PODER CONSTITUINTE
É o poder de elaborar uma nova Constituição, bem como de reformar a vigente. A palavra “poder” deve sempre ser entendida como a faculdade de impor, de fazer prevalecer a sua vontade em relação a outras pessoas. O poder constituinte, pois, estabelece uma nova ordem jurídica fundamental para o Estado.
2 DISTINÇÃO
É importante distinguir o poder constituinte dos poderes constituídos. Ele é o poder que elabora a Constituição, não devendo ser confundido com aqueles, que são o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Estes são instituídos pela Constituição, obra do poder constituinte, que poderia optar por outros, como já ocorreu no Brasil-Império, com a previsão de um quarto poder, o Moderador. O poder constituinte está acima dos poderes constituídos, não devendo ser confundido com nenhum deles.
3 ORIGEM
A ideia de uma Constituição como fruto de um poder distinto, do poder constituinte, que elabora uma nova ordem constitucional para o Estado, é do Abade Sieyès, que, às vésperas da Revolução Francesa, escreveu o panfleto “O que é o terceiro Estado?”.
4 ESPÉCIES
O poder constituinte pode ser dividido em originário e derivado.
4.1. PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO, DE 1º GRAU OU GENUÍNO
É o poder que elabora uma nova Constituição. Estabelece uma nova ordem jurídica fundamental para o Estado em substituição à anteriormente existente.
Natureza. Trata-se de um poder de fato, de caráter absoluto, pois não está condicionado a qualquer limitação de ordem jurídica. É ele que vai estabelecer a ordem fundamental do Estado. Em tese, pode
dispor sobre qualquer assunto, da forma que melhor entender. Obviamente irá manifestar-se de acordo com os fatores reais de poder, com as forças políticas dominantes em determinado momento histórico.
Os constituintes, em 1988, por exemplo, tiveram a oportunidade de conceder ao povo a possibilidade de optar diretamente sobre a forma e o sistema de governo: República ou Monarquia, presidencialismo
ou parlamentarismo. Contudo, para os adeptos do jusnaturalismo e outros autores, o poder constituinte é sempre um poder de direito, pois existiria um direito anterior ao próprio Estado.Não é possível alegar a violação de direito adquirido perante dispositivo emanado do poder constituinte originário, tendo em vista
o seu caráter absoluto, que não encontra qualquer limitação de ordem jurídica, conforme bem evidencia o art. 17 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição.
Espécies: poder constituinte material e poder constituinte formal. Há autores que estabelecem uma distinção entre o poder constituinte material e o poder constituinte formal, sendo que o primeiro precederia o segundo. O poder constituinte material é o poder de auto-organização do Estado, resultante das forças políticas dominantes em determinado momento histórico. O poder constituinte formal é o órgão que elabora o novo texto constitucional.
Características. O poder constituinte originário é:
a) inicial, pois dá origem a uma nova ordem constitucional, não se fundando em qualquer outro;
b) ilimitado ou autônomo, já que não está submetido a nenhuma ordem jurídica, podendo dispor sobre qualquer assunto;
c) incondicionado, pois não tem fórmula preestabelecida para sua manifestação.
Permanência do poder constituinte originário. O poder constituinte originário não se esgota após a elaboração de uma Constituição; subsiste como um poder de fato, como uma expressão da liberdade humana (Manoel Gonçalves Ferreira Filho). Pode se manifestar tanto pela elaboração de uma nova ordem constitucional, como sob a vestimenta de uma reforma política (Paulo Gonet Branco).
4.2. PODER CONSTITUINTE DERIVADO, DE 2º GRAU, SECUNDÁRIO, RELATIVO OU LIMITADO
É o poder de modificação da Constituição, bem como o poder do Estado-Membro de uma Federação de elaborar sua própria Constituição. Abrange tanto o poder constituinte de reforma como o poder constituinte decorrente.
Natureza. Trata-se de um poder de direito, pois instituído pelo poder constituinte originário. Deve manifestar-se de acordo com as limitações previstas na Constituição.
Características. O poder constituinte derivado é:
a) subordinado, pois se encontra abaixo do poder constituinte originário, limitado por este. A atual Constituição, por exemplo, estabelece que certos assuntos não podem ser modificados, as denominadas cláusulas pétreas (CF, art. 60, § 4º);
b) condicionado, uma vez que deve manifestar-se de acordo com o preestabelecido pelo poder constituinte originário. A atual Constituição, por exemplo, determina o procedimento exigido para a
aprovação de uma emenda à Constituição (CF, art. 60 e parágrafos).
Espécies: poder constituinte derivado de reforma ou reformador e poder constituinte decorrente. O primeiro é o poder de modificação das normas constitucionais. A atual Constituição brasileira estabelece duas formas de alteração, por intermédio de emendas à Constituição e pela revisão constitucional.
Emendas à Constituição são modificações de certos dispositivos constitucionais, exigindo-se para aprovação maio ria de 3/5 em ambas as Casas do Congresso Nacional, em dois turnos de votação (CF, art. 60). Pelo processo de revisão constitucional houve possibilidade de ampla alteração do texto constitucional, exigindo-se somente a maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral (ADCT, art. 3º). A revisão constitucional brasileira já foi realizada, cinco anos após a promulgação da Constituição de 1988, conforme estabelecido pelo poder constituinte originário.
Quanto ao poder constituinte decorrente, é o poder do Estado-Membro de uma Federação de elaborar sua própria Constituição. A atual atribui esse poder constituinte aos Estados Federados em seu art. 25, estabelecendo os limites e a forma de manifestação no art. 11 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias — ADCT. Cada unidade da Federação possui a sua Constituição Estadual. O poder
constituinte decorrente não foi estendido pela atual Constituição aos Municípios, que se regem por leis orgânicas aprovadas pelas respectivas Câmaras Municipais (CF, art. 29, caput).
5 TITULARIDADE
Observa Luís Roberto Barroso que o debate acerca da titularidade do poder constituinte, na teoria constitucional, não tem por objeto a descrição da força material que o exerce, mas a sua valoração ética. Segundo Dalmo Dallari, da própria noção de Constituição resulta que o titular do poder constituinte é sempre o povo. Porém, como aponta Celso Bastos, titular também do poder constituinte pode ser uma minoria, quando o Estado terá então a forma de aristocracia ou oligarquia. Por essa razão, alguns autores fazem uma distinção entre titularidade e exercício do poder constituinte.
Segundo essa concepção, o titular seria sempre o povo, mas o seu exercício poderia ser atribuído somente a uma parcela dele.Dentro de uma concepção democrática, o titular do poder constituinte é o povo, que elabora uma nova Constituição por intermédio de representantes legitimamente eleitos.
6 AGENTES DO PODER CONSTITUINTE
São as pessoas que estabelecem a Constituição em nome do titular do poder constituinte. Na Constituição de 1988, elaborada por uma Assembleia Nacional Constituinte, o titular do poder constituinte foi o povo brasileiro, mas os agentes foram os seus representantes eleitos para tal, conforme consta do próprio preâmbulo do texto constitucional: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte...”.
7 VEÍCULOS DO PODER CONSTITUINTE
Normalmente o poder constituinte se manifesta por intermédio de uma revolução, que significa o rompimento pela força da ordem jurídica até então estabelecida. Pode ocorrer tanto na formação de um
novo Estado, como na reformulação da ordem jurídica vigente em um Estado já existente. Há, porém, outros meios de manifestação do poder constituinte originário, de forma não violenta, como nos processos consensuais de transição ocorridos, por exemplo, na Espanha, com a passagem do regime franquista para o democrático, e, no Brasil, com a evolução do regime militar para o democrático. Ocorreu um processo de transição política pacífica em diversos países da Europa Oriental após a dissolução da União Soviética. Ou também nos processos de descolonização, em que a nova ordem constitucional surge dentro de
uma transição pacífica para a independência.
8 LIMITES DO PODER CONSTITUINTE
Sempre que for feita referência a limites do poder constituinte, ela o será ao poder constituinte derivado. O originário, como já vimos, é um poder absoluto, de fato, que não encontra qualquer limitação de ordem jurídica. Os limites do poder constituinte derivado são estabelecidos pelo poder constituinte originário. Podemos classificar esses limites dentro dos critérios a seguir expostos.
8.1. LIMITES CIRCUNSTANCIAIS
Certas Constituições não podem ser alteradas em determinadas situações de instabilidade política. Pretende-se que qualquer alteração da Constituição ocorra em plena normalidade democrática, sem qualquer restrição a direitos individuais ou à liberdade de informação, para que as consequências de eventuais modificações do texto fundamental sejam amplamente discutidas antes de qualquer deliberação.
Exemplos: a) a Constituição brasileira de 1988 não admite emendas na vigência de intervenção federal, estado de defesa ou estado de sítio;
b) a Constituição francesa não permite modificações com a presença de forças estrangeiras de ocupação em território francês. Essa norma é fruto da história francesa, que teve a sua Constituição desfigurada
durante o período de ocupação nazista.
8.2. LIMITES MATERIAIS
Determinadas matérias não podem ser objeto de modificação. São as denominadas cláusulas pétreas, o cerne fixo da Constituição, a parte imutável do texto constitucional. Exemplo: todas as Constituições brasileiras de 1891 a 1946 proibiam qualquer emenda visando a alteração tanto da República como da Federação. A atual retirou das cláusulas pétreas a República, estabelecendo a realização de um plebiscito em que o povo pôde optar livremente por ela como forma de governo preferida. Por outro lado, inseriu, além da forma federativa de Estado, três outras cláusulas pétreas, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais (CF, art. 60, § 4º).Essas limitações materiais podem ser explícitas ou implícitas. As primeiras são as que já vêm enunciadas na própria Constituição, as já mencionadas cláusulas pétreas. Implícitas são as que decorrem do sistema constitucional, como as que estabelecem o processo de alteração de normas constitucionais, as que fixam as competências das entidades federativas etc.
8.3. LIMITES TEMPORAIS OU FORMAIS
Certas Constituições não podem ser modificadas durante certo período após a sua promulgação ou só admitem a aprovação de alterações de tempos em tempos, de forma espaçada. Exemplo: a Constituição brasileira do Império, que admitia qualquer alteração somente quatro anos após a sua promulgação.
8.4. LIMITES PROCEDIMENTAIS
A própria Constituição estabelece o rito a ser seguido para sua alteração. Esse procedimento deve ser rigorosamente obedecido, sob pena de inconstitucionalidade formal da norma aprovada.
8.5. LIMITES IMPLÍCITOS OU INERENTES OU TÁCITOS
Além dos limites explícitos anteriormente mencionados, há limites materiais implícitos ao poder constituinte derivado, decorrentes dos próprios princípios adotados pela Constituição. Esses limites também são denominados inerentes ou tácitos. Como exemplos, a doutrina aponta:
a) os concernentes ao titular do poder constituinte;
b) os referentes ao titular do poder reformador;
c) os relativos ao processo de emenda. Como ensina José Afonso da Silva, essas restrições se justificam por razões lógicas:
“se pudessem ser mudadas pelo poder de emenda ou ordinário, de nada adiantaria estabelecer vedações circunstanciais ou materiais”.
9 PODER CONSTITUINTE DIFUSO
Há autores que sustentam, com fundamento em Burdeau, que, além do poder constituinte originário e do poder constituinte derivado, existe uma terceira modalidade, o poder constituinte difuso, responsável
pelas mutações constitucionais, que são os processos informais de modificação da própria Constituição. Sem alterar o enunciado formal, a letra do texto constitucional, modifica-se o entendimento da norma constitucional. A titularidade do poder constituinte permanece sendo do povo, mas é exercido pelos órgãos do poder constituído, por meio de interpretação administrativa ou judicial, leis e costumes.
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