É o texto que precede os dispositivos constitucionais. O preâmbulo faz parte da Constituição. Consagram-se nesse texto introdutório da Carta Magna algumas questões fundamentais:
a) quem fez a Constituição;
b) com qual autoridade; e
c) quais os princípios fundamentais que influenciaram na sua elaboração.
O preâmbulo possui um inegável valor de interpretação das normas constitucionais, por ter emanado do próprio poder constituinte originário, o mesmo que elaborou a Constituição.
Efeitos. Os efeitos do preâmbulo são amplamente discutidos na doutrina. Para alguns autores, como Pinto Ferreira, o preâmbulo possui efeito vinculante, normativo, pois seus princípios fazem parte do próprio texto constitucional. Dessa forma, se uma lei violar os princípios contidos nesse texto de introdução à Constituição, ainda que não ofenda explicitamente nenhum dispositivo, será inconstitucional. Para
outros autores, como José Celso de Mello Filho, serve somente como elemento de interpretação do texto constitucional, não possuindo força vinculante, pois desprovido de qualquer regra de direito positivo.
Serviria apenas como elemento de interpretação das normas constitucionais. Para uma terceira corrente, preconizada por Jorge Miranda, o preâmbulo é parte da Constituição, mas seu conteúdo não teria
a mesma eficácia jurídica de uma norma constitucional. Na Constituição brasileira, considerando o seu caráter analítico, essa questão teórica é desprovida de qualquer importância prática, pois todos os
princípios contidos no preâmbulo foram reproduzidos em seu texto.
Histórico. Todas as Constituições brasileiras possuíram preâmbulo. Uma particularidade a ser observada é que somente duas não fizeram a invocação do nome e da proteção de Deus (o elemento teocrático): as Constituições de 1891 e 1937. Ambas em razão da influência positivista na proclamação da República e na formação pessoal de Getúlio Vargas.
Constituição de 1988. Na atual Constituição, o preâmbulo esclarece que ela foi elaborada por representantes do povo brasileiro, eleitos para compor uma Assembleia Nacional Constituinte, com a finalidade de instituir um Estado Democrático de Direito, destinado a tornar efetivos, como valores supremos (mais importantes) de uma sociedade fraterna (de irmãos, com a colaboração de todos na consecução de objetivos comuns), pluralista (com livre formação de correntes políticas e ideológicas) e sem preconceitos (ideias discriminatórias, recebidas sem qualquer juízo crítico), os seguintes ideais: “exercício de direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça”.
2 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
2.1. INTRODUÇÃO
A Constituição brasileira inicia com o Título I dedicado aos “princípios fundamentais”. Esse destaque realça a importância dada às normas jurídicas informadoras da organização do Estado brasileiro. A valorização dos princípios tem sido uma das tendências do direito constitucional contemporâneo.
2.2. CONCEITO
Princípios fundamentais são as normas jurídicas informa doras do ordenamento constitucional brasileiro. Sobre essas diretrizes básicas foi elaborada a Constituição brasileira. Contêm os mais importantes valores que influenciaram a elaboração da Constituição da República Federativa do Brasil. Os princípios são dotados de normatividade, ou seja, possuem efeito vinculante, constituem normas jurídicas efetivas. Existe uma tendência moderna no direito constitucional denominada pós-positivismo, em que há valorização jurídica e política dos princípios constitucionais.
2.3. FINALIDADES DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
Conforme ensina Paulo Bonavides, os princípios constitucionais possuem três funções extremamente relevantes na ordem jurídica:
a) fundamentadora;
b) interpretativa; e
c) supletiva.Pela função fundamentadora, estabelecem as diretrizes de todo um sistema de normas constitucionais. Possuem eficácia derrogatória e diretiva. Com a função interpretativa, permitem o alcance da verdadeira finalidade da lei no momento de sua aplicação. Pela função supletiva, realizam a tradicional tarefa de integração do ordenamento jurídico. Esta última função é a prevista no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
2.4. VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS
Considerando que os princípios constitucionais foram expressamente inseridos no texto constitucional, a norma infraconstitucional que viole qualquer um deles, previstos expressamente ou de forma implícita, é inconstitucional e, portanto, deve ser retirada do mundo jurídico. A violação de um princípio é, muitas vezes, mais grave que a de uma regra jurídica específica, pois ofende uma norma informadora de todo um sistema jurídico. É conhecida a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello a respeito: “Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade... representa insurgência contra todo o sistema, subversão de valores fundamentais...”.
2.5. NORMAS JURÍDICAS: PRINCÍPIOS E REGRAS
As normas jurídicas são classificadas pela doutrina moderna em duas espécies: princípios e regras. O importante é ressaltar que tanto as regras como os princípios são dotados de valor normativo, jurídico, imperatividade. Dentre os muitos critérios apresentados para distinguir essas duas espécies de normas jurídicas, salientaremos alguns.
Princípio é tradicionalmente definido como mandamento nuclear, verdadeiro alicerce ou disposição fundamental de um sistema normativo (Celso Antônio Bandeira de Mello). As regras seriam a concretização destes princípios. Observe-se que há princípios que, embora não enunciados em nenhum dispositivo legal, são extraídos do ordenamento jurídico e servem para fundamentar decisões judiciais.
Princípios e regras. Entre os autores que distinguem princípios e regras há dois que merecem um especial destaque, em uma brevíssima síntese:Ronald Dworkin (Levando os direitos a sério) sustenta que, ao lado
das regras jurídicas, existem também os princípios. As regras são aplicáveis pelo critério de subsunção, possuem a dimensão da validade, de tudo ou nada. Em caso de conflito de regras, pelos critérios tradicionais de resolução (hierarquia, cronológico e especialidade), aplica-se uma ou outra regra. Ou os pressupostos fáticos de aplicação da regra estão presentes e ela é válida ou não estão presentes e ela não é aplicável. Os princípios, por sua vez, são aplicáveis pela dimensão do peso; em caso de colisão entre princípios, terá prevalência aquele que, no caso concreto, tiver maior peso. Isso não significa que o princípio preterido deixará de valer, pois, em outra situação, poderá prevalecer.
Robert Alexy (Teoria dos direitos fundamentais) ensina que os princípios são mandamentos de otimização, normas que estabelecem que algo deve ser realizado na maior medida possível, diante das possibilidades fáticas e jurídicas presentes. As regras, ao contrário, estabelecem mandamentos ou comandos definitivos; se uma regra é valida, outra não é aplicável. As colisões de princípios devem ser resolvidas pelo sopesamento, balanceamento ou ponderação entre os valores envolvidos na solução do caso concreto.
Canotilho observa, ainda, que os princípios são normas com um grau de abstração elevada; ao contrário, as regras possuem uma abstração relativamente reduzida. Os princípios, por serem vagos e indeterminados, precisam de normas concretizadoras (do legislador, do juiz), enquanto as regras são suscetíveis de aplicação direta. Os princípios são normas de caráter estruturante, servem como fundamento de regras.
Exemplos de princípios: arts. 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, caput, incisos I e II, 37, caput, 170 e 206. Já as regras possuem um menor grau de generalidade e abstração e alta densidade normativa, pois dispensam a aplicação de outras regras. A aplicação de uma regra dispensa a aplicação de outra. Exemplos de regras contidas no texto constitucional: arts. 57 e 242, § 2º.
2.6. COLISÕES DE PRINCÍPIOS E CONFLITOS DE REGRAS
As colisões de princípios são resolvidas pelo critério de peso, preponderando o de maior valor no caso concreto, pois ambas as normas jurídicas são consideradas igualmente válidas. Por exemplo: o eterno dilema entre a liberdade de informação jornalística e a tutela da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (CF, art. 220, § 1º). Há necessidade de compatibilizar ao máximo os princípios, podendo prevalecer, no caso concreto, a aplicação de um ou outro direito. Já os conflitos de regras são resolvidos na dimensão da validade, em que a aplicação de uma regra importa a não aplicação da outra. Conflitos de regra são resolvidos pelos critérios tradicionais de interpretação: considera-se a norma dotada de superioridade hierárquica (hierárquico), a lei posterior revoga a anterior (cronológico), a lei específica prevalece sobre a regra geral (da especialidade).
2.7. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS
A Constituição abre seu título com uma série de princípios informadores do Estado brasileiro: republicano, federativo e democrático (art. 1º, caput); soberania nacional, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e pluralismo político (incisos do art. 1º); separação de poderes (art. 2º); liberdade, justiça e solidariedade, desenvolvimento nacional, erradicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais; igualdade (art. 3º). O último inciso do art. 3º, inciso IV, ao fixar entre os objetivos fundamentais a promoção do bem de todos, estabelece como princípio constitucional, na definição de Luiz Alberto David Araujo, a busca da felicidade. Outros princípios fundamentais estão espalhados por todo o texto constitucional, de forma explícita ou implícita. Muitos de forma até repetitiva, para que não sejam desconsiderados.
3 DENOMINAÇÃO ATUAL DO ESTADO BRASILEIRO
O nome atual do Estado brasileiro é “República Federativa do Brasil”. Na época do Império, era chamado “Império do Brasil”. Com a proclamação da República, em razão da forte influência da Constituição norte-americana, passamos à denominação “Estados Unidos do Brazil”, designação que foi mantida nas Constituições de 1934, 1937 e 1946 como “Estados Unidos do Brasil”, já incorporada a reforma ortográfica da língua portuguesa. A Carta Constitucional de 1967 simplificou o nome do Estado brasileiro simplesmente para “Brasil”. A Constituição de 1969 adotou a fórmula de “República Federativa do Brasil”, que foi mantida pela atual.
República Federativa do Brasil. Na atual denominação constam a forma federativa de organização do Estado brasileiro e republicana de organização do governo. A forma federativa de Estado é cláusula
pétrea (art. 60, § 4º, I). Já a forma republicana de governo foi retirada pela Constituição de 1988 desse rol, possibilitando a realização de um plebiscito em que o povo brasileiro, por ampla maioria, manifestou-se por sua conservação como forma de organização. Os conceitos de Federação e República serão examinados quando do estudo do Título III da Constituição brasileira, denominado “Da Organização do Estado”.
4 REPÚBLICA
República, do latim respublica (coisa pública), é a forma de governo que se caracteriza pela eleição periódica dos membros do Poder Executivo e Legislativo e um regime de responsabilidade das pessoas que ocupam cargos públicos. Apresenta três características básicas: a eletividade, a periodicidade dos membros do Poder Legislativo e Executivo e a responsabilidade das pessoas que ocupam cargos públicos. Prevalece no Brasil desde 1889, com a edição do Decreto n. 1, de 15 de novembro de 1889. Como consequência do regime republicano são previstas no texto constitucional eleições periódicas para a escolha de representantes da vontade popular para a ocupação de cargos nos Poderes Executivo e Legislativo, a possibilidade de impeachment do Presidente da República e a necessidade das pessoas que ocupam cargos públicos de prestarem contas de seus atos. Uma das hipóteses de intervenção federal é assegurar a observância da forma republicana de governo nos Estados-Membros (art. 34, VII, a) .
5 FEDERAÇÃO
Federação é a aliança de Estados para a formação de um Estado único, em que as unidades federadas preservam sua autonomia política, enquanto a soberania é transferida para o Estado Federal. O federalismo
possibilita a coexistência de diferentes coletividades políticas dentro de um Estado único, havendo diversas esferas de atribuições fixadas na própria Constituição entre a União e os Estados Federados. O conceito
de Federação será examinado ao tratarmos do Título III da Constituição Federal, denominado “Da Organização do Estado”.
6 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Estado Democrático de Direito é um aperfeiçoamento do tradicional conceito de Estado de Direito. Historicamente não mais bastava para a identificação do regime democrático. O Estado de Direito é o
Estado regido por leis, em contraposição à concepção absolutista de Estado, que é regido pela força, pela vontade do monarca. De acordo com José Afonso da Silva, o Estado de Direito, um conceito próprio do
liberalismo, apresenta três características básicas: a) império das leis; b) divisão de poderes; e c) enunciado e garantia de direitos individuais. Essas características infelizmente não serviram para diferenciar
regimes democráticos de não democráticos. Regimes ditatoriais apresentaram-se como Estados de Direito, com leis impostas de forma autoritária, separação somente formal de poderes e um enunciado de
direitos individuais apenas nominal. Não é por acaso que diversos países, após períodos de autoritarismo, adotaram outras formas para a identificação de seus regimes políticos e valorizaram os direitos humanos em sua lei fundamental. A Alemanha, após a derrocada do nazismo, passou a denominar-se “Estado federal, democrático e social”, enunciando logo no art. 1 º que “A dignidade do homem é intangível".
Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todo o poder público”. A Espanha, depois da transição do regime franquista para o democrático, adotou o conceito de “Estado Social e Democrático de Direito”. Portugal,
após a Revolução dos Cravos, com a redemocratização do país, intitula-se como um “Estado de Direito Democrático”, estabelecendo em seu art. 1 que “Portugal é uma República soberana, baseada na
dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”. Em processo de transição do regime militar para a democracia, a Constituição brasileira de 1998 define, logo em seu art. 1 o, a República Federativa do Brasil como um “Estado Democrático de Direito” e consagra a dignidade da pessoa humana como um de seus fundamentos. Podemos conceituar o Estado Democrático de Direito como o Estado regido por leis, em que o governo está nas mãos de representantes legitimamente eleitos pelo povo e há ampla valorização dos direitos humanos.
7 FUNDAMENTOS DO ESTADO BRASILEIRO
A Constituição, logo em seu art. 1º, aponta cinco fundamentos da organização do Estado brasileiro. Eles devem ser interpretados como os principais valores na organização da ordem social e jurídica brasileira.Soberania. Constitui um dos atributos do próprio Estado, pois não existe Estado sem soberania. Significa a supremacia do Estado brasileiro na ordem política interna e a independência na ordem po-
lítica externa.Cidadania. O termo “cidadania” foi empregado em sentido amplo, abrangendo não só a titularidade de direitos políticos, mas também civis. Alcança tanto o exercício do direito de votar e ser votado como o efetivo exercício dos diversos direitos previstos na Constituição, tais como educação, saúde e trabalho. Cidadania, no conceito expresso por Hannah Arendt, o direito a ter direitos.Dignidade da pessoa humana. O valor dignidade da pessoa humana deve ser entendido como o absoluto respeito aos direitos fundamentais de todo ser humano, assegurando-se condições dignas de existência para todos.
O ser humano é considerado pelo Estado brasileiro como um fim em si mesmo, jamais como meio para atingir outros objetivos.Valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. O trabalho e a livre iniciativa foram identificados como fundamentos da ordem econômica estabelecida no Brasil, ambos considerados indispensáveis para o adequado desenvolvimento do Estado brasileiro. Esses dois fatores revelam o modo de produção capitalista vigente. A Constituição pretende estabelecer um regime de harmonia entre capital e trabalho.Pluralismo político. O pluralismo político significa a livre formação de correntes políticas no País, permitindo a representação das diversas camadas da opinião pública em diferentes segmentos. Esse
dispositivo constitucional veda a adoção de leis infraconstitucionais que estabeleçam um regime de partido único ou um sistema de bipartidarismo forçado ou que impeçam uma corrente política de se
manifestar no País.
8 SEPARAÇÃO DE PODERES
O sistema de separação de poderes é a divisão funcional do poder político do Estado, com a atribuição de cada função governamental básica a um órgão independente e especializado. Três são as funções
governamentais básicas: legislativa, executiva e judiciária. A denominação de cada órgão varia segundo a destinação que lhe é dada. O sistema de separação de poderes será examinado ao tratarmos do Título IV da Constituição Federal, denominado “Da Organização dos Poderes”.
9 OBJETIVOS FUNDAMENTAIS
A nossa Constituição, quanto ao modelo, classifica-se como dirigente, pois estabelece metas que devem ser buscadas pelo Estado brasileiro, diretrizes que devem informar os programas de atuação governamental em todas as esferas do poder político. A atual Carta brasileira foi a primeira a fixar objetivos para o Estado, em uma clara inspiração da Constituição portuguesa elaborada após a restauração democrática. Trata-se de uma Constituição voltada não só para o presente, mas também para o futuro. Observa-se que os objetivos previstos em seu art. 3º não se confundem com os fundamentos estabelecidos no art. 1º. Os fundamentos são princípios inerentes ao próprio Estado brasileiro, fazem parte de sua construção. Já os objetivos fundamentais são as finalidades a serem alcançadas. Essas metas, muito embora possam apresentar-se, de certa forma, como utópicas, servem de claro rumo para os governos nacionais na formulação e implementação de suas políticas. Esses dispositivos constitucionais possuem inegável carga jurídica, sendo inconstitucional qualquer medida que venha a contrariá-los.Foram estabelecidos quatro objetivos fundamentais para a República Federativa do Brasil.
a) Construir uma sociedade livre, justa e solidária. O Estado brasileiro deve buscar a construção de uma sociedade informada pelos princípios de liberdade, justiça e solidariedade.
b) Garantir o desenvolvimento nacional. Desenvolvimento nacional em todos os sentidos, não somente econômico, mas também social. Deve ser entendido como a busca do aumento da produção interna, bem como da melhoria dos índices de desenvolvimento social (saúde, educação, moradia etc.). Um aumento do PIB (Produto Interno Bruto) desacompanhado de melhor distribuição de renda, sem sombra de dúvida, não caracteriza desenvolvimento nacional.
c) Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. A pobreza é uma característica dos países do terceiro mundo, do capitalismo periférico. Uma decorrência desse princípio é a vedação constitucional de salários mínimos regionais (art. 7º, IV), medida que contribuiria para a reservação da desigualdade entre os Estados mais desenvolvidos do Sul e Sudeste do País e os do Norte e Nordeste.
d) Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Essa preocupação com a igualdade e a eliminação de qualquer forma de discriminação in-
forma diversos dispositivos constitucionais, como na consagração do princípio da igualdade e no manifesto combate ao racismo.
A Lei n. 7.716/79 pune os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Diversas outras formas de intolerância devem ser combatidas, como as decorrentes de gênero ou de orientação sexual.
DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
O Título II da Constituição brasileira de 1988 é dedicado aos direitos e garantias fundamentais. É dividido em cinco capítulos: I — “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”; II — “Dos Direitos Sociais”; III — “Da Nacionalidade”; IV — “Dos Direitos Políticos”; e V — “Dos Partidos Políticos”.Observa-se que, dentro da sistemática adotada pela Constituição brasileira, o termo “direitos fundamentais” é gênero, abrangendo as seguintes espécies: direitos individuais, coletivos, sociais, nacionais e políticos. As Constituições escritas estão vinculadas às declarações de direitos fundamentais. A própria Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada após a Revolução Francesa, em 1789, estabelecia que o Estado que não possuísse separação de poderes e um enunciado de direitos individuais não teria uma Constituição.
A Constituição de 1988 inovou em diversos aspectos em relação às anteriores: a) foi a primeira a fixar os direitos fundamentais antes da organização do próprio Estado, realçando a importância deles na nova ordem democrática estabelecida no País após longos anos de autoritarismo; b) tutelou novas formas de interesses, os denominados coletivos e difusos; c) impôs deveres ao lado de direitos individuais e coletivos.
2 CONCEITO
Direitos fundamentais são os considerados indispensáveis à pessoa humana, necessários para assegurar a todos uma existência digna, livre e igual. Não basta ao Estado reconhecer direitos formalmente; deve buscar concretizá-los, incorporá-los no dia a dia dos cidadãos e de seus agentes.
2.1. CARACTERÍSTICAS
Os direitos fundamentais apresentam as seguintes características:
a) Historicidade. Para os autores que não aceitam uma concepção jusnaturalista, de direitos inerentes à condição humana, decorrentes de uma ordem superior, os direitos fundamentais são produtos da evolução histórica. Surgem das contradições existentes no seio de uma determinada sociedade.
b) Inalienabilidade. Esses direitos são intransferíveis e inegociáveis.
c) Imprescritibilidade. Não deixam de ser exigíveis em razão da falta de uso.
d) Irrenunciabilidade. Nenhum ser humano pode abrir mão de possuir direitos fundamentais. Pode até não usá-los adequadamente, mas não pode renunciar à possibilidade de exercê-los.
e) Universalidade. Todos os seres humanos têm direitos fundamentais que devem ser devidamente respeitados. Não há como excluir uma parcela da população do absoluto respeito à condição de ser
humano.
f) Limitabilidade. Os direitos fundamentais não são absolutos. Podem ser limitados, sempre que houver uma hipótese de colisão de direitos fundamentais.
3 GERAÇÕES OU DIMENSÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
A doutrina aponta a existência de três gerações de direitos fundamentais. Utiliza-se o termo “gerações” porque, em momentos históricos distintos, surgiu a tutela de novos direitos. Observa-se que não existe contradição alguma entre eles. Todos são tratados como igualmente fundamentais. Interessa ao indivíduo e à sociedade a proteção de todos os interesses considerados indispensáveis à pessoa humana. As três gerações ou dimensões de direitos fundamentais são as seguintes:
a) direitos individuais;
b) direitos sociais;
c) direitos de fraternidade.
Como é do conhecimento de todos, o ideário político dos revolucionários franceses de 1789 era resumido em uma grande palavra de ordem: “liberdade, igualdade e fraternidade”. Cada geração de direitos
representa a conquista pela humanidade de um desses grandes postulados. A primeira geração, dos direitos individuais e políticos, corresponde ao ideal da liberdade; a segunda geração, dos direitos sociais, econômicos e culturais, atende ao princípio da igualdade; e a terceira geração, dos direitos de grupos de pessoas coletivamente consideradas, corresponde ao postulado da fraternidade.
A primeira geração corresponde aos direitos de liberdade, abrangendo direitos individuais e políticos, dentro do modelo clássico de Constituição. São limites impostos à atuação do Estado, resguardando direitos considerados indispensáveis a cada pessoa humana. Significam uma prestação negativa, um não fazer do Estado, em prol do cidadão.
O nacional deixou de ser considerado como mero súdito, passando à condição de cidadão, detentor de direitos tutelados pelo Estado, inclusive contra os próprios agentes deste. Esses direitos surgiram em
decorrência das grandes revoluções burguesas do final do século XVIII, a Revolução Americana, em 1776, e a Revolução Francesa, em 1789. Exemplos de direitos indivi duais: liberdade de locomoção e
inviolabilidade de domicílio e de correspondência.A segunda geração corresponde aos direitos de igualdade, abrangendo os direitos sociais e econômicos. São direitos de conteúdo econômico e social que visam melhorar as condições de vida e de trabalho da população. Significam uma prestação positiva, um fazer do Estado em prol dos menos favorecidos pela ordem social e econômica.
Esses direitos nasceram em razão de lutas de uma nova classe social, os trabalhadores. Surgiram em um segundo momento do capitalismo, com o aprofundamento das relações entre capital e trabalho. As primeiras Constituições a estabelecer a proteção de direitos sociais foram a mexicana de 1917 e a alemã de Weimar, em 1919. Exemplos de direitos sociais: salário mínimo, aposentadoria, previdência social, décimo terceiro salário e férias remuneradas.
A terceira geração corresponde aos direitos de fraternidade ou de solidariedade. Ao lado dos tradicionais interesses individuais e sociais, o Estado passou a proteger outras modalidades de direito. São novos
direitos, decorrentes de uma sociedade de massas, surgida em razão dos processos de industrialização e urbanização, em que os conflitos sociais não mais eram adequadamente resolvidos dentro da antiga tutela jurídica voltada somente para a proteção de direitos individuais.
3.1. TEORIA DOS QUATRO STATUS DE JELLINEK
Jellinek, autor do final do século XIX, estabelece que o indivíduo, pelo fato de ser membro de um Estado, pode se colocar em quatro status, em condições jurídicas distintas: a) passivo (status subjectionis) – o indivíduo mantém um vínculo de subordinação com o Estado, por meio de mandamentos e obrigações; b) negativo – o indivíduo, por ser dotado de personalidade, desfruta de uma esfera de liberdade individual, que exclui o poder de império do Estado; c) positivo (status civitatis) – o indivíduo pode exigir do Poder Público que atue em seu favor; o Estado concede ao indivíduo prestações jurídicas positivas; e d) ativo – a denominada cidadania ativa; o indivíduo fica autorizado a exercer direitos políticos.
3.2. CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS QUANTO AO CONTEÚDO
Vieira de Andrade distingue, quanto ao conteúdo, três espécies de direitos fundamentais: a) direitos de defesa ou direitos de liberdades – que implicam o dever de abstenção do Estado, de não interferência no que toca às liberdades individuais; b) direitos de prestação – que impõem ao Estado um dever de agir, quer para a proteção dos bens jurídicos protegidos, quer para promover condições materiais e jurídicas para o gozo desses bens; e c) direitos de participação – direitos de participação na vida política, na formação da vontade política da comunidade.
4 HISTÓRICO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
O conceito de direitos individuais vincula-se à imposição de limites ao poder do governante, bem como de seus agentes, para resguardar direitos dos seres humanos isoladamente considerados. As primeiras limitações ao poder do Estado surgiram no final da Idade Média. O antecedente mais importante apontado pelos autores é a Magna Carta, na Inglaterra, em 1215, reconhecendo direitos dos barões, com restrições ao poder absoluto do monarca. Em seguida, surgiram diversas outras declarações limitando o poder do Estado. Contudo, só no século XVIII, com as Revoluções Francesa e Americana, foram editados os primeiros enunciados de direitos individuais. A 1ª Declara ção foi a da Virgínia, em 1776, estabelecendo, entre outros princípios fundamentais, igualdade de direitos, divisão de poderes, eleição de representantes, direito de defesa, liberdade de imprensa e liberdade religiosa. Em seguida, merece destaque a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, após a Revolução Francesa. Possuía um caráter de universalidade, pois se considerava válida para toda a humanidade. Após a 2ª Guerra Mundial, em 1948, foi editada, pela ONU, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, realçando a preocupação com o respeito aos direitos humanos em todos os países do mundo.
5 DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
Todas as Constituições brasileiras contiveram enunciados de direitos individuais. A de 1824, em seu art. 179, garantia “a inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brazileiros, que tem
por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade”. A Constituição de 1891 destinava uma seção à declaração de direitos, assegurando a “brazileiros e a estrangeiros residentes no paíz a inviolabilida-
de dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á propriedade” (art. 72). A de 1934, editada após a Constituição alemã de Weimar, continha, ao lado de um título denominado “Das Declarações de Direitos”, um outro dispondo sobre a ordem econômica e social, incorporando ao texto constitucional diversos direitos sociais.
A tutela a essa nova modalidade de direitos, os sociais, permaneceu em todas as demais Constituições. A Carta de 1937 consagrava direitos, mas o art. 186 declarava “em todo o país o estado de emergência”,
com a suspensão de diversas dessas garantias. Esse estado de emergência foi revogado apenas em novembro de 1945. A Constituição de 1946 destinou o Título IV à declaração de direitos. Esse enunciado de direitos fundamentais permaneceu nas Constituições de 1967 e 1969, muito embora ambas contivessem dispositivos que excluíam da apreciação judicial os atos praticados com base em atos institucionais (respectivamente, os arts. 173 e 181). A Constituição de 1988 inova ao dispor sobre os direitos fundamentais antes de tratar da organização do próprio Estado, bem como ao incorporar junto à proteção dos direitos individuais e sociais a tutela dos direitos difusos e coletivos.
6 DIREITOS FUNDAMENTAIS, DIREITOS DO HOMEM, DIREITOS HUMANOS, DIREITOS DO CIDADÃO, DIREITOS NATURAIS, DIREITOS CIVIS E DIREITOS POLÍTICOS
Muitas expressões são utilizadas frequentemente como sinônimas de direitos fundamentais, mas possuem conteúdo próprio ou refletem diversas concepções jurídicas. Como aponta Canotilho, os termos direitos fundamentais e direitos do homem distinguem-se quanto à origem e ao significado. Direitos do homem seriam os inerentes à própria condição humana, válidos para todos os povos, em todos os tempos. A Constituição não criaria esses direitos, apenas os reconheceria, pois são preexistentes à própria organização do Estado. Esse conceito reflete uma concepção jusnaturalista do direito. A expressão direitos humanos é a utilizada com igual significado em tratados internacionais. Direitos fundamentais são os considerados indispensáveis à pessoa humana, reconhecidos e incorporados ao direito positivo. De acordo com a sistemática adotada pela Constituição brasileira de 1988, a expressão direitos fundamentais é gênero de diversas modalidades de direitos: os denominados individuais, coletivos, difusos, sociais, nacionais e políticos. A expressão Direitos do cidadão, consagrada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada após a Revolução Francesa de 1789, reflete a dicotomia estabelecida entre os direitos que pertencem ao homem enquanto ser humano e os que pertencem a ele enquanto participante de certa sociedade. Direitos naturais seriam os inerentes à condição humana e civis, os pertencentes ao ser humano enquanto participante de uma determinada sociedade. Direitos políticos são os exercidos pelos que possuem a denominada cidadania ativa, ou seja, pelos que podem participar da formação da vontade política do Estado, exercendo os direitos de votar e ser votado.
7 DIREITOS INDIVIDUAIS
Direitos individuais são limitações impostas pela soberania popular aos poderes constituídos, para resguardar direitos indispensáveis à pessoa humana. Esses direitos recebem tutela constitucional na medida em que se inserem no texto da Constituição, devem ser formalmente reconhecidos e concretizados no cotidiano do cidadão. Após as grandes revoluções burguesas do final do século XVIII, o indivíduo passou a ser considerado como uma pessoa humana detentora de direitos e não mais como mero súdito. O indivíduo passou a ser considerado como um sujeito de direitos e não como mero integrante de um corpo social.
7.1. NATUREZA
Existem duas concepções quanto à natureza desses direitos. De acordo com a concepção tradicional, jusnaturalista, são direitos naturais, inerentes à pessoa humana. O Estado não os criaria, apenas reconheceria direitos preexistentes, decorrentes da própria condição humana. Segundo uma outra concepção, são direitos positivos, estabelecidos pela lei, que só existem na medida em que são incorporados ao direito positivo de um determinado Estado .
7.2. DIREITOS E GARANTIAS
No ordenamento jurídico pode ser feita uma distinção entre normas declaratórias, que estabelecem direitos, e normas assecuratórias, as garantias, que asseguram o exercício desses direitos. Exemplo: o direito à liberdade de locomoção, presente no art. 5º, XV, é uma norma declaratória, enquanto o direito ao habeas corpus, fixado no art. 5º, LXVIII, constitui uma garantia. Porém, convém ressaltar que as garantias de direito fundamental não se confundem com os remédios constitucionais. As garantias constitucionais são de conteúdo mais abrangente, incluindo todas as disposições assecuratórias de direitos previstas na Constituição. Alguns dispositivos constitucionais contêm direitos e garantias no mesmo enunciado. O art. 5º, X, estabelece a inviolabilidade do direito a intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, assegurando, em seguida, o direito a indenização em caso de dano material ou moral provocado pela sua violação.
7.3. DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS
A Constituição de 1988 foi a primeira a estabelecer direitos não só de indivíduos, mas também de grupos sociais, os denominados direitos coletivos. As pessoas passaram a ser coletivamente consideradas.
Por outro lado, pela primeira vez, junto com direitos foram estabelecidos expressamente deveres fundamentais. Tanto os agentes públicos como os indivíduos têm obrigações específicas, inclusive a de respeitar os direitos das demais pessoas que vivem na ordem social.
7.4. DIREITOS INDIVIDUAIS EXPLÍCITOS E IMPLÍCITOS
Os direitos individuais são considerados explícitos quando expressamente previstos no texto constitucional, por exemplo, todos os assegurados no art. 5º e seus incisos. Há direitos individuais explícitos em outros dispositivos constitucionais, como os contidos nos princípios tributários da legalidade e da anualidade (CF, art. 150). A Constituição admite a existência também de direitos individuais implícitos, cujo reconhecimento decorre de interpretação do texto constitucional. Essa abrangência evidencia-se pela leitura do art. 5º, § 2º, que reconhece a existência de outros direitos individuais “decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
7.5. DIREITOS INDIVIDUAIS BÁSICOS
São assim considerados os expressamente previstos no caput do art. 5º da Constituição Federal. São cinco: vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade. Há quem sustente que todos os demais direitos individuais são decorrências desses direitos individuais básicos.
7.6. ROL NÃO TAXATIVO
A relação extensa de direitos individuais estabelecida no art. 5º da Constituição Federal (78 incisos) não é taxativa, exaustiva. Eles existem em outras normas previstas na própria Constituição (p. ex., art. 150, contendo garantias de ordem tributária). A própria Constituição deixa claro o caráter meramente enunciativo desse enunciado, ao salientar que são tutelados outros direitos decorrentes dos princípios por ela adotados (p. ex., direito de reunião sem restrições em locais fechados, uma vez que o texto constitucional só prevê o direito de reunião em locais abertos, obedecidos certos requisitos — art. 5º, XVI), bem como dos tratados internacionais dos quais o Brasil faça parte (p. ex., Pacto de San José da Costa Rica).
7.7. APLICABILIDADE IMEDIATA
Os direitos individuais, conforme dispõe o art. 5º, § 1º, da Constituição Federal, possuem aplicabilidade imediata, o que significa dizer que são autoaplicáveis, ou seja, não dependem da edição de norma
regulamentadora para que possam ser exercidos. Somente quando a Constituição expressamente exigir uma regulamentação e o direito individual não puder ser efetivado sem a existência de uma legislação infraconstitucional, é que a norma pode ser interpretada como não autoexecutável.
7.8. TRATADOS INTERNACIONAIS SOBRE DIREITOS INDIVIDUAIS. POSIÇÃO HIERÁRQUICA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS
A Emenda Constitucional n. 45, ao acrescentar ao art. 5º dois novos parágrafos, estabeleceu que “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, que forem aprovados, em cada Casa
do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais” (§ 3º). Desta forma, ante o novo dispositivo constitucional, superando antiga controvérsia doutrinária e jurisprudencial, não resta qualquer dúvida que tratados internacionais que versem sobre direitos fundamentais da pessoa humana, de qualquer natureza, quer individuais, políticos ou sociais, firmados pelo Estado brasileiro, após ratificação por três quintos dos votos dos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal — a mesma maioria qualificada exigida para a alteração do texto constitucional —, estão no mesmo patamar hierárquico de normas constitucionais, prevalecendo sobre a legislação ordinária e possuindo o poder de revogação de normas constitucionais anteriores.
Momento da eficácia do tratado internacional. É da competência exclusiva do Presidente da República celebrar tratados e convenções internacionais (CF, art. 84, VIII). Esses acordos devem ser referendados
pelo Congresso Nacional por decretos legislativos (CF, arts. 84, VIII, parte final, e 49, I). Após a aprovação pelo Congresso, a eficácia depende, ainda, da futura edição de decreto do Presidente da República. Trata-se de um ato complexo, que se sujeita à conjugação de vontades do Congresso Nacional, que resolve definitivamente mediante a aprovação por decreto legislativo, e do Presidente da República, que celebra o acordo como Chefe do Estado para promulgá-lo após o referendo do Parlamento (STF, CR 8.279-4, Rel. Min. Celso de Mello, DJU, 14 maio 1998, p. 35-6).
7.9. DESTINATÁRIOS DOS DIREITOS INDIVIDUAIS
A própria leitura do art. 5º, caput, da atual Constituição evidencia que os destinatários dos direitos individuais e coletivos previstos no texto constitucional são os brasileiros e estrangeiros residentes no País.
Brasileiros são as pessoas que formam o povo brasileiro. Os critérios de aquisição da nacionalidade estão contidos na própria Carta Magna.
Estrangeiros são os não brasileiros, os que não possuem a nacionalidade do país em que se encontram. Três ordens de indagações podem ser feitas, e passaremos a responder a cada uma delas.Primeira pergunta. Pessoas jurídicas brasileiras possuem direitos individuais a serem observados pelo Estado brasileiro? Sim. Ao se tutelarem os direitos das pessoas jurídicas, de forma mediata são protegidos os das pessoas físicas, sócios ou beneficiários dessas empresas. Desprotegendo-se a pessoa jurídica, de forma indireta estar-se-iam expondo os direitos das pessoas físicas. Uma pessoa jurídica pode perfeitamente ingressar com um mandado de segurança e até mesmo com um habeas corpus em juízo, ações constitucionais previstas no art. 5º da Constituição Federal. Observa-se, ainda, que alguns dos direitos previstos nesse dispositivo somente podem ser exercidos por pessoas jurídicas, como o mandado de segurança coletivo (CF, art. 5º, LXX).
Segunda pergunta. Estrangeiros residentes no País têm garantidos outros direitos além dos previstos no art. 5º da atual Constituição?
Sim. Pelo próprio princípio da igualdade previsto nesse dispositivo constitucional, os estrangeiros residentes no País têm assegurados os demais direitos previstos na Constituição, desde que não incompatíveis com a situação de estrangeiro. Dessa forma, se não possuem o direito de voto, é assegurado aos estrangeiros o respeito aos direitos sociais previstos nos arts. 6º e 7º da Constituição, como salário mínimo, repouso semanal, férias e aposentadoria.
Terceira pergunta. Estrangeiros não residentes no País podem ter algum direito fundamental assegurado pela Constituição brasileira?
Sim. A Constituição brasileira estabelece como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, não podendo essa tutela, em território brasileiro, ser limitada pelo fator circunstancial da nacionalidade. Deve-se interpretar isso no sentido de que a Constituição só pode garantir direitos fundamentais aos estrangeiros submetidos à soberania do Estado brasileiro. Dessa forma, um estrangeiro, mesmo que de passagem ou clandestino no País, teria direito à impetração de um mandado de segurança ou de um habeas corpus. O Supremo Tribunal Federal já decidiu que “O súdito estrangeiro, mesmo o não domiciliado no Brasil, tem plena legitimidade para impetrar o remédio constitucional do ‘habeas corpus’, em ordem a tornar efetivo, nas hipóteses de persecução penal, o direito subjetivo, de que também é titular, à observância e ao integral respeito, por parte do Estado, das prerrogativas que compõem e dão significado à cláusula do devido precesso legal. A condição jurídica de não nacional do Brasil e a circunstância de o réu estrangeiro não possuir domicílio em nosso país não legitimam a adoção, contra tal acusado, de qualquer tratamento arbitrário ou discriminatório”. (HC 94.016/SP, Rel. Min. Celso de Mello).
8 DIREITO À VIDA
O direito à vida é o principal direito individual, o bem jurídico de maior relevância tutelado pela ordem constitucional, pois o exercício dos demais direitos depende de sua existência. Seria absolutamente inútil tutelar a liberdade, a igualdade e o patrimônio de uma pessoa sem que fosse assegurada a sua vida. Consiste no direito à existência do ser humano. Como ensina José Afonso da Silva, o direito à vida deve ser compreendido de forma extremamente abrangente, incluindo o direito de nascer, de permanecer vivo, de defender a própria vida, enfim, de não ter o processo vital interrompido senão pela morte espontânea e inevitável.
8.1. CONCEITOS DE VIDA E MORTE
O conceito de vida é uma questão filosófica de alta indagação. Magalhães Noronha, para efeitos de tutela jurídica, define vida como “o estado em que se encontra o ser animado, normais ou anormais
que sejam suas condições fisiopsíquicas”. A morte, ao contrário, é a cessação da vida, sendo diagnosticada pelo fim das funções vitais do organismo: respiração, circulação e atividade cerebral. O diagnóstico
da morte deve ser feito de acordo com os conhecimentos médicos existentes. Em regra, constata-se de forma clínica pela paralisação da respiração e da circulação, bem como por outros sinais evidenciadores
do término das funções vitais do organismo humano. Para efeitos de transplantes, contudo, em razão da possibilidade da manutenção artificial das funções respiratórias e de circulação, a legislação é mais rigo-
rosa, exigindo a verificação de morte encefálica (Lei n. 9.434/97).
8.2. LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL
A Constituição tutela o direito à vida sem estabelecer o momento inicial e final da proteção jurídica. Esses termos, por opção do poder constituinte originário, devem ser fixados pela legislação infraconstitucional, obedecidos os preceitos da Constituição. O direito à vida é protegido pelo legislador ordinário desde a concepção. De acordo com a legislação civil, “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro” (CC, art. 2º). O nascituro é o ser já concebido no ventre materno, mas ainda não nascido. A ele a legislação civil assegura diversos direitos, entre eles o de reconhecimento e o sucessório.
De acordo com a legislação penal, matar um ser humano durante ou após o nascimento é homicídio (CP, art. 121), e a provocação da morte do produto da concepção antes do nascimento, aborto (CP, arts.
124 a 128). Induzir, instigar ou auxiliar uma pessoa a se matar é crime de participação de suicídio (CP, art. 122), pois a vida é um bem jurídico indisponível. A morte não é um direito subjetivo, sendo lícita a conduta de quem impede, utilizando-se dos meios que forem necessários, alguém de se matar (CP, art. 146, § 3º, II). A realização do aborto só é admitida em duas hipóteses legais, absolutamente excepcionais: risco de
vida para a gestante e gravidez resultante de estupro (CP, art. 128, I e II).
Momento inicial da vida humana. Há autores, de posição ideológica conservadora, que sustentam que a proteção do direito à vida é estabelecida pela Constituição desde a concepção de forma absoluta,
sem qualquer restrição. De acordo com essa opinião o dispositivo legal que autoriza o denominado aborto sentimental, a interrupção da gravidez decorrente de violência sexual, não teria sido recepcionado
pela nova ordem constitucional. Em um entendimento mais rigoroso, fixando-se o momento inicial da tutela constitucional do direito à vida como o da fecundação do óvulo pelo espermatozoide, a própria venda de alguns dispositivos anticoncepcionais, como o DIU (dispositivo intrauterino) e a denominada “pílula do dia seguinte”, seria inconstitucional, pois esses métodos possuem o efeito de obstar a nidação, ou seja, a fixação do óvulo no útero materno. Outros penalistas, de concepção mais liberal, têm fixado o momento inicial de proteção do direito à vida como o da nidação (Heleno Fragoso e Mirabete), considerando lícita a utilização destes métodos anticoncepcionais.O Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos (6x5), ao rejeitar ação direta de inconstitucionalidade contra dispositivo da Lei n. 11.105/2005, que dispõe sobre biossegurança, julgou constitucional norma que permite, para fins de pesquisa ou terapia, a utilização de
células-tronco obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados, desde que de embriões inviáveis ou congelados há mais de três anos. O Min. Carlos Britto, relator, “asseverou
que as pessoas físicas ou naturais seriam apenas as que sobrevivem ao parto, dotadas do atributo a que o art. 2o do Código Civil denomina personalidade civil, assentando que a Constituição Federal, quando se
refere à ‘dignidade da pessoa humana’ (art. 1o, III), aos ‘direitos da pessoa humana’ (art. 34, VII, b), ao ‘livre exercício dos direitos ... individuais’ (art. 85, III) e aos ‘direitos e garantias individuais’ (art. 60, § 4o
, IV), estaria falando de direitos e garantias do indivíduo-pessoa. Assim, numa primeira síntese, a Carta Magna não faria de todo e qualquer estágio da vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida
que já é própria de uma concreta pessoa, porque nativiva, e que a inviolabilidade de que trata seu art. 5o
diria respeito exclusivamente a um indivíduo já personalizado” e que “o bem jurídico a tutelar contra
o aborto seria um organismo ou entidade pré-natal sempre no interior do corpo feminino. Aduziu que a lei em questão se referiria, por sua vez, a embriões derivados de uma fertilização artificial, obtida fora da relação sexual, e que o emprego das células-tronco embrionárias para os fins a que ela se destina não implicaria aborto” (ADIn 3.510, Informativo STF, n. 508).
8.3. DECORRÊNCIAS DO DIREITO À VIDA
Do direito à vida decorre uma série de outros direitos, como o direito à integridade física e moral, a proibição da pena de morte e da venda de órgãos, bem como a punição da violação destes direitos como
homicídio, eutanásia, aborto e tortura. Em seguida examinaremos as principais consequências.
8.3.1. EUTANÁSIA
Eutanásia é uma palavra composta de dois termos de origem grega (eu = bom e thanatos = morte), significando a denominada morte boa, ou homicídio piedoso, em que se mata alguém para abreviar os
sofrimentos de uma agonia dolorosa e prolongada. No Brasil, em razão de a vida ser um bem jurídico indisponível, a eutanásia configura crime, punida como homicídio privilegiado, em virtude da presença de
relevante valor moral na conduta do agente (CP, art. 121, § 1º).
Ortotanásia é outra palavra composta de dois termos de origem grega (orthos = justo e thanatos = morte), significando a denominada morte justa, ou eutanásia passiva, em que o médico deixa de prolongar
artificialmente a vida de um doente terminal, desligando os aparelhos que realizam as funções de respiração e circulação. A ortotanásia também configura crime perante a nossa legislação penal.
8.3.2. PENA DE MORTE
A pena de morte é expressamente vedada pela Constituição brasileira, salvo em caso de guerra declarada (CF, art. 5º, XLVII). Diversas razões justificam a não adoção da pena capital. Vejamos algumas. Seu
uso não diminui a criminalidade, conforme comprovam as estatísticas realizadas nos países que adotaram essa modalidade de imposição de pena. Há o risco sempre presente do erro judiciário. A violência do
Estado pode gerar ainda mais violência, pois o criminoso que não tem nada a temer pode tornar-se mais cruel. Além disso, há o risco da aplicação indiscriminada para qualquer tipo de crime, conforme as
circunstâncias políticas de cada momento. As hipóteses de aplicação da pena de morte em crimes cometidos em tempo de guerra estão previstas no Código Penal Militar. Os princí pios constitucionais da
legalidade e da anterioridade da lei penal continuam indispensáveis em tempo de guerra.
8.3.3. DIREITO À INTEGRIDADE FÍSICA
A pessoa humana deve ser protegida em seus múltiplos aspectos: vida, integridade física, honra e liberdade individual. Não basta garantir um simples direito à vida, mas assegurá-lo com o máximo de dignidade e qualidade na existência do ser humano. A integridade física deve ser entendida como o absoluto respeito à integridade corporal e psíquica de todo e qualquer ser humano. Em diversos dispositivos do art. 5º a Constituição reflete essa preocupação. Estabelece o inciso III que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. O inciso XLIX dispõe que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. Não é demais ressaltar que todos os seres humanos merecem ser tratados com dignidade e respeito, inclusive os que atentaram contra as próprias leis. O preso só deve cumprir as penas que lhe foram impostas na sentença, não admitindo a Constituição a imposição de penas cruéis (art. 5º, XLVII, e).
Para assegurar o respeito à integridade do preso e à legalidade da prisão, a Constituição estabelece uma série de outros direitos: LXII — comunicação imediata de qualquer prisão ao juiz competente, à família do preso ou à pessoa por ele indicada; LXIII — dever de informar o preso de seus direitos, inclusive o de permanecer calado, assegurando-lhe assistência à família e advogado; LXIV — direito do preso à identificação dos responsáveis pela sua prisão, ou pelo interrogatório policial; e LXV — relaxamento imediato pelo juiz da prisão feita de forma ilegal.
8.3.4. DIREITO À INTEGRIDADE MORAL
A vida não deve ser protegida somente em seus aspectos materiais. Existem atributos morais a serem preservados e respeitados por todos. A Constituição assegura expressamente “a indenização por
dano material, moral ou à imagem” (CF, art. 5º, V). A honra é um bem jurídico que encontra sua tutela no próprio texto constitucional. Deve ser entendida como o atributo moral do ser humano, abrangendo a autoestima e a reputação de uma pessoa, ou seja, a consideração que tem de si mesma, assim como aquela de que goza no meio social (CF, art. 5º, V e X).
8.3.5. VENDA DE ÓRGÃOS
Considerando o princípio do absoluto respeito à integridade física, bem jurídico considerado indisponível, a Constituição veda qualquer tipo de comercialização de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento (CF, art. 199, § 4º). O absoluto respeito ao corpo humano, além de bem jurídico tutelado de forma individual, é um imperativo de ordem estatal. Trata-se de bem fora de comércio por expressa previsão constitucional. Contudo, a doação de sangue ou de órgãos em vida ou post mortem, para fins de transplante ou tratamento, é válida. A Lei n. 9.434/97, com as alterações introduzidas pela Lei n. 10.211/2001, regulamenta a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano com essas finalidades terapêuticas.
8.3.6. TORTURA
A preocupação com a integridade física transcende em diversos dispositivos constitucionais. Considerando a prática corriqueira da tortura em presos comuns e políticos durante os anos do regime militar, a Constituição de 1988, em diversos incisos do art. 5º, deixou patente seu repúdio a essa forma de investigação. No inciso III estabeleceu que “ninguém será submetido a tortura”. No inciso XLIX assegura “aos presos o respeito à integridade física e moral”. No inciso XLIII considera inafiançável e insuscetível de graça ou anistia a
prática da tortura. Esse dispositivo foi regulamentado pela Lei n. 9.455/97.
A tortura, nos termos de nossa legislação penal, deve ser entendida como a imposição de qualquer sofrimento físico ou mental, mediante violência ou grave ameaça, com a finalidade de obter informações ou confissão, para provocar qualquer ação ou omissão de natureza criminosa, em razão de discriminação racial ou religiosa, bem como forma de aplicação de castigo pessoal ou medida de caráter preventivo a indivíduos submetidos à guarda do Estado ou de outra pessoa.
9 DIREITO À LIBERDADE OU ÀS LIBERDADES
9.1. INTRODUÇÃO
Liberdade é a faculdade que uma pessoa possui de fazer ou não fazer alguma coisa. Envolve sempre um direito de escolher entre duas ou mais alternativas, de acordo com sua própria vontade. O direito de
liberdade não é absoluto, pois a ninguém é dada a faculdade de fazer tudo o que bem entender. Essa concepção de liberdade levaria à sujeição dos mais fracos pelos mais fortes. Para que uma pessoa seja livre
é indispensável que os demais respeitem a sua liberdade. Em termos jurídicos, é o direito de fazer ou não fazer alguma coisa, senão em virtude da lei. Um indivíduo é livre para fazer tudo o que a lei não proíbe. Considerando o princípio da legalidade (art. 5º, II), apenas as leis podem limitar a liberdade individual.
9.2. TEORIAS
Como adverte José Afonso da Silva, “não cabe discutir a fundo as bases filosóficas do problema da liberdade num trabalho sobre direito positivo”. Em resumo, existem duas grandes tendências a respeito da
questão da liberdade. Para os adeptos do livre-arbítrio, o homem teria a faculdade de escolher o seu próprio destino, possuindo plena liberdade de agir de acordo com a sua consciência. Para os adeptos do determinismo, a faculdade de escolha do ser humano seria determinada pelas circunstâncias. É certo ainda que existem correntes intermediá rias. Mas é importante ressaltar que o homem, como ser racional, é sujeito e objeto da história. Atua de acordo com a sua vontade, mas esta é condicionada por diversas circunstâncias do meio social em que nasceu e vive.
9.3. DIVERSAS LIBERDADES
Alguns autores preferem tratar do direito às liberdades, pois existem diversas modalidades, com conceitos e tratamentos distintos. Há liberdades de pensamento, de locomoção, de expressão coletiva e de ação profissional.
9.5. LIBERDADE DE PENSAMENTO
O pensamento, em si, é absolutamente livre. Ninguém possui condições de controlá-lo, de conhecer o que, de certo ou errado, passa pela mente de um ser humano. Está absolutamente fora do poder social. O pensamento pertence ao próprio indivíduo, é uma questão de foro íntimo. A tutela constitucional surge no momento em que ele é exteriorizado com a sua manifestação. Se o pensamento, em si, é absolutamente livre, sua manifestação já não pode ser feita de forma descontrolada, pois o abuso desse direito é passível de punição. Essa é a razão pela qual a Constituição, em seu art. 5º, IV, estabelece que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.
9.6. VEDAÇÃO DO ANONIMATO
Se a Constituição assegura a liberdade de manifestação de pensamento, as pessoas são obrigadas a assumir a responsabilidade do que exteriorizam. Ninguém pode fugir da responsabilidade do pensamento exteriorizado, escondendo-se, covardemente, sob a forma do anonimato.
O direito de manifestação de pensamento deve ser exercido de maneira responsável. Não se tolera o exercício abusivo desse direito em detrimento da honra das demais pessoas. No caso da imprensa, responde pela informação abusiva do direito de manifestação de pensamento o autor da notícia. Tratando-se de matéria sem indicação do autor, responderão por eventual abuso as pessoas responsáveis pelo jornal ou periódico.
9.7. DIREITO DE RESPOSTA
No art. 5º, V, a Constituição assegura “o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano mate rial, moral ou à imagem”. Trata-se do exercício de um direito de defesa da pessoa
que foi ofendida em razão da publicação de uma notícia inverídica ou errônea. A pessoa atingida tem o direito de apresentar sua resposta ou retificação, oferecendo a sua versão dos fatos, em dimensões iguais à
do escrito ou transmissão que deu causa a esse direito, que pode ser exercido sem prejuízo de eventual ação de indenização por danos materiais, morais ou à imagem. A Constituição de 1988 inovou ao
assegurar expressamente a indenização por danos morais. As indenizações por danos materiais e morais são acumuláveis, conforme entendimento já consagrado na Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça.
9.8. LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA
A liberdade de consciência é de foro íntimo, interessando apenas ao indivíduo. Por sua própria natureza, é de caráter indevassável e absoluto e não está sujeita a qualquer forma de controle pelo Estado, abrangendo a liberdade de crença e a liberdade de consciência em sentido estrito. A liberdade de crença é a liberdade de pensamento de foro íntimo em questões de natureza religiosa (CF, art. 5º, VI). A liberdade de consciência em sentido estrito é a liberdade de pensamento de foro íntimo em questões não religiosas. Trata-se de convicções de ordem ideológica ou filosófica.
9.9. LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DE PENSAMENTO
Após anos de censura política e ideológica durante o regime militar instaurado em 1964, o constituinte de 1988, com a redemocratização do País, evidenciou sua preocupação em assegurar ampla
liberdade de manifestação de pensamento, o que fez em diversos dispositivos constitucionais. O art. 5º, IV, estabelece que “é livre a manifestação do pensamento”. O inciso IX desse mesmo artigo reitera, de
forma mais específica, que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Essa liberdade deve ser exercida de forma responsável, assegurando a Constituição, em caso de abuso, direito de resposta, além de indenização moral e material à pessoa ofendida. A liberdade de exteriorização do pensamento é assegurada nas diversas áreas do
conhecimento humano, abrangendo liberdade de culto (CF, art. 5º, VI), de cátedra (CF, art. 206, II — “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”), de informação jornalística (CF, art. 220 e seus parágrafos) e a liberdade científica e artística.
9.10. PROIBIÇÃO DA CENSURA E DA LICENÇA
A Constituição de 1988, preocupada em assegurar ampla liberdade de manifestação do pensamento, veda expressamente qualquer atividade de censura ou licença (art. 5º, IX). Por censura entende-se a verificação da compatibilidade entre um pensamento que se pretende exprimir e as normas legais vigentes. Por licença, a exigência de autorização de qualquer agente ou órgão para que um pensamento possa ser exteriorizado. Ao dispor sobre os veículos de comunicação social, essa preocupação do constituinte foi reiterada em termos abrangentes em dois parágrafos do art. 220 do texto constitucional: “§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística” e “§ 6º A publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade”. Jornais, revistas e periódicos não precisam de autorização de qualquer agente ou órgão público para que possam ser postos em circulação. Seus textos não estão sujeitos a controle por parte do Estado. Eventuais abusos devem ser punidos na forma da lei,
mas não podem obstar a liberdade de manifestação de pensamento.
9.11. LIBERDADE DE OPINIÃO
O direito de opinião é uma decorrência da liberdade de manifestação de pensamento. Trata-se do direito de emitir juízos de valor sobre os fatos da vida social.
9.12. LIBERDADE ARTÍSTICA E OS VEÍCULOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
A Constituição assegura ampla liberdade na produção da arte, nas suas mais variadas formas: literatura, música, teatro, cinema, televisão, fotografia, artes plásticas etc. Determinadas expressões artísticas,
como artes plásticas, literária e musical, gozam de ampla liberdade, não estando sujeitas a qualquer restrição por parte do Estado. Contudo, nas expressões artísticas feitas pelos veículos de comunicação social (imprensa, rádio e televisão) ou de forma pública (cinemas, teatros, casas de espetáculos), que atingem pessoas indeterminadas, a Constituição admite certas formas de controle. Tratando-se de diversões e espetáculos públicos, o Poder Público poderá estabelecer faixas etárias recomendadas, locais e horários para a apresentação. Ao mesmo tempo, lei federal deverá estabelecer meios para que qualquer pessoa
ou família possa defender-se de programações de rádio e televisão que atentem contra os valores éticos vigentes (CF, art. 220, § 3º, I e II).
9.13. DIREITO DE INFORMAÇÃO
O direito de informação contém um tríplice alcance: o direito de informar, o de se informar e o de ser informado. A Constituição Federal, em diversos incisos do art. 5º, tutela o direito de informação.
No inciso XIV, estabelece que “é assegurado a todos o acesso à informação”. No XXXIII, complementa que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular”. Finalmente, em caso de violação desse direito, a Constituição criou o habeas data, uma ação constitucional para proteger os indivíduos de banco de dados públicos ou abertos ao público, com dupla finalidade: conhecimento do conteúdo das informações e concessão da possibilidade de retificação (art. 5º, LXXII).
9.14. LIBERDADE DE INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA (ART. 220, § 1º)
A Constituição assegura a “plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”. Trata-se de um direito de conteúdo mais abrangente que o tradicional conceito de liberdade de imprensa, que assegura o direito de veiculação de impressos sem qualquer restrição por parte do Estado. A liberdade de informação jornalística compreende o direito de informar, bem como o do cidadão de ser devidamente informado. Qualquer legislação infraconstitucional que constitua embaraço à atividade jornalística, por expressa disposição de nossa Carta Magna, deve ser declarada inconstitucional (CF, art. 220, § 1º). A liberdade de informação jornalística deve ser exercida de forma compatível com a tutela constitucional da intimidade e da honra das pessoas, evitando situações de abuso ao direito de informação previsto na Constituição. Em caso de excesso em notícias divulgadas pelos veículos de comunicação social, a jurisprudência tem considerado indenizáveis os danos materiais e morais decorrentes desse abuso. Como observa Vidal Serrano Nunes Jr.,o direito à liberdade de informação possui dupla face: uma de defesa
da imprensa contra o Estado e outra de defesa do cidadão contra os veículos de comunicação.
O Supremo Tribunal Federal, em arguição de descumprimento de preceito fundamental, com voto do Min. Rel. Carlos Britto, declarou não recepcionada pela Constituição de 1988 a Lei n. 5.250/67, pois “a
Lei de Imprensa foi concebida e promulgada num longo período autoritário, o qual compreendido entre 31-3-64 e o início do ano de 1985 e conhecido como ‘anos de chumbo’ ou ‘regime de exceção’, regime
esse patentemente inconciliável com os ares da democracia resgatada e proclamada na atual Carta Magna” (Informativo STF, n. 544).
9.15. SIGILO DA FONTE
A Constituição, como forma de assegurar o direito de informação, resguarda o sigilo da fonte quando necessário ao exercício profissional da atividade jornalística (CF, art. 5º, XIV). O sigilo da fonte é
indispensável para o êxito de certas investigações jornalísticas. Nenhum jornalista poderá ser compelido a revelar o nome de seu informante ou a fonte de suas informações, não podendo o seu silêncio, a
respeito, sofrer qualquer sanção. A finalidade é permitir a ampla apuração de fatos comprometedores. Nos Estados Unidos, uma investigação feita com base em uma fonte não identificada levou à renúncia do
ex-Presidente Nixon.
9.16. LIBERDADE DE CRENÇA E DE CULTO
A liberdade de crença é de foro íntimo, em questões de ordem religiosa. É importante salientar que inclui o direito de professar ou não uma religião, de acreditar ou não na existência de um ou diversos deuses. O próprio ateísmo deve ser assegurado dentro da liberdade de crença. A liberdade de culto é a exteriorização daquela. Se a Constituição assegura ampla liberdade de crença, a de culto deve ser exteriorizada “na forma da lei”, como estabelece o art. 5º, VI, da Constituição. A liberdade de culto inclui o direito de honrar as divindades preferidas, celebrar as cerimônias exigidas pelos rituais, a construção de templos e o direito de recolher contribuições dos fiéis. A Constituição de 1824 estabelecia a Católica Apostólica Romana como a religião do Império, permitindo apenas o culto doméstico para as outras crenças. Essa discriminação foi abolida com a proclamação da República.
9.17. SISTEMAS DE RELACIONAMENTO ENTRE IGREJA E ESTADO
Existem três sistemas de relacionamento entre Igreja e Estado: a)confusão — Igreja e Estado se misturam. Exemplos: Vaticano e alguns Estados islâmicos; b) união — estabelecem-se vínculos entre o Estado
e uma determinada religião, que passa a ser considerada como a crença oficial do Estado. Exemplo: Brasil-Império; c) separação — um regime de absoluta distinção entre o Estado e todas as Igrejas. Exemplos: todos os Estados laicos, entre eles o Brasil. No nosso país existe um regime de absoluta separação, pois a Constituição Federal, em seu art. 19, veda “à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I — estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los,embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.
9.18. DECORRÊNCIAS DA LIBERDADE RELIGIOSA
Existem diversas decorrências da ampla liberdade religiosa assegurada no texto constitucional: direito de assistência religiosa, objeção de consciência, ensino religioso facultativo nas escolas públicas de ensino fundamental (art. 210, § 1º) e reconhecimento da validade do casamento religioso para efeitos civis (art. 226, § 2º). O direito de assistência religiosa é assegurado, nos termos da lei, em entidades civis e
militares de internação coletiva, como quartéis, internatos, estabelecimentos penais e hospitais (art. 5º, VII). A objeção ou escusa de consciência consiste no direito de não prestar o serviço militar obrigatório ou
qualquer outra obrigação legal a todos imposta por motivo de crença religiosa, filosófica ou política. Antes da Constituição de 1988, o jovem que, por convicção religiosa, se recusasse à prestação do serviço
militar obrigatório perderia seus direitos políticos, como sanção decorrente do não cumprimento de seus deveres com a pátria (p. ex., testemunhas de Jeová). Atualmente, na hipótese de objeção de consci-
ência, faculta-se a prestação de serviço social alternativo. Somente a recusa da obrigação legal a todos imposta e da prestação social alternativa importa na perda dos direitos políticos (arts. 5º, VIII, e 15, IV).
A prestação social alternativa ao serviço militar obrigatório foi regulamentada pela Lei n. 8.239/91 e ao serviço do júri pelo art. 438 do Código de Processo Penal.
9.19. LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO
A liberdade de locomoção consiste no direito de ir e vir. Para outros, no direito de ir, vir e ficar. O direito de permanecer no local em que se encontra está incluído no de ir e vir. A Constituição Federal, no art. 5º, XV, estabelece que “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”. Apenas em tempo de guerra podem ser feitas restrições à liberdade de locomoção. O direito de sair do País com seus bens não abrange a concessão de qualquer imunidade fiscal. A Constituição prevê como garantia da liberdade de locomoção a ação de habeas corpus (CF, art. 5º, LXVIII).
9.20. LIBERDADES DE EXPRESSÃO COLETIVA
As liberdades de expressão coletiva são modalidades de direitos individuais, abrangendo o direito ou a liberdade de reunião e o direito ou a liberdade de associação (CF, art. 5º, XVI e XVII a XXI). São considerados direitos individuais, pois pertencem ao indivíduo, e de expressão coletiva, porque pressupõem uma pluralidade de pessoas para que possam ser exercidos.
9.21. LIBERDADE DE REUNIÃO
A liberdade de reunião deve ser entendida como o agrupamento de pessoas, organizado, de caráter transitório, com uma determinada finalidade. Em locais abertos ao público, é assegurada expressamente
no art. 5º, XVI, da atual Constituição, desde que observados determinados requisitos: a) reunião pacífica, sem armas; b) fins lícitos; c) aviso prévio à autoridade competente; e d) realização em locais abertos ao
público. A liberdade de reunião em locais fechados é garantida pelo texto constitucional de forma implícita, podendo ser exercida sem a exigência de prévio aviso à autoridade competente. O aviso prévio
não se confunde com a exigência de autorização do Poder Público. Sua finalidade é evitar a frustração de outra reunião previamente convocada para o mesmo local. Não é qualquer agrupamento de pessoas
que se considera como reunião; é preciso que essas pessoas tenham-se organizado para tal. O direito de passeata também é assegurado pela Constituição, pois esta nada mais é do que o exercício do direito de
reunião em movimento. A liberdade de reunião é regulamentada pela Lei n. 1.207/50 e em seguidas leis eleitorais, sendo a sua violação punida como abuso de autoridade (Lei n. 4.898/65, art. 3º, h).
9.22. LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO
Liberdade de associação deve ser entendida como o agrupamento de pessoas, organizado e permanente, para fins lícitos. Distingue-se do direito de reunião por seu caráter de permanência. A liberdade de
associação abrange o direito de associar-se a outras pessoas para a formação de uma entidade, o de aderir a uma associação já formada, o de desligar-se da associação, bem como o de auto dissolução das associações. As primeiras Constituições, influenciadas pelas ideias de Rousseau, não incluíam o direito de associação. Entendiam que seriam grupos intermediários entre o Estado e os indivíduos, prejudicando a
manifestação da vontade geral. Somente na metade do século XIX, com o desenvolvimento das relações capitalistas, o surgimento de novas formas de conflitos sociais e a influência das ideias de Stuart Mill, mudou-se essa concepção. Percebeu-se que o indivíduo, o ser humano isoladamente considerado, era demasiadamente fraco, não possuía força política suficiente para ser ouvido pelos governantes. Para que
pudessem fazer-se ouvir, era indispensável que os indivíduos se unissem, se agrupassem em entidades voltadas para a defesa de interesses comuns. O direito de associação transformou-se em um dos pontos
fundamentais do pensamento liberal. Dessa forma, no Brasil, a Constituição de 1824 não previa esse direito, que só passou a ter previsão constitucional a partir de 1891.
A atual Constituição, no art. 5º, XVII a XXI, assegura ampla liberdade de associação para fins lícitos. Associações podem ser criadas independente de autorização, proibida qualquer interferência do Es-
tado em seu funcionamento interno. Somente podem ser dissolvidas por decisão judicial transitada em julgado. Foi conferida pela Constituição legitimidade para as associações na defesa judicial e extrajudicial de seus filiados. Elas atuam como substituto processual, postulando, em nome próprio, direitos de seus filiados. Para tanto, basta que as entidades estejam regularmente funcionando e possuam cláusula específica em seu estatuto. Observa-se que a Lei n. 1.134/50 conferiu legitimidade ad causam para determinadas associações de classe postularem em juízo direitos de seus filiados, independente de autorização em assembleia geral, bastando cláusula específica no respectivo estatuto.
Essa lei foi recepcionada pela nova ordem constitucional (STJ, REsp 93490/PB, Rel. Min. Vicente Leal, DJU, 20 out. 1997, p. 53142).Organização paramilitar . A Constituição veda expressamente associações de caráter paramilitar. Organizações paramilitares são órgãos particulares que se estruturam de forma análoga às Forças Armadas. O uso do poder de coerção deve ser restrito ao Estado, não se facultando
a organismos particulares a estruturação em forma bélica, em razão dos evidentes riscos à ordem social e democrática. A Constituição proíbe também a “utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar” (CF, art. 17, § 4º).
9.23. LIBERDADE DE AÇÃO PROFISSIONAL
A liberdade de ação profissional consiste na faculdade de escolha de trabalho que se pretende exercer (CF, art. 5º, XIII). É o direito de cada indivíduo exercer qualquer atividade profissional, de acordo com
as suas preferências e possibilidades. As antigas corporações de ofício da Idade Média, em que a pessoa deveria fazer parte de uma organização para poder exercer determinado ofício, foram abolidas a partir
da Revolução Francesa. Qualificações profissionais. Para o exercício de determinados trabalhos, ofícios ou profissões, a Constituição estabelece que podem ser feitas certas exigências pela legislação ordinária. Para o exercício da profissão de advogado, o indivíduo precisa ser formado em uma faculdade de direito e ter sido aprovado no exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Em relação aos jornalistas, o Supremo Tribunal Federal declarou que o art. 4o, V, do Decreto-Lei n. 972/69, que exigia o diploma de jornalismo e o registro profissional no Ministério do Trabalho, editado durante o regime militar, não foi recepcionado pela Constituição Federal. Para o Min. Gilmar Mendes: “O jornalismo e a liberdade de expressão são atividades que estão imbricadas por sua própria natureza e não podem ser pensados e tratados de forma separada” e que “O jornalismo é a própria manisfestamento e difusão do pensamento e da informação de forma contínua, profissional e remunerada”.
10 DIREITO DE IGUALDADE
10.1. PRINCÍPIO DA ISONOMIA OU DA IGUALDADE
O direito de igualdade consiste em afirmar que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (CF, art. 5º, caput). Não se admite discriminação de qualquer natureza em relação aos seres humanos. Esse princípio vem repetido em diversos dispositivos constitucionais, realçando a preocupação do constituinte com a questão da busca da igualdade em nosso país. O preâmbulo já traz a igualdade como um dos valores supremos do Estado brasileiro. O art. 3º estabelece entre as metas do Brasil a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do “bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
No capítulo dos direitos individuais, a igualdade é salientada, logo no caput do art. 5º, como um dos direitos individuais básicos, e vem reiterada, em seguida, no inciso I, com a consagração da igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações. No capítulo dos direitos sociais, a Constituição veda a diferença de salários, de exercício de funções ou de critérios de admissão por motivos de sexo, idade, cor, estado civil ou deficiência física (art. 7º, XXX e XXXI).
10.2. FUNDAMENTO
O fundamento do direito de igualdade encontra-se no princípio de que todos devem ser tratados de forma igual perante a lei. Todos nascem e vivem com os mesmos direitos e obrigações perante o Estado. A igualdade foi um dos ideais da Revolução Francesa atingidos com a abolição dos antigos privilégios da nobreza e do clero. Todos passaram a ter o mesmo tratamento perante a lei, a igualdade formal.
10.3. CONCEITO
Igualdade consiste em tratar igualmente os iguais, com os mesmos direitos e obrigações, e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade. Tratar igualmente os desiguais seria aumentar a desigualdade existente. Nem todo tratamento desigual é inconstitucional, somente o tratamento desigual que aumenta a desigualdade naturalmente já existente. Não teria sentido conceder benefícios de forma igual para os que necessitam e para os que não necessitam da assistência do Poder Público.
10.4. HIPÓTESES VÁLIDAS DE TRATAMENTO DIFERENCIADO
Há duas hipóteses em que o tratamento diferenciado é válido, por não ofender o princípio constitucional da igualdade: a) a própria Constituição estabelece um tratamento desigual. Exemplos: aposentadoria com menor idade e menos tempo de contribuição para mulheres (arts. 40, III, e 201, § 7º); exclusão de mulheres e eclesiásticos do serviço militar obrigatório em tempo de paz (art. 143, § 2º); exclusividade de determinados cargos a brasileiros natos (art. 12, § 3º); b) existência de um pressuposto lógico e racional que justifique a desequiparação efetuada, em consonância com os valores tutelados pela Constituição. exemplos: assentos reservados para gestantes, idosos e deficientes físicos nos transportes coletivos; preferência para pessoas nas mesmas condições em filas de banco; exigência de candidatos do sexo masculino para concurso de ingresso na carreira de carcereiro de penitenciária masculina ou de candidatas para o mesmo cargo em penitenciárias femininas; exigência de perfeita aptidão física para trabalhar como salva-vidas em praias.
10.5. IGUALDADE FORMAL E IGUALDADE MATERIAL
Há duas espécies de igualdade: formal e material. Na formal, dentro da concepção clássica do Estado Liberal, todos são iguais perante a lei. Existe também a mate rial, denominada efetiva, real, concreta
ou situada. Trata-se da busca da igualdade de fato na vida econômica e social. Em diversos dispositivos o constituinte revela sua preocupação com a profunda desigualdade em nosso país, com a criação de
mecanismos que assegurem uma igualdade real entre os indivíduos.
Não basta a igualdade formal. O Estado deve buscar que todos efetivamente possam gozar dos mesmos direitos e obrigações. Exemplo: não basta a Constituição assegurar a todos formalmente a igualdade
no acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV). Para o exercício universal e concreto desse direito, é indispensável que o Estado forneça assistência judiciária gratuita para que as pessoas carentes, impossibilitadas de arcar com as despesas do processo (custas, honorários e verbas de sucumbência), possam postular ou defender seus direitos em juízo (art. 5º, LXXIV).
10.6. IGUALDADE NA LEI E PERANTE A LEI
São destinatários do princípio da igualdade tanto o legislador como os aplicadores da lei. A igualdade na lei é voltada para o legislador, vedando-se a elaboração de dispositivos que estabeleçam desigualdades entre as pessoas, privilegiando ou perseguindo algumas. A igualdade perante a lei é voltada para os operadores do direito, que não poderão utilizar critérios discriminatórios na aplicação da lei, estabelecendo tratamento desigual para pessoas que se encontrem nas mesmas condições.
10.7. IGUALDADE ENTRE OS PARTICULARES
Como salienta Celso Bastos, o princípio da igualdade atinge também os particulares. Todo cidadão possui o direito de não ser discriminado tanto pelas autoridades como em estabelecimentos privados. A negativa de empregos por empresas privadas ou a recusa de acesso a estabelecimentos de ensino, comerciais e de hospedagem são condutas socialmente reprováveis e criminosas. A nenhum particular é dado o direito de, em suas atividades públicas ou abertas ao público, discriminar outras pessoas por qualquer preconceito.
10.8. IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES
A Constituição, em seu art. 5º, I, estabelece expressamente que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. No art. 226, § 5º, dispõe que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. Esses dispositivos podem, à primeira vista, parecer redundantes, ante a consagração do próprio princípio da igualdade, entre os direitos individuais básicos, no caput do art. 5º da Constituição. Mas seguramente não existe a aparente redundância. Às vezes o óbvio precisa ser proclamado para vencer resistências que encontram amparo em tradições vetustas. A Constituição de 1988 deliberadamente pôs fim a qualquer resquício da autoridade marital, de prevalência ou preferência do sexo masculino sobre o feminino. Convém salientar que as Constituições de 1824 e 1891 atribuíam o direito de voto aos “cidadãos brazileiros”, recebendo a interpretação dos juristas da época de que esse direito havia sido concedido somente aos homens. Foi preciso a promulgação de uma lei específica, em 1932, para que o direito de sufrágio fosse estendido às mulheres. Não podemos esquecer que até o Estatuto da Mulher Casada, em 1962, de acordo com a legislação civil, as mulheres, com o matrimônio, passavam da condição de absolutamente capazes para a de relativamente incapazes. O novo texto constitucional impõe uma mudança de mentalidade na
interpretação da legislação infraconstitucional. Diversos dispositivos do Código Civil, promulgado em 1916, não foram recepcionados pela nova ordem constitucional. Por exemplo, o que estabelecia que “o marido é o chefe da sociedade conjugal”, bem como todas as suas decorrências, como o direito de fixar o domicílio da família, inclusive da esposa (CC de 1916, arts. 233, III, e 36, parágrafo único), a necessidade de autorização marital para ocupação de cargo público ou exercício de profissão fora do lar conjugal (art. 247, III e parágrafo único) e a administração dos bens do casal pelo marido (art. 251). Foi necessária a edição da Lei n. 11.106/2005 para abolir a tutela especial prevista no Código Penal para a “mulher honesta”, cuja constitucionalidade há muito já era contestada pela doutrina, pela inexistência de dispositivo semelhante em relação ao sexo masculino. Exceções a essa regra da absoluta igualdade entre o homem e a mulher em direitos e obrigações existem e estão previstas na Constituição. São todas em favor do sexo feminino. Para a aposentadoria das mulheres exige-se menor idade e menos tempo de contribuição do que para os homens (CF, arts. 40, III, e 201, § 7º), bem como há a exclusão de mulheres do serviço militar obrigatório em tempo de paz (art. 143, § 2º). Essas distinções encontram justificativas nas características da sociedade brasileira. As vantagens quanto à aposentadoria justificam-se pela dupla jornada de trabalho, pois as mulheres que trabalham fora realizam ainda as atividades domésticas quando retornam para casa.
10.9. IGUALDADE TRIBUTÁRIA
A atual Constituição veda a instituição de “tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente” (art. 150, II), mas admite a graduação dos impostos “segundo a capacidade
econômica do contribuinte” (art. 145, § 1º). Estabelece tratamento igual entre os iguais e desigual entre os desiguais: quem ganha mais, paga mais; quem ganha menos, paga menos; quem não ganha nada, não paga nada.
10.10. CLÁUSULAS DISCRIMINATÓRIAS
A Constituição veda expressamente distinções com fundamento na origem, raça, sexo, cor, idade, estado civil e deficiência física. Todavia, essas cláusulas não são taxativas, mas meramente exemplificativas,
pois o próprio art. 3º, IV, adota uma fórmula genérica de ampla abrangência: “quaisquer outras formas de discriminação”. Entre estas, podemos apontar, por exemplo, distinções em razão de religião, convicção política e orientação sexual.
10.11. DISTINÇÃO EM RAZÃO DA IDADE
A Constituição veda que a idade seja utilizada como fator de discriminação na admissão a qualquer emprego, tanto na esfera privada como na pública (arts. 7º, XXX, e 39, § 3º). Com fundamento
nesse dispositivo constitucional, o Supremo Tribunal Federal não tem admitido restrições quanto à idade para o ingresso em carreiras burocráticas, como, por exemplo, a de Procurador do Estado e auditor
(STF, AgRg 208.290-1-RS, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ, 12 jun. 1998, p. 57; RE 140.646-1-RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ, 12 jun. 1998, p. 65). A Suprema Corte de nosso país só admite, em casos excepcionais, a fixação de limite de idade em editais para o ingresso em carreiras públicas se a exigência decorrer das atribuições do próprio cargo. É indispensável que exista um pressuposto lógico e ra cional que justifique o tratamento diferenciado, como o ingresso no Corpo de Bombeiros ou nas Forças Armadas, profissões que exigem do candidato perfeita aptidão física. A Lei n. 10.826/2003 veda ao menor de
25 anos de idade a possibilidade de adquirir armas de fogo, salvo para integrantes de determinadas carreiras públicas que exijam o seu emprego. Este dispositivo legal é constitucional pois pressupõe que as
pessoas a partir desta idade possuem um maior amadurecimento.
10.12. DISTINÇÕES EM RAZÃO DE RAÇA, COR, ETNIA, RELIGIÃO E PROCEDÊNCIA NACIONAL
Embora sem qualquer rigor científico, sustentava-se que a espécie humana poderia ser classificada em três raças: branca, negra e amarela. Trata-se de terminologia superada, pois as semelhanças físicas e
genéticas entre todos os seres humanos são patentes. A cor corresponde simplesmente à maior ou menor pigmentação da pele. Etnia corresponde a um agrupamento de pessoas unidas pela mesma língua,
cultura e consciência. A religião é a fé professada por qualquer pessoa. E a procedência nacional é a origem, o Estado ou a região da qual o indivíduo provém. A formação do povo brasileiro decorre justamente dessa mistura de culturas. Desprezar o valor da migração e da imigração é não aceitar a própria formação histórica do povo brasileiro.
Qualquer discriminação com fundamento nesses critérios é odiosa e merece ser severamente reprimida. A Constituição elevou a prática de racismo a “crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei” (art. 5º, XLII).O Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de esclarecer
que, com o recente mapeamento do genoma humano, não existe base científica para a distinção racial entre os homens. Qualquer divisão tem conteúdo político-social, gerando discriminação e preconceito. A
própria liberdade de expressão encontra limites morais e jurídicos, não se podendo admitir a pregação do ódio por motivo de raça, etnia ou religião (HC 82.424/RS, Rel. Min. Maurício Corrêa).
10.13. LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL QUE TUTELA O PRINCÍPIO DA IGUALDADE
A Lei n. 7.716/89 define os crimes “resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” (art. 1º). A Lei n. 7.853/89 tutela os interesses coletivos e difusos das pessoas portadoras de deficiência. A Lei n. 9.029/95 proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização e outras práticas discriminatórias contra a admissão ou a permanência de mulheres em idade fértil na relação jurídica do trabalho, estabelecendo crimes e respectivas sanções penais.
10.14. AÇÕES AFIRMATIVAS
Ação afirmativa é a utilização de mecanismos de proteção e favorecimento aos que necessitem de uma especial tutela, como uma forma de superação das diversas desigualdades existentes em uma sociedade. No Brasil recente, há diversos exemplos já incorporados no direito positivo. Há leis que asseguram vagas para candidatas do sexo feminino em listas eleitorais partidárias e para deficientes físicos em concursos. Diversas universidades públicas reservam vagas ou estabelecem critérios diferenciados para alunos provenientes de escolas públicas ou para negros, pardos e indígenas, como forma de superação de desigualdades resultantes do processo histórico de formação da sociedade brasileira. No julgamento de ação de inconstitucionalidade
em relação à Lei n. 11.096/2005, que institui o PROUNI, o Min. Carlos Britto apresentou voto pela improcedência, com a seguinte fundamentação: “a desigualação em favor dos estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas e os egressos de escolas privadas que tivessem sido contemplados com bolsa integral constituiria discrímen que acompanharia a toada da compensação de uma anterior e factual inferioridade” (Informativo STF, n. 500).
11 DIREITO À SEGURANÇA
Segurança é a tranquilidade do exercício dos direitos fundamentais. Não basta ao Estado criar e reconhecer direitos ao indivíduo; tem o dever de zelar por eles, assegurando a todos o exercício, com a devida tranquilidade, do direito a vida, integridade física, liberdade, propriedade etc.
11.2. ABRANGÊNCIA
Segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho, os direitos relativos à segurança do indivíduo abrangem os direitos subjetivos em geral e os relativos à segurança pessoal. Dentre os subjetivos em geral, encontramos o direito à legalidade e à segurança das relações jurídicas. Os direitos relativos à segurança pessoal incluem o respeito à liberdade pessoal, a inviolabilidade da intimidade, do domicílio e das comunicações pessoais e a segurança em matéria jurídica.
11.3. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
O princípio da legalidade vem estampado no inciso II do art. 5º: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Trata-se da base fundamental do Estado de Direito, a submissão de todos ao império da lei. Uma das decorrências ideológicas da Revolução Francesa e da conquista do poder pela burguesia. Somente a lei pode limitar a vontade individual, por ser o produto da vontade geral, e obrigar alguém a fazer ou não fazer alguma coisa. Fazendo a leitura em sentido inverso, pelo princípio da legalidade, um indivíduo pode fazer tudo o que a lei não proíbe ou não determina. Já para a Administração Pública, o princípio da legalidade tem sentido mais restrito: o Poder Público só pode fazer o que a lei autoriza (CF, art. 37, caput).
O poder regulamentar do Presidente da República (CF, art. 84, IV, segunda parte), assim como das demais autoridades do Poder Executivo, em todas as esferas de governo, encontra limites na lei. Somente
esta pode obrigar alguém a fazer ou não fazer alguma coisa. Onde o poder regulamentar ultrapassar a norma legal, criando direito ou obrigação não prevista na lei, essa norma regulamentar será ilegal.
11.4. SEGURANÇA DAS RELAÇÕES JURÍDICAS
Segurança das relações jurídicas é o conjunto das condições que permitem às pessoas o conhecimento antecipado das consequências jurídicas de seus atos. Uma ordem jurídica pressupõe a existência de
relações estáveis. Para assegurar a segurança das relações jurídicas, o princípio fundamental é o da irretroatividade das leis. Uma pessoa não pode ser surpreendida por consequências jurídicas desfavoráveis de leis elaboradas após a realização de sua conduta. Contudo, o ordenamento jurídico admite leis retroativas, desde que não violem o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI). As leis são elaboradas para reger situações futuras, mas, atendendo ao interesse social, uma lei nova pode retroagir, desde que não prejudique situações jurídicas já consolidadas. Esses três institutos jurídicos são definidos pela Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro (Decreto-Lei n. 4.657/42) com a finalidade de assegurar a segurança das relações jurídicas.
Ato jurídico perfeito. É o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetivou. Exemplos: um indivíduo já aposentado não pode ser atingido por uma reforma previdenciária ou uma casa já construída de acordo com as leis vigentes ao tempo do ato não pode ser demolida.Direito adquirido. É o que pode ser exercido a qualquer momento, pois já incorporado ao patrimônio de seu titular. Exemplos: um indivíduo que já completou os requisitos mínimos para a aposentadoria, mas ainda não exerceu esse direito, ou um projeto de casa já aprovado de acordo com as posturas municipais, mas ainda não executado Coisa julgada (ou caso julgado). É a decisão judicial da qual não caiba mais recurso. Em uma disputa judicial, a sentença, após esgotados todos os recursos, torna-se imutável entre as partes.
11.5. SEGURANÇA EM MATÉRIA PESSOAL
A segurança em matéria pessoal abrange diversos direitos e garantias em relação ao ser humano isoladamente considerado: inviolabilidade da intimidade, do domicílio e das comunicações pessoais,
bem como diversas garantias em matéria penal e processual.
11.6. DIREITO À PRIVACIDADE
Em seu art. 5º, X, a Constituição estabelece que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente
de sua violação”. O direito à privacidade, dentro da sistemática estabelecida pela Constituição, trata de uma denominação genérica, que compreende a tutela da intimidade, da vida privada, da honra e da
imagem das pessoas. Em razão dos avanços tecnológicos, com a possibilidade crescente de intromissão na vida íntima das pessoas, é indispensável assegurar-se, entre os direitos individuais, o respeito à priva-
cidade de cada ser humano.
11.6.1. INTIMIDADE E VIDA PRIVADA
Intimidade é a qualidade do que é íntimo. Advém do latim intimus, significando o que é interior a cada ser humano. É o direito de estar só, de não ser perturbado em sua vida particular. A vida privada é
o relacionamento de uma pessoa com seus familiares e amigos, o oposto da vida pública, isto é, a que se vive no recesso do lar e em locais fechados. É o direito de levar sua vida pessoal sem a intromissão de
terceiros, como agentes do Estado, vizinhos, jornalistas, curiosos etc.
A intimidade e a vida privada são considerados círculos concêntricos da esfera de reserva da vida pessoal, sendo a intimidade ainda mais restrita, por se referir ao próprio indivíduo, bem como ao que possui de mais próximo, como seus segredos, seu diário, seus desejos, seus relacionamentos sexuais. Já a esfera da vida privada abrange o relacionamento do indivíduo com outras pessoas, como familiares, amigos e sócios.
Todas as pessoas têm assegurado o direito de ver respeitada a sua convivência familiar e com os amigos. Esse direito é assegurado também para pessoas de vida pública, como políticos, artistas e esportistas,
em suas atividades estritamente particulares. Em razão da tutela da privacidade, proíbem-se a investigação e a divulgação de atos particulares, como escuta telefônica, invasões fotográficas ou cinematográficas. Urge a promulgação no Brasil de uma tutela penal da intimidade, reprimindo criminalmente os abusos à intimidade das pessoas.
11.6.2. HONRA
Honra é um atributo pessoal. Compreende a autoestima e a reputação de uma pessoa, ou seja, a consideração que ela tem de si mesma (honra subjetiva), bem como a de que goza no meio social (honra objetiva). A legislação penal tutela a honra, estabelecendo os crimes de calúnia, difamação e injúria em diversos estatutos legais (CP, arts. 138, 139 e 140 e Código Eleitoral, Lei n. 4.737/65, arts. 324, 325 e 326).
11.6.3. IMAGEM
O direito à imagem tem dupla acepção. Como aponta Luiz Alberto David Araujo, possui um sentido de “retrato físico” (imagem-retrato) e outro de “retrato social” (imagem-atributo) de um indivíduo. A imagem-retrato é a representação gráfica, fotográfica, televisionada ou cinematográfica de uma pessoa. É o direito de não ter sua representação reproduzida por qualquer meio de comunicação sem a devida autorização. Observa-se que pessoas de vida pública, como políticos, não podem reclamar da reprodução de suas imagens quando no exercício de atividades públicas. A imagem-atributo é a forma pela qual uma pessoa é vista no meio social em que vive. Uma imagem de bom profissional, pessoa de boa índole, leal e honesta, é construída ao longo dos anos, não podendo ser atingida por uma notícia difamatória veiculada de forma precipitada. Tanto a pessoa física como a jurídica podem ser atingidas em sua imagem-atributo, cabendo indenização tanto por danos materiais como morais (Súmula 227 do STJ: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”).
11.6.4. INDENIZAÇÃO
A Constituição assegura ao ofendido em seu direito de privacidade indenização por danos materiais e morais. Conforme entendimento já consagrado na Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça:“São cumuláveis as indenizações por dano material e moral oriundos do mesmo fato”.
11.7. INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO
A Constituição Federal, em seu art. 5º, XI, estabelece que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. A inviolabilidade do domicílio não é absoluta, pois a própria Constituição ressalva hipóteses em que é possível o ingresso na casa de uma pessoa sem o seu consentimento. A qualquer hora do dia ou da noite isso é possível, independente da exibição de mandado judicial, nas seguintes hipóteses: a) com o consentimento dos moradores; b) flagrante delito; c) em caso de desastres, como incêndio, inundação etc.; e d) para prestar socorro. Fora dessas hipóteses, só é possível o ingresso na residência de uma pessoa durante o dia, com a exibição de mandado judicial. O direito à inviolabilidade do domicílio é regulamentado pela legislação infraconstitucional penal e processual penal.
Conceito de casa. Casa é o lugar onde uma pessoa vive ou trabalha, não aberto ao público, reservado a sua intimidade e a sua vida privada. A definição jurídica de casa encontra-se nos arts. 150, § 4º, do Código
Penal, que dispõe sobre o crime de “violação de domicílio”, e 246 do Código de Processo Penal. De acordo com a nossa legislação infraconstitucional, o termo compreende qualquer compartimento habitado, aposento ocupado de habitação coletiva e compartimento não aberto ao público onde alguém exerça sua profissão ou atividade.
Dessa forma, está tutelado dentro do conceito jurídico de “casa” qualquer lugar onde alguém viva ou trabalhe, incluindo o barraco da favela, o quarto de pensão e o armazém não aberto ao público onde seja
exercida atividade profissional. O Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de se manifestar no sentido de que o conceito de casa estende-se ao escritório comercial da empresa. Uma diligência da re-
ceita neste local deve ser precedida de autorização judicial (Informativo STF, n. 336).
Hipóteses de flagrante delito. O Código de Processo Penal, em seu art. 302, estabelece as hipóteses em que alguém pode ser preso em flagrante pela prática de uma infração penal. Tratando-se de crime perma-
nente, como o do sequestro e de diversas modalidades de tráfico de entorpecentes, em que o momento consumativo se prolonga no tempo, não se exige a exibição de mandado judicial para o ingresso na casa,
podendo a prisão ocorrer a qualquer hora do dia ou da noite.Mandado judicial. A Constituição de 1988 inovou ao exigir mandado judicial para a realização de busca domiciliar. Antes, o mandado poderia ser expedido pela autoridade policial. Mesmo com autorização judicial, o ingresso no período noturno depende de consentimento do morador. Durante o dia, com a exibição do mandado judicial, a busca pode ser realizada mesmo com a discordância do morador, arrombando-se a porta se houver necessidade. Em decorrência dessa garantia constitucional, se uma pessoa procurada pela justiça estiver escondida em uma casa, a polícia não poderá efetuar a prisão no período noturno, devendo aguardar o amanhecer para naquela ingressar. Esses procedimentos vêm estabelecidos nos arts. 245 e 293 do Código de Processo Penal.
Nulidade da prova. Uma prova obtida sem a exibição de mandado judicial de busca e apreensão domiciliar, fora das hipóteses especialmente previstas no texto constitucional, por agentes do Estado, ou até
mesmo por pessoa estranha aos quadros oficiais, é nula de pleno direito, não podendo produzir qualquer efeito jurídico. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já considerou ilícitas, imprestáveis como
evidência, fotografias pornográficas retratando abuso sexual de menores, subtraídas do cofre do consultório odonto lógico, local reservado ao exercício da atividade profissional de um cirurgião-dentista, e entregues pelo autor do furto para a polícia (Informativo STF, n. 197). Há ainda a possibilidade de se determinar o desentranhamento das provas obtidas de forma ilegal, de modo a evitar que a evidência assim obtida
possa de alguma forma influir no convencimento do julgador (Informativo STF, n. 32).
Dia e noite. Para se tornar efetiva a garantia constitucional do direito de inviolabilidade de domicílio é preciso fixar os períodos do dia e da noite. Para José Afonso da Silva e Tourinho Filho, o dia estende-se das 6 às 18 horas. Celso de Mello entende que deve ser adotado um critério físico-astronômico, como o intervalo de tempo entre a aurora e o crepúsculo.
11.8. INVIOLABILIDADE DAS COMUNICAÇÕES PESSOAIS
A Constituição, em seu art. 5º, XII, estabelece que “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. O indivíduo precisa ter segurança de que todas as suas comunicações pessoais, tanto as feitas por cartas como as realizadas por telegramas ou telefonemas, não serão interceptadas por outras
pessoas. Como salienta Ada Pellegrini Grinover, a inviolabilidade das comunicações pessoais envolve dúplice tutela, da liberdade de manifestação de pensamento e do segredo como expressão do direito à
intimidade das pessoas.
11.8.1. INVIOLABILIDADE DA CORRESPONDÊNCIA E DAS COMUNICAÇÕES TELEGRÁFICAS E DE DADOS
As violações de correspondência e de comunicação telegráfica são crimes previstos no Código Penal (art. 151 e parágrafos) e na Lei n. 6.538/78, que dispõe sobre os serviços postais. Somente em se tra-
tando da inviolabilidade de comunicação telefônica, o texto constitucional admite a quebra do sigilo para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Na vigência de estado de defesa ou de sítio
poderão ser estabelecidas restrições à inviolabilidade de correspondência (CF, arts. 136, I, b, e 139, III). O Supremo Tribunal Federal já considerou válida prova obtida com interceptação de carta encaminhada por preso pela diretoria do estabelecimento penal: “A administração penitenciária, com fundamento em razões de segurança pública, de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, e desde que respeitada a norma inscrita noart. 41, parágrafo único, da Lei n. 7.210/84, proceder a interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas”. (STF, HC 70.814/SP, Rel. Min. Celso de Mello, RTJ 176/1136).
11.8.2. INVIOLABILIDADE DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS
A interceptação telefônica é admitida de forma excepcional pelo art. 5º, XII, da Constituição. Esse dispositivo constitucional é regulamentado pela Lei n. 9.296/96. A interceptação telefônica depende de
autorização judicial e somente pode ser permitida nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer “para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. Só pode ser deferida para apuração de crimes punidos com reclusão, quando houver indícios razoáveis de autoria ou participação e a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis.
O Supremo Tribunal Federal entende que os elementos informativos de uma investigação criminal, ou as provas colhidas no bojo de instrução processual penal, desde que obtidos mediante interceptação telefônica devidamente autorizada por juiz competente, podem ser compartilhados para fins de instruir procedimento administrativo disciplinar (Inq. 2.725, Informativo STF, n. 512). A Suprema Corte firmou orientação no sentido de ser lícita a prorrogação do prazo para interceptação telefônica, ainda que de modo sucessivo, quando o fato seja complexo e o imponha a sua investigação. O prazo máximo de 30 dias não pode ser injustificadamente alargado, mas pode o magistrado, com outro motivo, e diversa motivação, determinar nova interceptação do mesmo telefone (Inq. 2.424, Informativo STF, n. 529). O Supremo Tribunal Federal também assegura ao investigado, bem como ao seu advogado, o acesso às informações obtidas por meio de interceptação telefônica, pois o sigilo aos dados da interceptação telefônica estaria direcionado a proteger e não a gerar quadro em que alguém se visse envolvido, devendo comparecer à delegacia policial, sem que se
lhe fosse proporcionado, e ao advogado, conhecer as razões respectivas. O sigilo pode estar ligado a investigações em andamento, mas, a partir do momento em que existe interrogatório dos envolvidos, indispensável o acesso, à defesa, ao que se contém no próprio inquérito. Sem esta prerrogativa, seria impossibilitar a atuação da defesa, em violação ao devido processo legal (HC 92.331, Informativo STF, n. 499).
12 Garantias materiais
a) Princípios da anterioridade e da reserva da lei penal – “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.”
b) Princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa (inciso XL) – a lei penal, em regra, não retroage, salvo para beneficiar o réu. A retroatividade da lei penal mais benéfica é absoluta, desconstituindo, inclusive, condenações já transitadas em julgado.
c) Princípio da personalização da pena (inciso XLV) – a pena não pode passar da pessoa do delinquente. Somente o autor da infração penal deve ser responsabilizado.
d) Princípio da individualização da pena (inciso XLVI) – as penas devem ser previstas, impostas e executadas de acordo com as condições pessoais de cada réu.
e) Proibição de determinadas penas (inciso XLVII) – a Constituição proíbe a adoção das seguintes modalidades de penas: 1) de morte, salvo em caso de guerra declarada; 2) de caráter perpétuo; 3) de trabalhos forçados; 4) de banimento; 5) cruéis.
f) Princípios relativos à execução da pena privativa de liberdade – assegura direitos ao preso durante a execução da pena privativa de liberdade.
g) Restrições à extradição de nacionais e estrangeiros (inciso LI) – brasileiros natos não podem ser extraditados. Quanto aos naturalizados, somente pela prática de crime comum cometido antes da naturalização ou de comprovado envolvimento com tráfico de entorpecente (inciso LI). Estrangeiros não serão extraditados pela prática de crimes políticos ou de opinião (inciso LII). Compete ao STF julgar
pedidos de extradição solicitados por Estados estrangeiros (art. 102, I, g).
h) Proibição da prisão civil por dívidas, salvo no caso de devedor de pensão alimentícia (inciso LXVII) – a prisão civil é medida privativa da liberdade, sem caráter de pena, com a finalidade de compelir o devedor a satisfazer uma obrigação de caráter alimentar.
13 Garantias processuais
a) Princípio do devido processo legal (inciso LIV) – “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”
b) Princípios do contraditório e da ampla defesa (inciso LV) – no princípio do contraditório, igualmente denominado “audiência bilateral”, a parte contrária também precisa ser ouvida. Uma das decorrências desse princípio é o da igualdade entre as partes de uma relação processual.
c) Proibição de prova ilícita (inciso LVI) – “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.” A prova obtida de forma ilícita é absolutamente nula, não podendo gerar qualquer efeito no convencimento do juiz.
d) Princípio da presunção de inocência ou da presunção de não culpabilidade (inciso LVII) – “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.” Antes da condenação definitiva em um processo criminal, todos os cidadãos devem ser considerados inocentes.
e) Proibição da identificação criminal da pessoa já civilmente identificada (inciso LVIII).
f) Garantias da legalidade e da comunicabilidade das prisões (incisos LXI a LXVI) – Uma pessoa só pode ser presa em flagrante delito ou por ordem escrita judicial.
g) Princípio da celeridade processual (inciso LXXVIII) – são assegurados a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
14 Garantias tributárias
a) Princípio da legalidade tributária (art. 150, I).
b) Princípio da igualdade tributária (arts. 150, II, e 145, § 1o).
c) Princípio da anterioridade das leis tributárias (art. 150, III).
d) Vedação da utilização de tributo com efeito de confisco
(art. 150, IV).
15 Direito de propriedade
Qualquer direito de conteúdo patrimonial, econômico e tudo que possa ser convertido em dinheiro, alcançando créditos e direitos pessoais.
16 Função social da propriedade
Art. 5o, XXII, da CF.
O direito de propriedade é visto cada vez menos como um direito subjetivo de caráter absoluto, para se transformar em uma função social do proprietário.
17 Garantias do direito de propriedade
a) Garantia de conservação – ninguém pode ser privado de seus bens fora das hipóteses previstas na Constituição.
b) Garantia de compensação – caso privado de seus bens, o proprietário tem o direito de receber a devida indenização, equivalente aos prejuízos sofridos.
17.1 Desapropriação
É o ato pelo qual o Estado toma para si ou transfere para terceiros bens de particulares, mediante o pagamento de justa e prévia indenização.
Hipóteses de desapropriação:
A Constituição, no art. 5o, XXIV, prevê três hipóteses de desapropriação:
a) por necessidade pública ;
b) por utilidade pública;
c) por interesse social.
Bens suscetíveis de desapropriação:
Qualquer direito de conteúdo patrimonial, bens imóveis ou móveis, corpóreos ou incorpóreos, públicos ou privados.
- Desapropriação indireta:É a invasão de uma propriedade particular pelo Estado.
Indenização:
Consiste no pagamento de uma importância que recomponha o patrimônio da pessoa desapropriada.
Requisitos da indenização
A indenização a ser paga pelo Poder Público no processo de desapropriação precisa atender a determinadas exigências constitucionais:
a) justa;
b) prévia;
c) em dinheiro.
Pequena propriedade rural (art. 5o, XXVI)
Por expressa disposição constitucional, a pequena propriedade rural não pode ser objeto de penhora para pagamentos de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, bem como deverá receber recursos previstos em lei que financiem o seu desenvolvimento.
Direitos do autor (art. 5o, XXVII)
A Constituição tutela a propriedade imaterial do autor da obra. Os direitos do autor podem ser classificados como morais ou patrimoniais.
Propriedade industrial (art. 5o, XXIX)
A Constituição assegura aos autores de inventos industriais o privilégio de sua exploração econômica, em caráter de exclusão. A propriedade das marcas também recebe tutela constitucional.
Direito de herança (art. 5o, XXX)
É a possibilidade da transferência dos bens de uma pessoa falecida a seus herdeiros e legatários.
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