente, dispensando a edição de normas regulamentadoras. Exemplos: o mandado de injunção, o habeas data e o mandado de segurança coletivo foram utilizados mesmo antes de regulamentação por legislação ordinária.

b) Normas constitucionais de eficácia contida. São as de aplicabilidade direta, imediata, mas não integral, cujos efeitos podem ser limitados pela legislação infraconstitucional. Incidem imediatamente, pro-
duzem todos os efeitos desde a entrada em vigor, mas podem ter seu alcance limitado pela legislação infraconstitucional. Na ausência de uma lei restritiva, a norma será de aplicabilidade imediata e plena. Michel Temer prefere denominar essas normas como de eficácia redutível  ou  restringível. Exemplo: a liberdade de profissão assegurada pela Constituição Federal, no art. 5º, XIII, com a seguinte restrição: “atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Para ser advogado é necessário preencher os requisitos previstos na legislação ordinária, ser formado em direito e inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, após aprovação no exame da ordem (Lei n. 8.906/94).

c) Normas constitucionais de eficácia limitada. São as que dependem de complementação do legislador infraconstitucional para que se tornem exequíveis. Abrangem as normas declaratórias de princípios institutivos ou organizativos e as declaratórias de princípios programáticos. As primeiras são as que estabelecem o esquema geral de estruturação e atribuições de órgãos, entidades ou institutos públicos, para que o legislador ordinário as regulamente. Normas programáticas são as que fixam programas e metas a serem alcançadas pelos órgãos do Estado. Exemplos: direito à saúde (CF, art. 196), à educação (CF, art.
205), à cultura (CF, art. 215) e ao esporte (CF, art. 217). As normas constitucionais programáticas também possuem eficácia jurídica imediata, ainda que mínima, mesmo antes da edição de qualquer legislação complementar, pois:

 a)  revogam a legislação ordinária que seja contrária aos princípios por elas instituídos;
 b) impedem a edição de leis contendo dispositivos contrários ao mandamento constitucional; e
 c) estabelecem um dever legislativo para os poderes constituídos, que podem incidir em inconstitucionalidade
por omissão caso não elaborem a regulamentação infraconstitucional que possibilite o cumprimento do preceito constitucional.

Os professores Pinto Ferreira e Maria Helena Diniz estabelecem uma distinção entre normas constitucionais de eficácia absoluta,  que são de aplicação imediata e não admitem alteração por emenda constitucional,  as denominadas cláusulas pétreas, e normas constitucionais de eficácia plena,  que, embora de aplicação imediata, podem ser modificadas pelo poder constituinte derivado de reforma.

Há autores que distinguem entre normas constitucionais preceptivas, que produzem seus efeitos de imediato, e pro gramáticas, que se voltam para o próprio legislador, estabelecendo metas a serem alcançadas pelo Estado. Como aponta Celso Bastos, as normas preceptivas atuam como comandos-regras, enquanto as programáticas como comandos-valores.

4   RECEPÇÃO NO DIREITO CONSTITUCIONAL

Sempre que promulgada uma nova Constituição, surge a questão de aproveitamento do ordenamento jurídico infra  constitucional vigente sob a anterior. A legislação infra  constitucional que estiver em conformidade com a nova ordem constitucional é por ela recepcionada, admitida como válida. A legislação infraconstitucional que estiver em desacordo com a nova ordem constitucional é revogada, ou seja, não é recepcionada pela nova Constituição. Não teria sentido inutilizar toda a legislação ordinária construída ao longo dos séculos. É por essa razão que a segunda parte do Código Comercial de 1850 e a parte especial do Código Penal de 1940 continuam ainda em vigor. O que estiver em desacordo com a nova ordem constitucional é por ela revogado e, portanto, não recepcionado. Exemplo: a Constituição de 1988, em seu art. 227, § 6º, estabeleceu a igualdade de direitos entre “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção... ”. Dessa forma, os dispositivos do Código Civil de 1916 que restringiam direitos dos filhos adulterinos e incestuosos não foram recepcionados pela nova ordem constitucional.

A legislação infraconstitucional, ao ser recepcionada pela Constituição, recebe a natureza que a nova ordem constitucional reservou para a matéria. Exemplo: a atual Carta exige que diversos dispositivos relativos à ordem tributária sejam regulamentados por lei complementar. Esses dispositivos, que constam atualmente do Código Tributário Nacional, elaborado como lei ordinária na vigência da Constituição anterior, foram recepcionados na nova ordem constitucional como legislação complementar.

5    REPRISTINAÇÃO NO DIREITO CONSTITUCIONAL

Ocorre o fenômeno da repristinação quando uma lei volta a vigorar, pois revogada aquela que a revogara. A Lei de Introdução ao Código Civil, em seu art. 2º, § 3º, veda expressamente a repristinação:

“Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”.

Também não se admite o fenômeno da repristinação no direito constitucional, salvo se houver expressa previsão no texto da nova Constituição. A legislação infraconstitucional revogada pela vigência de uma Constituição não se restaura pelo surgimento de uma nova Lei Maior.

6   DESCONSTITUCIONALIZAÇÃO

A desconstitucionalização seria a possibilidade de recepção pela nova ordem constitucional de dispositivos da Constituição anterior como legislação infraconstitucional. A ordem constitucional brasileira não admite esse fenômeno. A edição de uma nova Constituição importa na revogação total da anterior, havendo a possibilidade somente de manutenção de dispositivos infraconstitucionais que sejam compatíveis com a nova ordem constitucional.

7   “VACATIO CONSTITUTIONIS”

É o período de tempo entre a publicação de uma nova Constituição e a sua entrada em vigor. Exemplo: a Constituição brasileira de 1967 foi publicada no dia 24 de janeiro de 1967 para entrar em vigor no dia 15 de março do mesmo ano. Nesse período, teve validade a Constituição anterior, de 1946.


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